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ENTREVISTA AO SECRETÁRIO GERAL DA FENPROF

"Não aceitamos que os professores continuem a ser desvalorizados nas suas condições de trabalho...

14 de abril, 2017

A poucos dias de uma ação em que a FENPROF irá desfilar em Lisboa com uma faixa que tem mais de 500 metros, conversámos com o Secretário Geral da FENPROF para que falasse das principais preocupações dos professores, as suas reivindicações prioritárias e o que traz, de novo, os professores à luta na rua.

Para 18 de abril de 2017 a FENPROF anunciou uma grande ação de rua que irá ligar o Ministério da Educação à Residência Oficial do Primeiro-Ministro. Existe algum simbolismo nessa ligação?

Mário Nogueira (MN): Muito. Há problemas que se arrastam, há muito, sem solução, alguns agravando-se, mas o Ministro da Educação, no passado dia 5, mesmo reconhecendo a sua existência, fez saber que as soluções ultrapassam a sua esfera de responsabilidade exclusiva. Face a isso, decidimos que esta concentração, prevista para a porta do ME, deveria partir daí, deslocando-se até ao responsável máximo do Governo, o Primeiro-Ministro, a quem já solicitámos uma audiência.

Quais os problemas que se referem?

MN: Problemas que afetam as condições de trabalho dos professores, que agravam cada vez mais os níveis de desgaste físico e psicológico que sentem, que dificultam o exercício de uma profissão que exige estabilidade, que dificultam uma boa organização da escola, em bases democráticas, que são fundamentais para que exista autonomia efetiva e, ainda, problemas que estão a pôr em causa direitos fundamentais dos docentes.

Falamos, então, de problemas que, essencialmente, afetam os professores…

MN: Que afetam os professores, é verdade, profissionais que os governantes parecem ter esquecido nas medidas que tomam, o que leva a que soem a hipocrisia os elogios que por vezes fazem. Mas são problemas que, a não serem resolvidos, afetam igualmente as condições de organização e funcionamento das escolas e se refletem sobre aqueles a quem a escola se dirige, os alunos, dificultando as suas aprendizagens.

Quais são as questões concretas que se colocam e que soluções defende a FENPROF para resolver os problemas existentes? Comecemos, por exemplo, pelos problemas da precariedade. Este ano irão entrar nos quadros cerca de 3.000 professores, não é suficiente?

MN: A entrada de 3.000 professores nos quadros dos agrupamentos e escolas não agrupadas não é uma medida sem significado, mas é muita curta. Se tivermos em conta que há 20.000 docentes com tempo de serviço suficiente para, se fosse no setor privado, entrarem nos quadros, a vinculação prevista para este ano deixa de fora 85% dos que estão em situação precária.

Então como se compreende que o Governo deixe de fora os professores do programa de combate à precariedade? A FENPROF concorda com essa exclusão?

MN: Parece, realmente, inexplicável que os professores, e refiro-me a todos os que exercem atividade no Pré-Escolar e nos Ensinos Básico, Secundário e Superior, representando 2/3 da contratação a termo no Estado não sejam considerados no âmbito desse programa. Porém, concordaremos que assim seja se ficar claro que, tanto no ME, como no MCTES serão tomadas medidas que, tendo em conta a especificidade deste setor, deem resposta ao problema. Não estamos nada de acordo que a entrada nos quadros decorra na sequência de pedidos individuais e por decisão de uma qualquer comissão constituída, como acontecerá com o programa decidido unilateralmente pelo Governo. Para nós, postos de trabalho permanentes deverão ser ocupados por docentes dos quadros e o ingresso deverá acontecer na sequência do cumprimento de tempo de serviço associado à existência da habilitação legalmente estabelecida.

Então o que deveria ser feito?

MN: No ME, terão de abrir novos processos de vinculação extraordinária, que o Ministro, no passado dia 5, reconheceu que seriam importantes, mas não ser da sua exclusiva responsabilidade decidi-los; no MCTES, é necessário que o Ministro aceite negociar e aprovar normas que garantam estabilidade a docentes, sejam professores auxiliares ou leitores, e a investigadores, o que tem tardado, apesar das muitas reuniões que se têm realizado, mas de onde, por vezes, não se passa dos diagnósticos e da necessidade de tomar medidas. Mas há outras situações de grande precariedade de professores, por exemplo, nas AEC ou no exercício de funções no IEFP, só para dar dois dos exemplos mais negativos.

Falou-se do desgaste dos docentes. De que resulta e qual a resposta adequada?

MN: Os fatores são muitos, mas os que os professores mais identificam são os horários de trabalho e o número de alunos por turma. Quanto aos horários, há agora uma ótima oportunidade de resolver o problema, pois está em vias de ser negociado o despacho de organização do próximo ano letivo, através do qual será necessário resolver ilegalidades, tais como as que resultam da falta de clareza na definição do que é letivo e não letivo, ou o problema dos intervalos no 1.º Ciclo, sendo igualmente possível esclarecer que as reduções por antiguidade dos docentes, o artigo 79-º do ECD, deverão reverter para a componente individual de trabalho. Quanto ao número de alunos por turma, basta que o Governo cumpra o compromisso que assumiu e deixe de adiar a resolução do problema.

Mas também se fala do problema do envelhecimento do corpo docente das escolas…

MN: Exatamente. Esse é o outro problema. É reconhecido que o corpo docente das escolas está envelhecido, sendo isto válido para todos os setores de ensino, do Pré-Escolar ao Ensino Superior. É necessário resolver um problema que afeta os docentes, claro, mas tem repercussões negativas na dinâmica das escolas e na sua relação com os alunos. É preciso renovar uma geração de professores que, em muitos casos, irá trabalhar mais de 45 anos sem que o Governo considere tratar-se de uma carreira contributiva longa. Sobre isto não temos qualquer dúvida que o problema só se resolverá com um regime especial de aposentação para os professores, devendo este fixar-se em 36 anos de serviço. Este é dos problemas que os professores sentem tanto que, para o resolver, estão por tudo… e bem!

E quanto às carreiras, finalmente vem aí o seu descongelamento?

MN: É o que se exige e espera, mas estamos cada vez mais preocupados com algumas notícias que têm vindo a público e também com declarações de responsáveis das Finanças sobre esse processo, dando a entender que, afinal, 2018 será só o início de um descongelamento que poderá arrastar-se anos e que até pode levar à alteração das carreiras. Mais preocupados ficámos quando o Ministro afirmou que esta não era, de todo, responsabilidade do ME… Não se brinque com o problema. Estamos a falar de uma matéria que, para os professores, não tem discussão. Os professores perderam quase dois anos e meio de tempo de serviço, entre 2005 e final de 2007, e viram as suas carreiras bloqueadas em 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017… Nem nos passa pela cabeça que em 1 de janeiro de 2018 não aconteça o que deveria já ter acontecido em 1 de janeiro de 2011, isto é, 7 anos antes…

E quanto ao tempo de serviço perdido?

MN: Esse terá de ser recuperado, sob pena de a maioria dos professores não passar de escalão intermédio da carreira, o que seria inaceitável. Sabemos que fazer essa contagem de uma só vez teria um custo elevadíssimo, e sabemos porque os professores têm arcado com esse custo, mas, por isso, estamos disponíveis para negociar um faseamento… mas deixar cair esse tempo, que os professores trabalharam e durante o qual fizeram todos os seus descontos, nem pensar. E, já agora, é necessário que antes do descongelamento, portanto, ainda no ano em curso, sejam reparadas todas as ilegalidades que este e outros governos não resolveram, tais como a integração no escalão adequado dos professores ilegalmente retidos no 1.º, a publicação das vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões e a reposição correta dos que adquiriram graus de mestrado e doutoramento.

Falou-se ainda da organização da escola, presume-se que a organização pedagógica e a sua gestão. O que é preciso?

MN: Que a escola seja, de facto democrática, e isso impõe-se, desde logo, à sua gestão. É preciso que a escola volte a ter uma gestão democrática na qual os professores e demais membros da comunidade escolar se revejam e não que temam. É necessário que a escola volte a ter uma dimensão adequada e, por isso, há que acabar com essa aberração que são os mega-agrupamentos. E é necessário que a escola esteja imune a inaceitáveis ingerências provenientes de espúrias tutelas, pelo que há que rejeitar o processo de municipalização que este Governo pretende recuperar.

Mas a municipalização não morreu com a queda do Governo anterior?

MN: Pensávamos todos que sim, mas parece que apenas estava em estado de hibernação. A chamada descentralização, não é mais do que o retomar do modelo anterior, com um ou outro ajuste, mas agora com aplicação universal e definitiva. Não se trata de descentralização nenhuma, mas de uma transferência de competências das escolas para as câmaras em aspetos em que estas dão boas respostas e só não dão melhores por manifesta falta de recursos.

Uma municipalização a que o Ensino Superior está imune, claro…

MN: Sim, é verdade, mas tal como nos ensinos Básico e Secundário e no Pré-Escolar a municipalização atenta contra a Escola Pública, no Ensino Superior, também com o intuito de desresponsabilização e a irresponsabilidade de pôr em causa a resposta pública, o Governo, através do MCTES, está claramente apostado em empurrar as instituições para o regime fundacional. A FENPROF opõe-se determinadamente a esse caminho e o que se tem visto nos casos em que essa transformação já se deu reforça a nossa convicção. A ação do dia 18 tem a ver com questões que, algumas delas, são comuns a todos os docentes, mas se centram mais no ME. A manterem-se os problemas no Superior, é bem provável que, mais cedo do que tarde, estejamos na rua, nas Laranjeiras, a exigir medidas que tardam em ser resolvidos.

De novo, como começámos, a luta, em particular, a próxima terça-feira, dia 18 de abril, como vai ser?

MN: Desde logo, vamos ter uma novidade, uma faixa com… 550 metros. É verdade, mais de meio quilómetro, que exige muita gente para a levar do ME ao PM. Mas esses professores todos vão estar presentes. Uma faixa repleta de fotografias de professores empunhando, cada um deles, a reivindicação que considera ser, para si, prioritária. São bem acima das mil fotografias, tendo superado as nossas expetativas…

Os professores concentrar-se-ão a que horas?

MN: Entre as 14:30 e as 15:00 horas, junto ao ME, na Avenida 5 de Outubro, daí sairemos até à Residência Oficial do Primeiro-Ministro, passando pela Assembleia da República, outra importantíssima instância de decisão política no atual quadro de relação de forças que existe.

E depois, prevendo-se uma reunião com o Primeiro-Ministro, o que lhe será proposto?

MN: Sim, pelas 17:30 horas. Foi o que solicitámos, pelo que esperamos que aconteça ou, caso tenha já agenda ocupada para esse dia, com um alto responsável do seu gabinete. O que iremos propor é que assuma um Compromisso com os professores, que contemple a resolução dos problemas que antes se referem. Levaremos o mesmo que, em documento, apresentámos ao Ministro da Educação, mas com o qual este não se comprometeu, justificando, para a maior parte dos problemas, a falta de competência política para decidir. Assim sendo, ninguém é mais competente que o Primeiro-Ministro… Ou seria melhor irmos a Bruxelas?

Mas admitem ir a Bruxelas?

MN: A Bruxelas não porque acreditamos que Portugal continua a ser uma Nação soberana. Mas a continuar a luta sim. E é por isso que já iniciámos o debate com os professores sobre o que fazer a seguir. É óbvio que, como trabalhadores que somos, estaremos na luta de todos os trabalhadores, mas, na nossa qualidade de docentes, não deixaremos de exigir a resolução dos nossos problemas específicos, a assunção do Compromisso que antes refiro e, nesse sentido, tudo está em aberto, incluindo uma grande Manifestação de Professores e o recurso à Greve, incluindo em períodos que são sempre mais sensíveis. O que não aceitaremos é que os professores continuem a ser desvalorizados nas suas condições de trabalho, na sua estabilidade e nos seus direitos e a ser esquecidos pelas políticas dominantes.