2.º e 3.º CEB e Ensino Secundário
Ensino Secundário

Posição da FENPROF sobre revisão curricular

10 de fevereiro, 2003


Posição da FENPROF sobre a proposta do M.E.  do XV Governo Constitucional de Reforma do Ensino Secundário Linhas Orientadoras da Revisão Curricular


1. Introdução: a situação actual do Ensino Secundário

A primeira questão é logo um problema de semântica: estamos a discutir um documento que trata de uma mera revisão curricular, como pretendia o governo anterior, ou de uma proposta de reforma do Ensino Secundário, cuja primeira peça são estas linhas orientadoras curriculares, como parece pretender o actual Ministério da Educação?
Não temos dúvidas de que a situação actual do Ensino Secundário necessitava de uma reforma com alguma urgência, sobretudo por três razões fundamentais:
(1)     Tendo atingido 70% da frequência do respectivo grupo etário, em meados da década de 90, com um atraso de cerca de 25 anos em relação aos países europeus mais avançados (que já atingiam taxas de participação iguais ou superiores a 85% no início dos anos 70), o Ensino Secundário, em Portugal, necessita ainda de uma efectiva democratização e generalização, em termos de uma escolarização secundária para todos, dado que cerca de 2/3 da população adulta activa não ultrapassa ainda o 6.º  ano de escolaridade.
(2)     A procura do Ensino Secundário, no contexto do alargamento e da democratização do Sistema Educativo Português, que teve lugar a partir da década de 70, foi claramente marcada por um fenómeno de distorção nas matrículas dos alunos, que optaram massivamente pela frequência dos Cursos Gerais (ou seja, de prosseguimento de estudos, que ainda representam cerca de 70% do número total de inscritos), em detrimento de outras opções sucessivamente ensaiadas (12.º ano profissionalizante, cursos técnico-profissionais, cursos tecnológicos, escolas profissionais e/ou 9.º ano+1 ou 10.º ano profissionalizante).
(3)     O insucesso escolar que se verifica no Ensino Secundário, e que os últimos números continuam a mostrar tendência para ainda se estar a agravar cada vez mais, com taxas de insucesso que, conjugadas com o abandono, chegam mesmo aos 60% em algumas regiões, problema que ainda é sentido de modo mais acentuado nos Cursos Tecnológicos, onde a taxa dos alunos que não concluem esses cursos, no tempo médio da sua duração, ultrapassa os 80%. O Ensino Secundário é, assim, o sector do ensino mais selectivo existente em todo o sistema educativo português e aquele que produz maiores índices de exclusão social, a partir da escola.

2. A contra-reforma educativa do XV Governo

2.1. Primeira etapa: a revisão da revisão curricular do governo anterior
Sem começar por fazer um diagnóstico completo e esclarecedor da situação actual em que está o Ensino Secundário, em Portugal, o documento do M.E. abre, na sua apresentação, com uma justificação das razões da promulgação do decreto-lei n.º 156/2002, de 20 de Junho, que suspendeu a generalização da revisão curricular do Ensino Secundário, alegando, por um lado, não estarem reunidas as condições para se proceder à sua implementação e, por outro,  para extrair todos os efeitos inerentes a uma verdadeira opção estratégica nacional para o ensino secundário .
Através da definição desses aspectos estratégicos ficamos logo a saber que não há nenhum projecto ou proposta própria do XV Governo a curto prazo, mas que se trata apenas de retocar a proposta do Governo anterior, num primeiro momento, para se diferirem, depois, até 2010, as grandes linhas da reforma a ser feita por este Governo, que só a poderá fazer, no entanto, se conseguir uma maioria política para efectuar uma revisão prévia da Lei de Bases do Sistema Educativo, de 1986, que se passaria a denominar Lei de Bases da Educação e da Formação Vocacional.
Até lá, vai ser feito o saneamento financeiro das despesas com a Educação na verba do pessoal e imperar a contenção orçamental, tal como está patente no Programa de Estabilidade e Crescimento 2003-2006.
Definidas as prioridades financeiras de melhoria da organização e gestão do sistema, o que passa igualmente pela transferência de competências para as autarquias, já praticamente definidas na legislação entretanto produzida relativamente aos Conselhos Municipais de Educação e que incluem as matérias relativas à Carta Educativa dos concelhos, o M.E. já tomou um conjunto de medidas igualmente estratégicas, a saber: decidiu avançar com os programas aprovados de algumas das disciplinas, já no próximo ano lectivo, mesmo antes da generalização da reforma (no quadro da manutenção da actual matriz curricular e dentro da carga horária e da duração das unidades lectivas como estão estruturadas actualmente?) , e sem que isso seja feito em regime experimental, fundamentalmente para garantir o apoio dos editores e livreiros; promulgou a legislação relativa ao estatuto do aluno, que introduz as faltas, mesmo na escolaridade básica, a implicar a sua retenção; alterou o regime dos concursos dos professores; e anunciou a sua intenção de rever o ECD.
É neste contexto que devem ser lidas as alterações ou retoques que esta proposta introduz, relativamente à revisão curricular do Governo anterior, e que podemos enunciar do seguinte modo sumário:

2.1.1. Os Cursos Gerais (que agora se passarão a designar Científico-Humanísticos) passam dos actuais 4 para 5, diminuindo em número de 2 relativamente à proposta do Governo do PS, que era de 7. Relativamente à situação actual dos agrupamentos, a alteração consiste no desdobramento das Humanidades em Línguas e Literaturas, por um lado e Ciências Sociais e Humanas, pelo outro. Em comparação com a proposta do PS, que já previa este último desdobramento, volta a haver um reagrupamento da divisão feita entre Ciências Naturais e Ciências e Tecnologias, numa só área designada Ciências e Tecnologias e não há lugar para as Artes do Espectáculo (que apareciam como uma subdivisão do actual agrupamento de Artes, em Artes Visuais e Artes do Espectáculo, na proposta do PS).

2.1.2. Os Cursos Tecnológicos passam dos actuais 11 para 10 (com a desvantagem acrescida de não haver, agora, nesta proposta, a sua ligação aos Cursos Gerais respectivos, para permitir melhor a introdução de mecanismos de  permeabilidade entre eles), diminuindo substancialmente em número, em relação à proposta dos 17 cursos feita pelo Governo do PS, a saber:
·  Fundem-se: Ordenamento do Território e Ambiente e Conservação da Natureza, no curso de Ordenamento do Território e Ambiente.
· Muda completamente de nome: Técnicas Comerciais para Marketing.
· É criado um novo: Design.
· Mantêm-se: Construção Civil e Edificações, Electrotecnia e Electrónica, Informática, Multimédia, Administração, Acção Social e Desporto.
· Acabam: Mecânica, Química e Controlo Ambiental, Produção Audiovisual, Equipamento, Documentação, Turismo e Serviços Jurídicos.
A opção mais estranha e inexplicável neste arranjo é o da extinção dos Cursos de Mecânica e Química, que estão a funcionar regularmente em várias dezenas de escolas, com procura por parte dos alunos e com a realização de avultados investimentos para equipamento em alguns estabelecimentos de ensino.
Mais do que definir um determinado número de Cursos Científico-Humanísticos ou Tecnológicos, importava saber quais os parâmetros a ter em consideração visando racionalizar o número de cursos, a construção de uma rede escolar em que fosse tido em conta as diferenças e as necessidades regionais e a definição da permeabilidade e da articulação entre os diferentes cursos e as diferentes vias oferecidas pelo Ensino Secundário. 

2.1.3. Esta proposta do XV Governo mantém a obrigatoriedade do funcionamento das unidades lectivas em blocos de 90 minutos, embora nas matrizes curriculares continuem as referências a ser feitas em unidades de 1 hora.
Este esquema organizacional proposto tem dois graves inconvenientes: em termos pedagógicos, se bem que seja defensável e, até, aceitável, não deveria, contudo ser imposto rigidamente a todo o tipo de actividades, pois importava deixar alguma flexibilidade às escolas para organizar os  horários e as actividades dos alunos; em termos da organização dos horários dos professores, que actualmente têm na unidade horária, um tempo útil de 50 minutos e os 10 minutos de pausa a contar como tempo remunerado, desrespeitando os direitos e a legislação internacional sobre o trabalho, obrigando, também, a complicadas engenharias horárias, como a solução encontrada para o Ensino Básico em torno da terceira coluna, que continua a merecer o repúdio dos docentes.

2.1.4. O modelo de estrutura curricular continua a privilegiar a matriz  licealizante, e isso é particularmente visível na Formação Geral, idêntica para as duas vias, mas que é composta só por disciplinas da área de Letras. A proposta deste XV Governo de inclusão de 4,5 horas das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) atenua de alguma maneira esta tendência, mas apresenta três óbices que devem ser ponderados: por um lado, essa inclusão foi feita à custa do número de horas da Área de Projecto, que foi remetida para a fase terminal do Ensino Secundário; por outro, a posição de um número considerável de associações pedagógicas de docentes, que preferem o seu tratamento transversalmente, em relação a todas as disciplinas; e, finalmente, introduzem uma sobrecarga horária para os alunos dos Cursos Tecnológicos em relação à outra via.
A solução para as TIC poderia passar pela sua articulação com a Área de Projecto e com a existência de dois patamares, um de iniciação e outro de desenvolvimento, tal como vem referido no parecer do Conselho Nacional de Educação e nos mesmos moldes lá sugeridos, ou seja, com a diminuição da sua carga horária no 10.º ano e o seu alargamento no 9.º.

2.1.5. Nas disciplinas de opção da componente curricular de Formação Específica dos Cursos Científico-Humanísticos estaria, porventura, a proposta mais criativa deste Governo, se houvesse possibilidade de um leque de oferta generalizado da  maior parte das disciplinas de opção pela grande maioria das Escolas Secundárias e o conhecimento, por parte dos alunos, no acto da matrícula no 10.º ano, das exigências das Escolas de Ensino Superior, em cada curso, das disciplinas nucleares.
Não sendo a FENPROF contra a existência de opções na Formação Específica, entende, contudo, que a carga horária desta componente deve ser reforçada com a existência de pelo menos duas disciplinas de frequência obrigatória.
A solução que o Governo parece querer agora recuperar passa pela inclusão, de novo, da Filosofia, também como disciplina de formação específica, no 12.º ano, bem como a revisão da carga horária de algumas outras disciplinas, tendo também em conta os protestos generalizados das associações pedagógicas de professores relativamente à escassez dessa componente horária na matriz curricular respeitante à formação específica.

2.1.6. A supressão das provas globais  é um factor positivo do ponto de vista pedagógico, pois vai permitir a diversificação de vários tipos de aprendizagem e aumentar o tempo útil de trabalho com os programas. A FENPROF considera, todavia, que as provas globais, entendidas como provas sumativas finais, realizadas num contexto de escola e dentro das margens da sua autonomia, são uma opção mais bem fundamentada pedagogicamente do que os exames nacionais, que não são garantia de uma melhor qualidade de ensino, afirmação que não está provada em lado nenhum, antes contribuem para o incremento da selectividade e a promoção de injustiças.

2.1.7.O que é inadmissível é o facto de o M.E. através da utilização dos exames, pretender recuperar velhas doutrinas neoliberais sobre a promoção dos professores pelo mérito, em função dos resultados obtidos pelos alunos nos exames, e estabelecer os critérios para o financiamento das Escolas Secundárias igualmente a partir desses resultados. Se assim o fizer, irá enveredar por um caminho que noutros países já conduziu  a uma  maior elitização do sistema, pois o resultado mais visível seria aumentar ainda mais  as taxas de insucesso escolar dos alunos, bem como do número de jovens que nem sequer conseguirão ser propostos pelos professores para ir a exame.

2.2. Segunda etapa: rever a Lei de Bases e lançar a nova reforma
        A actual Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada por largo consenso partidário, em 1986, não serve a este Governo que já anunciou, perante a Comissão de Educação da Assembleia da República que irá proceder à sua revisão, usando a maioria parlamentar que desfruta na Assembleia da República e sem a procura de consensos mais alargados.
        Teria sido curial que este Governo tivesse começado por definir e concretizar as suas intenções políticas quanto à alteração da LBSE, antes de lançar estas propostas de reforma do Ensino Secundário, pois elas terão de ser enquadradas por uma lei mais geral que defina o conjunto de todo o sistema e a sua articulação.
        As questões que o Governo anuncia pretender ver alteradas na LBSE implicam fundamentalmente 5 matérias:
· a integração das políticas de educação e formação profissional;
· o aumento da escolaridade obrigatória até aos 12 anos
· a reorganização dos ciclos de escolaridade (Ensino Infantil, até aos 6 anos; Ensino Básico, 6-12 anos; e Ensino Secundário, 12-18 anos);
· uma nova articulação entre o Ensino Secundário e o 3.º ciclo do Ensino Básico;
· a diversidade de ofertas no Ensino Secundário (Ensino Científico-Humanístico, Tecnológico, Artístico, Profissional e Vocacional)
Não tendo partido de um quadro político que começasse pela discussão prévia da Lei de Bases, esta proposta sobre a reforma do Ensino Secundário, tal como está  formulada, e como já foi salientado por outros parceiros educativos que têm tomado posição sobre esta matéria, padece de vários equívocos ao usar uma linguagem que se revela cheia de ambiguidade pelo facto de se referir conjuntamente quer às actuais Escolas Secundárias e às duas vias que nelas hoje existem, quer igualmente às Escolas Profissionais e às Escolas Artísticas quer, inclusivamente, à Formação Profissional em alternância, denominada aprendizagem, e que é ministrada em Centros de Formação Profissional, empresas, escolas e outras entidades.
Sem conhecermos os projectos do XV Governo para esta área não nos poderemos pronunciar sobre a questão da integração das políticas de Educação e Formação Profissional, bem como sobre a questão da diversidade de ofertas no Ensino Secundário.
A proposta de alteração da Lei de Bases, anunciada pelo Ministro da Educação, no que se refere à reorganização dos ciclos de escolaridade, merece-nos os seguintes comentários:
· qualquer proposta de reorganização dos ciclos de escolaridade deve respeitar, relativamente ao Sistema Educativo Português, para além dos princípios organizativos definidos no actual art.º 3.º da Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, os seguintes princípios: unidade, sequencialidade, interdependência e articulação. Também deve haver uma ampla discussão pública e participada sobre a fundamentação e o sentido das alterações a introduzir, que não devem ficar dependentes de maiorias conjunturais existentes em qualquer legislatura da Assembleia da República, mas devem ir ao encontro de soluções da maior consensualização possível.
· a proposta de fazer do actual 3.º ciclo do Ensino Básico o 1.º ciclo do Ensino Secundário, que continuaria unificado e que veria reforçada a sua componente de Educação Tecnológica (e a que há que acrescentar as alterações já introduzidas ao decreto-lei n.º 6/2001, de inclusão das TIC no currículo e de substituição das provas globais pelos exames a Língua Portuguesa e Matemática no 9.º ano), só poderá merecer um comentário depois de conhecermos os fundamentos para a sua elaboração, quer de natureza psicológica ( no que se refere à caracterização das etapas de desenvolvimento da criança), quer de natureza pedagógica (quanto à própria estrutura do sistema educativo).
Em função daquilo que for avançado sobre esta matéria é que se poderá compreender  o que o Governo pretende com a questão da nova articulação entre o Ensino Secundário e o 3.º ciclo do Ensino Básico. Contudo, aquilo que já está expresso, no terreno, em termos legislativos ou em linhas orientadoras (as alterações ao decreto-lei n.º 6/2001 e esta proposta que ora analisamos) é susceptível de causar algumas preocupações a quem não perfilhar uma visão elitista e selectiva do sistema escolar, pois é perfeitamente legítimo fazer a leitura de que se está a preparar uma nova engenharia social no sistema educativo português, a partir de alterações à estrutura do próprio sistema e ao regime de avaliação dos alunos, que poderão ir desde a reintrodução do próprio regime de assiduidade e de faltas a implicar a retenção do aluno, logo na escolaridade básica, ao aumento do carácter selectivo da avaliação no actual 3.º ciclo do Ensino Básico com a introdução de condicionantes de acesso aos Cursos do Ensino Secundário, o que terá como efeito imediato, e também a médio prazo, a passagem do actual crivo e funil que constituem o 10.º e 12.º anos de escolaridade para o 9.º ano.
Se assim for não tem qualquer sentido democratizante e universalizante a intenção governamental de aumentar a escolaridade obrigatória até aos 12 anos. Com efeito, o alargamento da escolaridade básica de 6 para 9 anos, previsto na actual LBSE, e que teve efectividade a partir da década de 90, ainda não possui as características de uma verdadeira universalização e extensão a toda a faixa etária correspondente, dado o fenómeno do abandono escolar ao longo do 3.º ciclo (várias dezenas de milhar de crianças por ano) e, mesmo, do próprio insucesso escolar que ainda se verifica nesse ciclo de escolaridade (ainda cerca de 45% das crianças não conclui o 9.º ano na faixa etária dos 15 anos).
Trata-se, pois, e terá de apresentar carácter prioritário, de tomar medidas que consolidem o acesso, a permanência na escola e o sucesso ao longo dos 9 anos de escolaridade básica, e nesse sentido as medidas que estão a ser tomadas e que já foram referidas, vão exactamente no sentido oposto à produção desses resultados.
Conforme já referimos no ponto 2 deste documento, a FENPROF está de acordo no prolongamento da escolaridade para 12 anos, e já há algum tempo o vem exigindo, mas o sentido deste alargamento é o de criar um verdadeiro Ensino Secundário para todos, entendido exactamente nos termos em que o faz o Conselho Nacional de Educação: "após a escolaridade básica, este nível deve acolher crescentemente todos os jovens, atento à sua diversidade e criando condições para a realização de opções e de oportunidades de experimentação e de descoberta de interesses e para que cada um deles realize percursos educativos adequados, com níveis satisfatórios de realização pessoal."

3. As posições da FENPROF e as bases para uma reforma democrática do Ensino Secundário 

A FENPROF tem desde há muito consciência da gravidade da situação existente actualmente no Ensino Secundário, pelo que encarou as iniciativas tomadas pelos Governos anteriores ao actual, a partir de 1995, que iam no sentido de fazer avançar apenas  uma revisão curricular, como claramente insuficientes, como é possível de verificar pelas posições que o Secretariado Nacional fez chegar ao M.E., em 14 de Abril de 2000, que transcrevemos parcialmente:

           (...) O projecto de revisão curricular para o Ensino Secundário apresentado pelo M.E sofre de uma preocupante contradição a de que sendo mais do que uma proposta de simples e limitadas alterações deixa incólume o modelo organizacional deste subsistema no que concerne ao processo de ensino-aprendizagem, à avaliação e ao acesso ao ensino superior dos alunos e apresenta uma visibilidade muito difusa no campo das práticas pedagógicas conducentes a uma diminuição efectiva do insucesso escolar e a uma real redução da exclusão social.(...)
         O voluntarismo com que esta revisão curricular pretendia ser lançada, sem que à partida tivessem sido criadas condições nas escolas, em termos de equipamentos e de formação de professores, bem como a inexistência de um período experimental para aferição dos programas, assim como a definição de condições de trabalho mínimas para garantir o seu sucesso, como a redução do número de alunos por turma e os créditos horários necessários à concretização dos diversos projectos educativos, fizeram com que a FENPROF fosse sucessivamente afirmando que não existiam condições para proceder à sua generalização no início do ano lectivo de 2002/2003, no que dizia respeito ao 10.º ano de escolaridade.
        Assim, em Julho de 2002, já após a tomada de posse do XV Governo, o Secretariado Nacional tomou uma posição sobre a suspensão da revisão curricular, que compreendia os seguintes aspectos:
· exigir, durante o período da suspensão, uma discussão ampla e participada com os parceiros da comunidade educativa;
· exigir a inclusão das TIC e das Técnicas Laboratoriais nos planos curriculares, a definição do perfil do director de curso, a inclusão de medidas para os alunos com necessidades educativas especiais, o reordenamento da rede do Ensino Secundário e a introdução de medidas de flexibilização curricular;
· a criação de condições nas escolas para a generalização, nomeadamente o seu apetrechamento em termos de laboratórios e equipamento para as TIC;
· o repensar dos cursos de formação inicial e contínua dos professores, em função da reforma curricular;
· a publicação de legislação para permitir a entrada dos novos programas em vigor, em regime de experimentação;
· o prolongamento gradual da escolaridade obrigatória até ao 12.º ano e a não introdução de qualquer exame com carácter eliminatório no final da escolaridade básica;
· a criação de uma estrutura de acompanhamento e monitorização de todo o processo da reforma curricular.
Estes aspectos focados permitiriam lançar as bases daquilo que consideramos uma verdadeira reforma democrática do Ensino Secundário que, do ponto de vista da FENPROF deve obedecer ainda aos seguintes princípios e aspectos:
(1)  O Ensino Secundário deve ser considerado como um ciclo de estudos dotado de finalidades próprias, com uma configuração curricular, cuja definição é por nós subscrita nos mesmos termos já feitos pelo Conselho Nacional de Educação, ou seja, "(...) qualquer modalidade de ensino e a formação de nível secundário deve subordinar a sua configuração curricular a uma base cultural comum, capaz de fomentar o desenvolvimento de aptidões, saberes, saberes-fazer e atitudes, tendo em vista a construção pessoal de projectos de vida e o desempenho de diferentes papéis sociais, o desenvolvimento da cidadania e da solidariedade, valores caros à vida em comum."
(2)  Uma verdadeira reforma democrática do Ensino Secundário e um Ensino Secundário para todos não pode ser confundido com um ensino selectivo e a várias velocidades, como tem sucedido até agora, em que a opção  mais nobre é a via do prosseguimento de estudos (dada pelos Cursos Gerais ou, como agora são denominados na proposta, Científico-Humanísticos) e todas as outras vias que signifiquem saídas para a vida activa (Cursos Tecnológicos, Escolas Profissionais, Educação Artística e Formação Vocacional), opções de segunda e de terceira escolha. É necessário que exista uma escola com a mesma qualidade em todas as vias do Ensino Secundário, com regras claras quanto à permeabilidade entre os vários cursos e vias e quanto ao acesso ao Ensino Superior.
(3)   A alteração das regras de acesso ao Ensino Superior que, de qualquer modo, deverão ser sempre universais, e iguais para o sistema público e privado carece de uma clarificação do que se pretende avaliar (conhecimentos? maturidade? aptidão em domínios fulcrais? certas condições pessoais para certos cursos?) de modo a seleccionar os mais aptos (face aos critérios seleccionados), para não ser mais uma forma de discriminação social. Esta alteração deve ser apenas a componente final da reforma do Ensino Secundário e nunca entrar em funcionamento antes disso. Limitações ao acesso ao Ensino Superior não podem deixar certos domínios livres para as instituições privadas. É necessário que o acesso ao Ensino Superior para formação inicial se coordene com o desenvolvimento e investimento num verdadeiro ensino-ao-longo-da-vida. Estamos igualmente de acordo com o CNE de que deve ser o Ensino Superior a definir os seus próprios mecanismos de ingresso, autónomos em relação ao modo de conclusão dos cursos de nível secundário.
(4)  É preciso criar condições, sobretudo de financiamento, para que exista, na prática, um acesso generalizado dos alunos, que optem pelas vias mais directamente vocacionadas para a vida activa, aos estágios profissionalizantes e a empregos com um nível de remuneração compensatória em função da qualificação adquirida e não, como sucede com esta proposta, na parte complementar onde são referidos os estágios, partir-se de uma definição abstracta de regras e de condicionantes a priori para que os Cursos Tecnológicos possam funcionar, que só terá como efeito inviabilizar ou dificultar a abertura desses cursos.
(5)  É necessária a participação, a motivação e o empenho de todos os elementos da comunidade educativa e, particularmente, dos professores, que são os verdadeiros actores das mudanças e das reformas, na transformação democrática do actual regime selectivo e elitista numa escola democrática que produza um Ensino Secundário para todos (e não a cada qual o seu, como existe agora)   e faça abortar a tentativa de lançar os docentes e as escolas uns contra os outros, a partir de pseudo-avaliações de regimes meritocráticos e de elaboração de rankings. A auto-avaliação feita em cada escola e a gestão democrática  devem ser duas peças fundamentais na construção desta escola democrática, bem como um financiamento adequado aos estabelecimentos de ensino.
(6)  A Educação tem de ser considerada, no plano orçamental, como o investimento mais rentável a médio e longo prazo na qualificação dos recursos humanos, uma alavanca essencial e a mais fundamental no desenvolvimento estratégico do país e, não, como constantemente ressoa no discurso e na prática deste XV Governo, como uma despesa que é necessário diminuir a todo o custo, para acudir ao equilíbrio do deficit do orçamento e aos requisitos do pacto de estabilidade.
        Ora, o que efectivamente este XV Governo já está a fazer é uma contenção brutal de despesas que afecta sobretudo a área da Educação e do Ensino, principalmente nos recursos humanos, política essa que irá ser  levada o mais longe possível em termos temporais, até que o horizonte eleitoral dos finais de 2005 e de 2006, venha a produzir algum abrandamento.
        Por isso, avançar neste momento com um projecto algo pomposo de reforma do Ensino Secundário, se bem que nele possam estar contempladas algumas medidas propostas pela FENPROF, não vai significar nenhuma aposta forte, em termos de investimento com a educação e o Ensino Secundário, pelo menos em termos do imediato, pois a sobredeterminação económica da contenção de despesas tem sido a substantivização maior do verbo dispendido pelos responsáveis do M.E., pelo que, de momento, iremos ter apenas meros retoques na revisão curricular produzida pelo Governo anterior.
        E, poderemos, obviamente, pelas alterações que já foram produzidas no decreto-lei n.º 6/2001, sobre a reorganização curricular do Ensino Básico, com a diminuição de um docente na área de projecto e no estudo acompanhado e, principalmente, com a introdução dos exames a Português e Matemática no 9.º ano, recear pelo futuro democrático do sistema educativo português, pois aquilo que se parece estar a desenhar é uma verdadeira contra-reforma educativa.


Lisboa, 21 de Fevereiro de 2003
O Conselho Nacional da FENPROF