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Importá-lo? Nein, Danke!

Educação: O Sistema Dual Alemão

01 de março, 2013

 

Na Alemanha, o Sistema Dual de Educação tem muitas virtualidades...

A mais importante de todas elas é a sua contribuição para manter uma força de trabalho altamente especializada que, em mais de oitenta por cento dos casos, tem tido, até agora, garantia de empregabilidade. No entanto, o seu sucesso (que, como adiante se verá, é muito relativo) assenta numa insanável contradição: a todas as crianças alemãs, que terminam a Escolaridade Básica de 4 anos (Grundschule), é negado, em termos de percurso escolar futuro, o direito à liberdade individual e à igualdade de oportunidades que a democracia alemã consagra constitucionalmente desde 1949. 

Com efeito, aos 10 anos de idade, as crianças alemãs são separadas por três percursos educativos secundários (Hauptschule, Realschule e Gymnasium), totalmente diferentes no que respeita à qualidade educativa e ao grau de aceitação social, através de critérios muito arbitrários que funcionam como um verdadeiro filtro social e económico. Para não falar dos aspectos traumáticos inerentes a uma “escolha” tão precoce da via educativa, que graduará o percurso profissional de todos e de cada um e marcará indelevelmente o seu futuro como cidadãos. 

Com este pano de fundo, o Sistema Dual, que funciona a partir dos 16 anos de idade, reveste aspectos que apontam para um certo referencial democrático, pois para ele convergem alunos provindos dos três percursos referidos, ainda que munidos de aprendizagens muito diferentes que os colocam em patamares desiguais.

Para que se perceba do que estamos a falar, convém um breve exemplo. No âmbito do Sistema Dual, a Lufthansa (companhia aérea alemã) colocou recentemente a concurso (como vai fazendo paulatinamente) algumas vagas de estágio, de três anos, para mecânicos especializados, pagando mensalmente a cada estagiário mais de 1.000 euros, e garantindo-lhes um formador de campo praticamente exclusivo e um centro vocacional altamente apetrechado nas instalações da empresa.

Teoricamente, todos os alunos alemães, com pelo menos 16 anos de idade, de qualquer um dos três percursos educativos acima referidos, podem concorrer a esta verdadeira “mina de ouro” social e económica. Contudo, como é óbvio, um estágio destes será certamente atribuído pela empresa, através de um processo de selecção implacável, a alguém com uma formação secundária sólida, quase de certeza de nível liceal (Gymnasium). 

Um aluno saído da Hauptschule (o nível mais baixo de formação secundária) nem se atreverá sequer a concorrer (ainda que lhe seja permitido fazê-lo) e o seu destino passará muito provavelmente por um estágio de dois anos numa retrosaria, supermercado ou talho duma pequena cidade, onde se especializará numa actividade muito restrita que lhe fechará qualquer possibilidade de ascensão social ou económica, recebendo 200 ou 300 euros mensais e frequentando um centro vocacional, sem qualquer estatuto, pertencente à Câmara de Comércio local. 

O Sistema Dual é tudo isto, embora seja preciso descer mais ao seu âmago para o compreender verdadeiramente. Analisado fora de contexto parece quase perfeito. Em matéria de frequência, por exemplo, se olharmos para o ano de 2009 verifica-se que perto de 21% dos seus formandos provinham do Liceu (Gymnasium), 43% de Escolas Intermédias (Realschule), 33% do sistema secundário baixo (Huptschule) enquanto apenas pouco mais de 3% não possuíam qualquer diploma devido a um historial de insucesso escolar. A realidade, porém, é superior à ficção, e o Sistema Dual Alemão mais não faz do que concretizar o que as desiguais oportunidades concedidas às crianças alemãs, aos 10 anos de idade, fazem antever. 

Como o exemplo da Lufthansa mostra claramente (vários jornais ingleses trouxeram-no, aliás, recentemente à estampa, dando voz à actual moda de tentar copiar o sistema dual alemão desde os EUA, à Grã-Bretanha, passando pelo Canadá), em contraste com a infinitude de retrosarias, cabeleireiros ou empregados de balcão, o sistema dual é uma larguíssima plataforma de profissionalização dos jovens alemães que funciona em paralelo com o diversificado sistema formal de educação

Tanto abre largos horizontes, sociais e económicos, a quadros não superiores altamente qualificados, como condena os menos preparados a uma via profissional estreitíssima e altamente condicionada.

Ainda assim, tentar importar um sistema destes, que radica na explosão das artes e ofícios das cidades alemãs da Liga Hanseática dos primórdios da Idade Moderna, para um país com um tecido empresarial exangue, desindustrializado e sem perspectivas de financiamento como Portugal é uma loucura. Pretendê-lo como solução para os alunos vítimas de insucesso recorrente é desvirtuá-lo no que ele tem, apesar de tudo, de melhor. Por isso, o que o ministro Crato ensaiou com a sua ida à Alemanha, para assinar um protocolo de cooperação, ao que parece, com o Bundesinstitut für Berufsbildung (Instituto Federal para a Formação Vocacional) foi uma palhaçada destinada a tapar o sol com uma peneira rota. 

Na Alemanha, segundo dados do Bundesinstitut für Berufsbildungde 2007, o Sistema Dual custou nesse ano 30.900 milhões de euros (praticamente metade do empréstimo da Troika a Portugal, se excluirmos os 12.000 milhões destinados à banca!), repartidos pelas empresas (23.800 milhões, 77%), pelo Estado Federal (3.900 milhões, 13%) e pelos Länder(3.200 milhões, 10%). Abrangeu 1.571.457 estagiários cuja formação vocacional custou, individualmente, quase 20.000 euros/ano.

Esta é uma realidade que não é fácil de compreender se não olharmos mais de perto o complexo sistema de ensino alemão, ainda por cima com muitas variantes de estado para estado. Cada Estado (Land, plural Länder) tem o seu próprio percurso histórico, embora as vias principais sejam muito semelhantes em toda a Alemanha.

O Sistema de Ensino Alemão:
de Pequenino… Se Marca o Destino!

As crianças alemãs entram no Jardim de Infância a partir dos três anos de idade, embora este ciclo de escolaridade seja opcional. A partir dos seis (nunca antes) entram na Escola Básica (Grundschule) que é obrigatória e dura 4 anos. Quando terminam a Escola Básica entram no Ensino Secundário que pode durar entre 5 e 8 anos (final do Nível II). Este segundo ciclo de escolaridade é bastante complexo e desigual. 

Embora a partir do final dos anos noventa do séc. XX tenha começado a existir um período de dois anos (a seguir à Grundschule) em que é possível mudar de nível de ensino, o facto é que a maioria das crianças fica “agarrada” ao tipo de escola em que é “colocada” no 5º ano de escolaridade. Na generalidade dos casos, qualquer criança que tenha uma boa média final de avaliação do 3º e 4º anos da Escola Básica inicial (que lhe permita ultrapassar os “numerus clausus” do Liceu que pretende frequentar), e tenha a confiança dos pais (no sentido em que não irá falhar, caso em que envergonha a família e marca passo em termos escolares) ingressa no Liceu, no 5º ano, e termina a escolaridade secundária após a obtenção do Abitur (exame final), que lhe permite a entrada na Universidade. Pode entrar em qualquer faculdade, independentemente do conjunto de disciplinas com que termina o 12º ano, mas tem de ultrapassar a existência de “numerus clausus”. 

Se alguma das condições atrás descrita falhar, o Liceu transforma-se numa miragem. Fica com a possibilidade de entrar na Realschule (Escola Secundária Intermédia) se conseguir ultrapassar os “numerus clausus” desta e se, mais uma vez, tiver a confiança dos pais. No décimo ano, se ultrapassar com sucesso o exame final, obtém o certificado de conclusão do Ensino Secundário de Nível I (Mittlere Reife) e pode candidatar-se a empregos, normalmente no sector administrativo, ou prosseguir os estudos numa Escola Técnica mais avançada (Fachoberschule). 

A conclusão desta com sucesso dar-lhe-á acesso a um mercado de trabalho mais especializado, e melhor remunerado, ou à continuação dos estudos no Ensino Politécnico.

Todos o que não conseguem entrar no Gymnasium ou na Realschule, o que acontece com muita frequência, são “empurrados” para a desqualificada Hauptschule. Aí permanecem 5 anos para cumprir a escolaridade obrigatória até ao 9º ano. Caso terminem com sucesso a Hauptshule podem optar por continuar a estudar em escolas vocacionais (que lhes darão alguma qualificação profissional, embora relativamente baixa), ou candidatar-se ao Sistema Dual.

Porém, como vimos atrás, neste sistema, que corre paralelamente ao conjunto do ensino formal, têm muito poucas hipóteses de arranjar um lugar de estágio significantemente qualificante e bem remunerado, uma vez que as empresas que abrem estes lugares escolhem preferencialmente os seus formandos entre os que possuem o Abitur ou o Mittlere Reife (cf. A Estrutura do Sistema Educativo Alemão).Para além da complexidade, a principal crítica que cai sobre o sistema de ensino alemão é a sua imposição de escolha do caminho a seguir logo a partir dos dez anos de idade.

Independentemente dos dois anos ditos de orientação (5º e 6º), que, caso funcionassem (e na prática só funcionam muitíssimo residualmente!), permitiriam uma alteração de percurso escolar no início do 7º ano, o facto é que as crianças alemãs são “encaixadas” bastante cedo num caminho do qual é quase impossível sair. Dada a diferença abissal de perspectivas de emprego qualificado no fim do secundário, para não falar do acesso ao Politécnico ou à Universidade, que os três principais percursos formaisinduzem, tem-se verificado ultimamente que a concorrência entre as crianças começa logo na Escola Básica (3º e 4º anos de escolaridade), e que as explicações extra-escolares proliferam neste primeiro ciclo de ensino.

A Escola Pública inclusiva e de qualidade
tem de ser preservada! 

Há muito a fazer para melhorar a Escola Pública em Portugal. E o desafio da construção de um Ensino Profissional de qualidade não é certamente o menor dos muitos que temos pela frente. Mas não podemos permitir que uma matilha de imberbes neoliberais, (de)formados em pseudo-cursos, sem qualidade nem ética, arrasem o que custou aos trabalhadores portugueses, com especial destaque para os professores e educadores, quase quatro décadas a construir: uma escola pública de qualidade para todos. Que com as suas insuficiências, erros de análise e acidentes de percurso, ainda aí está como símbolo do melhor que a Revolução de Abril produziu.
Sistema Dual? Nein, Danke. | António Nabarrete, dirigente do SPGL

 

lemão 
Escolas 
Nocturnas 
Educação 
de 
Adultos Possibilidade de continuação 
Em escolas vocacionais 
(Fachschulen)
Universitäten 
(Universidades) 
Schulen des Gesundheitswesens 
(Escolas Profissionais de Saúde) 
Fachhochschulen 
(Politécnico) 
Possibilidade de acesso à Universidade 
Gymnasium
Nível 
Secundário 
II 
(2 anos) 
Mercado 
de 
trabalho 
Berufsaufbauschulen 
(Escolas Vocacionais Especializadas a tempo inteiro) 
Berufsfachschulen 
(Escolas Vocacionais a tempo inteiro) 
Fachoberschulen 
(Escola Técnica) 
Nível 
Secundário II 
Sistema 
Dual 
(Estágios 
em 
empresas e 
Escola 
Vocacional 
Básica) 
3 anos 
Berufs‐
ausbildung
Realschulen
Escolas Secundárias 
Intermédias 
(4 anos) 
Gymnasium
Liceu 
(6 anos) 
Hauptschulen – Escolas Secundárias 
de Nível I (3 anos) 
Fim do Ensino Formal Obrigatório (aos 
9 anos) 
Hauptschulen (2+3 anos), Realschulen (2+4 anos) e Gymnasium (6 anos) –
(Secundário de Nível I) dos 10 aos 15, ou 16 anos 
[Dois anos de Orientação – 5º e 6º ano] 
Grundschule (Escola Básica) – dos 6 aos 10 (4 anos) 
Kindergarten (Jardim de Infância) – dos 3 aos 6 anos (3 anos) – Não obrigatório
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