Nacional Gestão Democrática das Escolas Carreira Docente
Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF (19/12/2007)

2007: Balanço da acção governativa na área da Educação

19 de dezembro, 2007

Uma simples apreciação sobre a acção do Governo, no ano 2007, no sector da Educação, permite afirmar que este termina tão mal como começou. Se Janeiro de 2007 ficou assinalado pela publicação, no dia 19, do que designámos por "ECD do ME", Dezembro fica, obviamente, marcado pelo anúncio da intenção de desferir a machadada final no que ainda resta de gestão democrática das escolas.

Se, relativamente ao ECD, as dúvidas de constitucionalidade são diversas, aguardando-se, sobre elas, um pronunciamento do Tribunal Constitucional, também em relação ao que foi anunciado para a gestão, a situação se afigura muito grave, pois são princípios fundamentais que estão a ser postos em causa. Recorda-se que, para modelos semelhantes ao que o Primeiro-Ministro anunciou, há um acórdão de declaração de inconstitucionalidade - relativo ao regime de gestão imposto na Região Autónoma da Madeira -tendo, também, surgido dúvidas no ex-Presidente da República, Jorge Sampaio, em relação ao modelo prefigurado na designada Lei de Bases da Educação aprovada pelos PSD e CDS em 2003. Dúvidas que, inclusivamente, levaram ao veto presidencial.

O ataque parece
estar para continuar

De 2007 e do ECD imposto pode dizer-se, como prevíramos, que está a criar mais desemprego entre os docentes, mais precariedade nas relações laborais e mais instabilidade profissional; que deteriorou as condições de exercício da profissão docente; que está a provocar sobrecargas horárias e de trabalho que esgotam os profissionais e influem negativamente no seu desempenho; que lhes retira ou restringe direitos que são reconhecidos a outros trabalhadores; que dificulta a organização pedagógica e o normal funcionamento das escolas -  todavia, o ataque parece estar para continuar, pelo menos se tivermos em conta os apelos feitos recentemente nesse sentido, por alguns opinion-makers, destacando-se, desta vez, o economista César das Neves e o jornalista José Manuel Fernandes.

Quanto à alteração do regime de direcção e gestão, que se enquadra na mesma ofensiva contra pilares fundamentais da Escola Pública, não se podem, por enquanto, tecer mais comentários, pois falta conhecer o texto de um projecto que o Governo já vai dando como facto consumado. No entanto, percebe-se que estamos perante uma perigosa mudança de paradigma, para recorrer a uma expressão tão ao gosto dos governantes sempre que pretendem justificar as suas malfeitorias. A escola passará a responder, muito menos, pelos seus resultados educativos, entendidos na dupla dimensão escolar e social, para passar a prestar contas, essencialmente, pelos resultados de gestão, tanto de recursos humanos, como financeiros.

Para obterem os almejados resultados, os directores terão de recorrer a medidas como a manutenção de turmas numerosas, o corte nos apoios, a degradação das condições de trabalho e a privatização de um crescente número de serviços dentro da escola. Penalizadas, continuarão a ser as famílias para quem os custos da Educação não deixarão de se agravar.

Sobre esta anunciada alteração, a direita social não critica e preocupa-se, até, que a direita política o faça, recordando que estão perante um velho desejo seu... já o Governo Regional da Madeira acrescenta, parodiando, que nem ele se atrevera a ir tão longe no regime que foi declarado inconstitucional.

Os auto-elogios do Governo
e a realidade

Neste final de 2007, o Governo não se tem poupado a auto-avaliações, de que decorrem auto-elogios, sobre as medidas que impôs no sector da Educação. A ninguém passou despercebido, contudo, que as avaliações positivas se esgotam nos números, nas estatísticas, sendo, por norma, omitidas a qualidade das respostas e a eficácia das medidas na resolução dos problemas.

Alguns exemplos:

* Refere-se como positiva a designada requalificação do 1.º Ciclo, mas quando alguém afirma que, na maior parte dos casos, se limitou a encerrar escolas, o que criou dificuldades acrescidas a milhares de crianças e despesas maiores a muitas famílias, o ME diz que isso são excepções, exemplos extremos, caricaturas...

* Referem-se como positivas as actividades de enriquecimento curricular, quase exemplares, mas quando se alerta para a sua desarticulação com o que, supostamente, estaria a ser enriquecido - o currículo - , quando se denuncia a perturbação que estas provocam no próprio desenvolvimento curricular e na organização pedagógica da componente lectiva, quando se denuncia ser esta uma porta de entrada dos privados na escola pública ou quando se contesta a extrema precariedade de quem trabalha nas AEC, o ME diz, de novo, que isso são excepções, exemplos extremos, caricaturas...

* E foi assim, ao longo do ano com quase tudo: com o desmantelamento de boa parte das respostas e medidas de Educação Especial (restringiram-se os critérios de sinalização, cortaram-se os apoios especializados e colocaram-se docentes, nas escolas, sem qualquer formação ou experiência); com a proliferação de contratos de autonomia que responsabilizam as escolas pela obtenção de melhores resultados, enquanto desresponsabilizam o ME e o Governo pela criação de melhores condições e pela afectação de mais recursos; com a crescente transferência de competências para os municípios sem as necessárias contrapartidas e, face à preocupação manifestada pelos Sindicatos, acusando-os de se comportarem como Sindicatos das Autarquias; mas estes são apenas alguns exemplos...

É mais cómodo sacudir a água
para os capotes alheios...

Algumas das medidas impostas pelo ME (por circular ou despacho), pelo Governo ou pela maioria parlamentar, poderão conter mecanismos que permitirão atenuar os números do insucesso escolar. Mas... e o insucesso educativo, de espectro muito mais largo e abrangente, estará a ser atenuado?! E os problemas que são as causas principais do insucesso e do abandono escolar estarão a ser resolvidos ou, apenas, perigosamente disfarçados?!

Não querendo reconhecer e assumir as suas responsabilidades, os governantes continuam a apontar o dedo acusador aos professores e às escolas. É mais cómodo, de facto, sacudir a água para os capotes alheios...

Ainda esta semana pudemos ler declarações do Secretário de Estado da Educação em que acusava os estabelecimentos de ensino de não instituírem o objectivo da promoção do sucesso e de o não incorporarem na sua cultura. O mesmo governante, na sua sanha de injuriar os professores, dizia também que um dos problemas cuja factura, alegadamente, estaríamos a pagar seria o facto de, durante muitos anos, o sistema se ter organizado em função dos professores e de outras razões e não dos alunos.

Estas são apenas algumas das declarações, as últimas, de que resulta, muito claro, um profundo desrespeito pelos docentes? Uma vulgaridade na panóplia de afirmações que pretendem desconsiderar os professores.

Mas o desrespeito pelos docentes, este ano, conheceu situações que superaram todos os limites da razoabilidade e foram muito para além das palavras. Dois exemplos: as colocações dos professores e educadores, mesmo só tendo abrangido um número limitado de docentes, estão manchadas por ilegalidades, arbitrariedades e discricionariedades diversas, que foram desde o estabelecimento de datas ilegais para o fim das cíclicas, até à colocação de docentes sem habilitação em grupos de que se excluíram aqueles que se candidataram e estavam habilitados. Outro, foi o concurso para professor titular, que mereceu uma posição do senhor Provedor de Justiça que se estendeu por 17 páginas de reparos e sugestões.

Sobre esse concurso, assinale-se, precisamente por estarmos a 19 de Dezembro, que o ME não respondeu aos recursos apresentados nos 90 dias úteis legalmente previstos. O último dia de apresentação de recurso instruído foi 7 de Agosto, pelo que estamos, hoje, no nonagésimo dia útil após essa data. Se tivermos em conta que nos últimos dias de Agosto, a Ministra da Educação, em entrevista, afirmou que as respostas seriam conhecidas antes de se iniciarem as aulas, e que nos primeiros dias de Setembro, em reunião realizada no ME, o director da DGRHE nos informou que estas estariam para breve, temos de concluir que no ME se mentiu.
Sabe-se que o gabinete jurídico da DGRHE apreciou todos os recursos e que a informação prestada aos docentes era de que as respostas se conheceriam no dia 14 (sexta-feira passada). Terá o ME pretendido manter a expectativa sobre a resposta para inviabilizar, com o esgotamento de prazos, o recurso generalizado aos tribunais?! Os Sindicatos avançaram com muitos processos, mas há certamente centenas que não avançaram por aguardarem resposta.

Assim, não se resolvem os problemas...

Com estes comportamentos torna-se, realmente, muito difícil, para não dizer impossível, resolver os problemas da Educação. É que todos já percebemos que aqueles de quem se esperavam soluções para os problemas fazem, afinal, parte dos mesmos. Eles assistem ao esgotamento dos professores, sobre quem se abatem horários de trabalho pedagogicamente absurdos e muitas vezes ilegais, mas preferem dizer que nas escolas se continua a trabalhar muito pouco; eles sabem da existência de inúmeras situações de indisciplina e mesmo violência nas escolas, mas preferem desvalorizá-las, como se fossem normais; eles lêem os resultados do PISA, justificam-nos com as retenções, mas em vez de reforçarem as medidas de apoio aos alunos retidos, preferem combatê-las com medidas de carácter administrativo e pressões sobre os docentes...

Por tudo o que até aqui se disse, é óbvio que a FENPROF considera o ano 2007 como um dos mais negativos no domínio da Educação.

Esta apreciação crítica que os Sindicatos têm feito das políticas educativas e das medidas que as concretizam, levaram a que 2007 ficasse marcado por mais discursos e novas atitudes que pretenderam desvalorizar o seu papel. Valeu tudo: constrangeu-se o livre exercício da actividade sindical pelos professores, atacou-se a organização sindical, tentou-se descredibilizar publicamente as direcções e os dirigentes, criaram-se instâncias alternativas aos Sindicatos para desenvolver linhas de pseudo-diálogo. Esta atitude esteve presente em actos e palavras de responsáveis do ME, mas também nas do próprio Primeiro-Ministro, sendo relevante a desconsideração que fez dos Sindicatos precisamente no dia 5 de Outubro, Dia Mundial dos Professores.

A Senhora Ministra considerou, recentemente, que uma boa relação institucional com os Sindicatos exigia destes uma atitude geradora de confiança ... trocando por miúdos, pretenderia que estes não criticassem, nem promovessem protestos, manifestações, greves... em suma, que estes se comportassem como almofadas em que o poder pudesse repousar a cabeça. Não seremos esses sindicatos. E não seremos porque não queremos, por não ser esse o nosso papel, por não corresponder à natureza da organização sindical, por não ser isso que os professores esperam e merecem dos seus Sindicatos e, em particular, da FENPROF. Não será por acaso que o grupo profissional dos docentes é dos que apresenta uma das mais elevadas taxas de sindicalização. É perante os professores que teremos e iremos continuar a responder.

2008: unidade, acção, determinação

Num ano que ficou claro, se é que ainda alguém tinha dúvidas, que em curso está um ataque à natureza democrática da Escola Pública, que as medidas impostas tendem a impedir e não a alargar a participação e que muitas dessas medidas pervertem, de facto, a Lei de Bases do Sistema Educativo [estando a ser preparado o terreno que conduzirá a uma alteração que só em pormenores se distinguirá da que a maioria PSD/CDS aprovou e o Presidente Sampaio vetou], a FENPROF declara que:

1. Considera indispensável a realização da já proposta avaliação externa às medidas impostas pelo ME e pelo Governo, na Educação, nos últimos dois anos, e que esta seja da responsabilidade de avaliadores independentes validados pelo Governo e pelos parceiros educativos;

2. Em 2008 aprofundará a contestação ao ECD do ME, desde logo na semana que termina em 19 de Janeiro, com acções que visam dar visibilidade ao Dia Nacional de Luto dos Docentes Portugueses;

3. No ano que está prestes a começar, a acção reivindicativa continuará a ser complementada por uma reforçada intervenção nos planos jurídico e institucional, como forma de denunciar e combater actuações do Governo e do ME que são inaceitáveis num Estado de Direito Democrático;

4. Ainda em 2008, se empenhará na criação de uma ampla convergência social, envolvendo, professores, estudantes, pessoal não docente das escolas, pais, autarcas e cidadãos em geral, com o objectivo de promover acções que visam defender uma Escola Pública, Democrática, de grande qualidade e capaz de responder a todos, independentemente das suas diferenças. Iniciativas de encontro, para reflexão e tomada de posição, e o lançamento de um Manifesto aberto à sociedade, serão algumas das acções que estão já previstas.

A razão que nos assiste e a justeza das posições que defendemos dar-nos-ão a força suficiente para não desistirmos e, pelo contrário, sermos cada vez fortes e ousados na luta que continuaremos a travar. / M.N.

Lisboa,19 de Dezembro de 2007