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Intervenção de Mário Nogueira na abertura dos trabalhos

23 de abril, 2010

Intervenção de Abertura

Amigos e Companheiros em representação de organizações sindicais estrangeiras
Amigos e Camaradas das organizações sindicais nacionais
Colegas, Amigos, Companheiros e Camaradas
Professores e Educadores convidados e delegados ao
10.º Congresso Nacional dos Professores

Há três anos, terminámos o congresso avisando o governo de que, caso mantivesse uma atitude persecutória dos professores, não teria vida fácil… e não teve! Terminámos esse congresso afirmando que moveríamos um combate sem tréguas ao “ECD do ME” e, em especial, à categorização dos professores que, 3 meses antes, nos tinha sido imposta… Entramos neste Congresso a poder afirmar que honrámos estes compromissos, pois, três anos passados, categoria há só uma, a de professor e mais nenhuma! E essa foi uma grande vitória dos professores, que prova que só quem cruza os braços e não luta é que está impedido de obter resultados. Os professores obtiveram ganhos porque se uniram, porque lutaram e porque contaram com uma FENPROF que se empenhou na acção e na luta, com propostas em que os professores se reviram e acreditaram; uma FENPROF que soube unir-se e, dessa forma, promover a unidade; uma FENPROF combativa que potenciou a luta; uma FENPROF determinada e convicta da sua razão que promoveu confiança, envolvimento e acção.

Nestes 3 anos que passaram, os professores e educadores portugueses fizeram história; uma história que ficará para sempre gravada na memória colectiva da profissão docente, mas também do nosso país. O que aconteceu será inesquecível e a culpa foi nossa… É bom, quando são estas as razões, sentirmo-nos culpados!

Falar dos mais de 100.000 por duas vezes na rua, das greves que, também por duas vezes, passaram a fasquia dos 90%, dos milhares que se juntaram nas capitais de distrito em manifestações de dimensão raramente vista, das vigílias com acampamento à porta do ME, dos abaixo-assinados, dos dias D de debate e discussão, dos momentos em que estivemos mais fortes e também das nossas fragilidades é falar de um dos períodos mais ricos do movimento sindical português, no caso, do movimento sindical docente, de um período que ainda é presente e em que a exigência principal continua a ser uma: Deixem-nos ser Professores!

E não são necessárias mais referências ao que se passou. As imagens que vimos há pouco continuam a provocar-nos arrepios… e esses falam por si! Quanto a saudades, na acção sindical e neste congresso, só contam as saudades do futuro, pois é do futuro e ainda da nossa luta que falaremos, bem como do muito que há por fazer no sentido da dignificação e valorização da profissão de Professor e da Escola Pública Portuguesa. Se atingirmos esses objectivos também estaremos a contribuir para que a nossa sociedade se torne mais justa e solidária.

Nestes 3 anos que medeiam entre congressos fomos confrontados com uma situação muito complexa nos planos político, social e económico:

  • Portugal viveu dominado por uma maioria absoluta que, em muitos momentos, se comportou como dona de um poder absoluto, adoptou uma atitude de grande arrogância, agiu autocraticamente e não raras vezes deixou que o comportamento resvalasse para lá da fronteira que separa a democracia de outras coisas…

  • Portugal foi sujeito a uma política que, em nome do “combate à crise”, atacou os trabalhadores – e apenas os trabalhadores - nos seus direitos, nos seus salários, nas suas reformas. Intocáveis apenas têm sido os mais ricos e os menos sérios, os que continuam a fugir aos impostos, a adoptar práticas fraudulentas ou a desviar milhões para os paraísos fiscais.

  • Portugal viu a política desse governo, que cessou funções apenas há meio ano, em nome da crise, a atacar serviços que são públicos e, assim, a fragilizar as funções sociais do Estado, enquanto o poder económico continuou a exibir lucros crescentes nos seus balancetes trimestrais, semestrais e anuais.

  • Portugal, onde a crise também teve as costas largas, sofreu muito com essa política e esse governo e chega a 2010 com mais desempregados, com mais gente desprotegida e, por isso, com mais pobreza, com manchas de exclusão que se transformaram em autênticas nódoas, com menos qualidade de vida para todos mas, sobretudo, para os mais jovens e os mais idosos, com serviços públicos menos fortes e menos apetrechados do que seria necessário para responderem às solicitações a que estão obrigados, ainda mais no actual contexto de crise.

Num plano global, foi o código de trabalho de Durão e Bagão que se agravou com Sócrates e Vieira da Silva; no que respeita à Administração Pública, a lei dos vínculos, carreiras e remunerações, o SIADAP, o contrato de trabalho em funções públicas, o novo estatuto disciplinar e as alterações muito negativas à lei sindical foram os pilares da engenharia político-financeira de Teixeira dos Santos que foi mais longe, muito mais longe, perigosamente mais longe do que tinha ido, pasme-se, Ferreira Leite. Falta de convicção da direita parlamentar para chegar tão longe? Claro que não, como recentemente se confirmou com a viabilização do Orçamento de Estado para 2010 e do Programa de Estabilidade e Crescimento… simplesmente, falta de condições sociais e políticas de uma direita que conta com o PS sobretudo quando se encontra na oposição.

Reprovável nesta postura do PS é que vence eleições com um discurso de mudança, um discurso em que as preocupações sociais e os valores à esquerda estão presentes – o diálogo social, as políticas sociais relevantes, a defesa e reforço de serviços públicos –, mas depois, conquistado o poder, as políticas e as práticas pouco ou nada se distinguem das que foram desenvolvidas pelos partidos à sua direita. Em 2005, recordo, obteve maioria absoluta com um discurso de ruptura com as governações de Barroso e Santana; em 2009, recuperou de uma estrondosa derrota em Junho para uma vitória, ainda que relativa, em Setembro, com uma clara alteração de discurso e com arrependimentos tornados públicos – quem não recorda Sócrates a reconhecer erros na relação com os professores e a oferecer, em plena campanha, a cabeça da anterior ministra… Mas bastaram alguns, poucos meses, para que fossem aprovados o Orçamento de Estado para 2010 e o PEC até 2013. Se déssemos a ler a algum dos nossos convidados estrangeiros o programa eleitoral do PS e, de seguida, pedíssemos que lesse o PEC seria levado a crer que não eram documentos da responsabilidade do mesmo partido, ou então que se tratava de um caso de evidente e grave esquizofrenia política. É indecente e injusto que o nosso país continue a sujeitar-se a este tipo de comportamentos por parte dos políticos, mas também é tempo de os portugueses dizerem “Basta!” e exigirem que lhes falem verdade, que haja seriedade na política e que os compromissos assumidos sejam honrados e não se transformem em publicidade enganosa.

Falei do PEC e hoje, em Portugal, há pouca vida para além do PEC! O PEC é redução dos salários, é redução das pensões de aposentação, é aumento da carga fiscal, ou seja, é diminuição dos rendimentos de quem trabalha e também alienação de património que é de todos. O PEC lembra-nos que a luta de classes não é coisa do passado e, pelo contrário, está bem viva com o capital, mais uma vez, a impor as regras que lhe convém. Sendo este o caminho, dentro de 3 anos, em 2013, outras e mais duras medidas serão impostas aos portugueses que trabalham, pois tendo estas a natureza que têm, irão provocar mais crise, mais desemprego, mais precariedade, mais pobreza… não nos podemos resignar e aceitar este rumo, como se fosse uma inevitabilidade, ou seremos co-responsáveis pelo futuro negro deste país que é o nosso.

Mas também não podemos cair no engano de que, no actual quadro político, os problemas tenderão a tornarem-se mais fáceis de resolver, só porque o governo não tem maioria absoluta. Na verdade, mais decidido em convergir à direita, o PS tem-se tornado cada vez mais dependente do PSD e este, percebendo isso, começa já a marcar tempos e conteúdos. As políticas sociais que a direita defende são minimalistas e as fiscais vão no sentido de tornar mais frágil o Estado social. Daí que já tenha começado a exigir que o actual governo e o PS desbravem o caminho, o que inclui a alteração da matriz constitucional. Sejamos claros, o necessário não é que se altere a Constituição da República Portuguesa, mas que os governos a cumpram; o importante é que todos os trabalhadores compreendam que o slogan “menos Estado, melhor Estado” significa, realmente, “menos Estado social e mais Estado para o capital”.

E não é na Europa que os trabalhadores encontrarão o ancoradouro social de que necessitam. Nesta, a direita e o neoliberalismo vão ganhando novos espaços e, como se previa, as economias mais frágeis tendem a entrar em colapso e a ficar ainda mais dependentes. Dizem analistas internacionais que Portugal será, depois da Grécia, o próximo país da zona euro a bater no fundo. Afinal, mostra-nos a vida que a tal solidariedade europeia é uma batata… à Grécia só falta que um qualquer Abrahamovich da política decida comprar o território. E não faltam por aí uns quantos…

Como se depreende, esta complexa e, não tarda, explosiva situação política e social exige uma enorme atenção da nossa parte, uma grande capacidade de esclarecimento de todos os trabalhadores e uma grande disponibilidade para lutar por outras políticas e outro rumo para o país, para a Europa e para o mundo.

Foram precisamente estas medidas, de aperto para os trabalhadores e de falta de investimento nos serviços públicos, que provocaram os graves problemas por que têm passado as escolas e os profissionais da educação, com particular destaque para os docentes. Delas resultaram preocupantes desequilíbrios e desajustamentos para o sistema educativo e para a qualidade das respostas educativas e até sociais que a escola pública consegue dar às crianças e jovens que a frequentam. Foram essas políticas, que se repercutiram fortemente na Educação, que não permitiram que se começasse mais cedo a trabalhar no alargamento da escolaridade obrigatória, pelo que este, sendo um compromisso eleitoral de 2005, apenas em cima das eleições legislativas de 2009 foi anunciado, mais em jeito de propaganda do que de decisão para a qual já existiria um plano de concretização. A confirmá-lo tivemos o facto de pouco tempo antes desse anúncio pelo primeiro-ministro, ter a ministra da pasta afirmado que o alargamento seria uma medida adiada.

Quanto aos professores e educadores, há uma mudança qualitativa da sua situação. Houve um primeiro momento em que o desemprego grassou para, em final de legislatura, o problema ser, de alguma forma, disfarçado com o recurso à precariedade, cujas consequências na desvalorização da função e do trabalho docente são óbvias! Cerca de 40.000 docentes estão contratados a prazo, 15.000 dos quais a dar resposta a necessidades permanentes das escolas e do sistema e outros tantos em trabalho ainda mais precário nas actividades de enriquecimento curricular.

Também as condições de trabalho e de exercício da profissão se agravaram, com particular expressão na imposição de um regime e horário de trabalho verdadeiramente deploráveis quando abordados numa perspectiva pedagógica; as expectativas profissionais e de carreira reduziram-se; muitos dos melhores profissionais, coerente e responsavelmente, decidiram abandonar precocemente a profissão, sentindo crescer em si níveis insuportáveis de stress e, ao fim de 30 e mais anos de entusiasmo, uma grande frustração profissional.

Também os docentes do ensino superior tiveram de ser convocados para agirem e, apesar de a situação não ter atingido a gravidade que encontrámos na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário, a instabilidade e precariedade mantêm-se em níveis muito preocupantes e os respectivos estatutos de carreira, cuja revisão se manteve adiada durante anos, não mereceram a revisão que as exigências do exercício profissional impunha. No que respeita às instituições e ao seu regime de financiamento, a aparente liberdade de decisão que, de facto, é imposição sobre a adesão ao regime de fundações, decorre da falta de financiamento para que funcionem. E quando digo funcionem, não quero dizer mais oferta de formação e de maior qualidade, quero dizer pagar salários, pagar a luz, pagar os telefones e a água… É disto que se está a falar.

As políticas desenvolvidas nestes 3 anos, por falta de investimento, como se prova por uma leitura rápida dos valores inscritos nos vários orçamentos de Estado, levaram a que não melhorassem as condições de trabalho; a que fosse reduzido o número de trabalhadores não docentes, em especial assistentes operacionais; a que mais de 21.000 alunos com necessidades educativas especiais perdessem os apoios a que teriam direito numa escola verdadeiramente inclusiva; a que fosse eliminado o que sobrava da matriz democrática do regime de gestão das escolas.

As políticas desenvolvidas nestes 3 anos, porque na Educação não houve investimento, continuam a castigar os alunos e as suas famílias, com o ensino muito longe de ser gratuito mesmo nos níveis em que é obrigatório e a tornar-se, não tendencialmente gratuito, mas claramente mais caro à medida que se avança para o secundário e, sobretudo, para o superior. E são precisamente os alunos as principais vítimas de um sistema que não resolveu os seus graves problemas.

Não houve investimento, mas quiseram-se resultados obtidos na hora e foi por isso que o anterior governo apostou numa presença permanente na comunicação social e procurou intoxicar a opinião pública com discursos pelos quais se pretendia fazer crer que, apesar do esforço do governo, os problemas não se resolviam por culpa dos pouco empenhados professores. Provou-se, no final, que fizeram mal os cálculos de retórica e que a política de faz-de-conta então adoptada não colheu o apoio público porque não promoveu qualquer mudança significativa. Uma mudança que urge, que se deseja, mas que não foi procurada, razão pela qual, para fingir:

  • Se optou pela via do facilitismo e das pressões sobre os profissionais para promover o sucesso;

  • Se alterou o estatuto do aluno para disfarçar o abandono;

  • Se apostou em programas que davam novas oportunidades, davam novas certificações, mas raramente se traduziam em mais qualificações;

  • Se anunciou uma maior abrangência da acção social escolar, que foi efectiva, mas sobretudo devido ao empobrecimento das famílias;

  • Se falou na criação de escolas de referência e unidades especializadas para responder a alunos com determinadas deficiências, para disfarçar um ataque sem precedentes à escola inclusiva, em que se tentou reduzir administrativamente para 1,8% a taxa de incidência de alunos com necessidades educativas especiais, num país em que os especialistas apontam para cerca de 10%;

  • Se fingiu que os chamados prolongamentos de horário no 1.º ciclo e o regime de AEC que lhes está adstrito, eram respostas educativas e sociais adequadas, quando foram e são causa do aumento da indisciplina, de degradação da qualidade educativa, de discriminação do acesso a áreas que deveriam ser curriculares. Para além de, pela insuficiência da componente social, não corresponder às necessidades de muitas famílias que são obrigadas a recorrer a serviços privados;

  • Se instituíram prémios de desempenho e até o de melhor professor do ano para que fosse criado um espaço em que os responsáveis da pasta da Educação fingiam ter consideração e respeito pelos professores, coisa que nunca tiveram;

  • Se falou em melhorar a articulação entre universidades e a circulação de estudantes no espaço europeu e, então, aplicou-se Bolonha. Um processo que levará à redução da qualidade das formações e ao aumento dos encargos das famílias com filhos no ensino superior.

Na anterior legislatura, o governo, em alguns momentos do confronto que estabeleceu e manteve com os professores, pareceu merecer o apoio e simpatia da opinião pública, mas não o obteve. Foi apoiado, isso sim, por alguns opinion-makers que, para parecerem isentos, criticam o poder em aspectos menores, mas estão do seu lado quando se trata do essencial. Tais comentadores, hoje, “rei morto”, até já criticam o “rei posto”, como há dias se confirmava numa coluna de Madrinha, em que ficou a saber-se que, afinal, a partir de meio do mandato, a anterior ministra começara a cometer muitos erros. A este, poderíamos juntar outros como Tavares, Rangel ou Magno. São nomes que os professores dificilmente esquecerão, pois quando compreensão e solidariedade eram bens preciosos, eles sentiram-se no direito de, com as suas legítimas opiniões, criar ilegítimas verdades absolutas, sempre ao lado dos que decidiram insultar e achincalhar os professores. Alguns dos seus registos continuarão vivos na nossa memória!

A tentativa de denegrir a imagem dos professores e dos seus sindicatos mais representativos foi fortíssima e várias foram as afirmações e acusações de governantes que faziam parte dessa trama. Todos as recordamos: “Perdi os professores, mas ganhei na opinião pública”, “Antes ainda de um aluno abandonar a escola, já foi abandonado pelos seus professores”, “Quando se dá uma bolacha a um rato, logo a seguir ele quer um copo de leite” ou “Os professores são como o esparguete, todos juntos resistem, mas um a um quebram facilmente” são, entre outras, pérolas da retórica dos governantes anteriores.

Há dias lendo um texto de uma publicação que lançamos neste congresso, deparei-me com uma declaração: “Quando, por vezes, leio certas representações de pessoas que pretendem ser professores, ou moções, como agora é moda aprovar em reuniões contestatárias, pergunto a mim próprio se quem usa aquela linguagem e se dirige daquela maneira aos seus superiores pode ser educador de jovens. Ou temos todo o cuidado na selecção dos educadores ou não poderemos esperar senão o agravamento da deseducação da juventude. Nesta matéria não pode haver hesitações ou contemplações”. Não pude deixar de me surpreender por não recordar tal dito. Mas logo descobri… é que não eram palavras de Sócrates, Rodrigues ou Lemos, nem uma tentativa de Pedreira para justificar a chamada prova de ingresso na profissão. Nada disso… foram palavras de Marcelo Caetano, proferidas em Fevereiro de 1974, face às reivindicações dos docentes organizados nos Grupos de Estudo, e que reivindicavam o pagamento das férias, um estatuto profissional e melhores salários. Foram esses Grupos de Estudo o embrião do movimento sindical docente e eu diria, por ser verdade, da FENPROF, o que muito nos honra. Ainda não era chegado e 25 de Abril e já começavam a desenhar-se os primeiros cadernos reivindicativos nos quais já está muito vivo o desejo de dignificar o exercício da profissão docente e valorizar a Escola Pública. Daí que com o Despacho 9/74, o governo de então tivesse tentado silenciar ou reduzir a muito pouco os Grupos de Estudo e a sua organização. É o que, entre muitas outras coisas, nos conta a colega Helena Pato no contributo que dá para a história do sindicalismo docente. Obrigado Helena por nos recordares que os tempos mudaram, mas os métodos nem tanto assim. O exemplo que em tempos mais difíceis nos deram será um tónico para que continuemos a dizer “Não!” quando tiver de ser dito, para sermos politicamente incorrectos quando assim se justificar, para que não nos deixemos subordinar quando alguém entender que nos deve meter na ordem. A vossa e ainda nossa geração de Abril saberá legar aos vindouros o bem democrático que construiu e conquistou.

Se poderia ser perigoso, porque exagerado, falar de coincidências entre o outro e o novo tempo, há contudo aspectos que não devemos ignorar por serem perigosamente semelhantes: as “visitas” de polícias a escolas antes de uma das grandes manifestações; a profunda alteração da lei sindical com a intenção única de penalizar os sindicatos mais representativos e com trabalho no terreno; o impedimento de os professores participarem em reuniões realizadas fora das suas escolas; a marcação das primeiras faltas injustificadas a quem participou em actividade sindical… foi ainda com os anteriores governantes que os dirigentes sindicais passaram a ser castigados e os que se encontram em exclusivo na actividade sindical deixaram de poder progredir na carreira; mas quiseram ir mais longe, e foi pela via de uma lei que consagrou as piores intenções do poder político, que este passou a interferir na forma de organização sindical, pondo em causa a sua autonomia organizacional… estes são problemas que se mantêm, pelo que lanço daqui o repto ao governo e aos partidos políticos aqui representados, para que, em nome dos princípios constitucionais democráticos por que se rege a nossa sociedade, tomem as medidas necessárias para que os sindicatos e, de uma forma geral, a actividade sindical seja respeitada e volte a ocupar o lugar que merece e a democracia lhe deve reservar. É neste quadro de valorização da vida democrática que se torna necessário dar maior importância à negociação, tornando-a efectiva e consequente, e considerar e reconhecer os sindicatos pela sua representatividade junto dos professores. Não a pluralidade, mas a pulverização sindical tem a sua história, não lhe sendo alheia a complacência oportunista do poder.

Mas apesar do ataque, a FENPROF nunca desistiu. E se as ruas se transformaram em espaço privilegiado de luta, esta foi sempre acompanhada de uma forte acção institucional. A FENPROF, mesmo quando sabia que a negociação era apenas simulacro, nunca lhe virou as costas e mesmo sabendo que na Assembleia da República tudo dependia da vontade da maioria absoluta, nunca desistiu de reunir com todos… e fê-lo muitas vezes. Só não reunimos com o PS, porque, apesar das suas responsabilidades de governo, nunca a sua direcção permitiu. Os restantes estiveram sempre disponíveis para nos receber, ouvir e, muitas vezes, se nos dirigiram para que, sobre as suas propostas, pudéssemos dar uma opinião. Nem sempre estivemos de acordo, é certo, mas sempre nos respeitámos mutuamente. Justiça se faça, também a comissão parlamentar de educação e ciência, assim como a de trabalho, na anterior legislatura, foram portas abertas ao diálogo, nunca tendo rejeitado ouvir as nossas queixas e preocupações. Neste congresso, não podemos deixar de registar a presença de todos os partidos políticos, desejando que isso se traduza na continuação das relações institucionais que já tínhamos e no início das que não foi possível desenvolver.

Ainda em relação aos partidos políticos, relevámos o facto de, em 30 de Maio passado, na manifestação que juntou 80.000 professores em Lisboa, ou seja, mais de metade da classe docente, CDS, PSD, PEV, PCP e BE terem reafirmado publicamente a sua solidariedade para com os professores estando connosco. Foi e continua ser importante para os professores sentirem todas as solidariedades.

Já o disse, mas repito pela importância que tem, que a FENPROF, em momento algum se limitou a lutar, numa lógica da luta pela luta. Esta foi sempre a expressão – e que expressão – do descontentamento, da indignação e da exigência, mas foi sempre um meio e nunca um fim em si mesmo. Não lutámos por lutar, lutámos conscientes de que o caminho era por aí que passava se pretendíamos alcançar resultados positivos que servissem e fossem justos os professores, as escolas e a sociedade.

Como agora iremos fazer perante esta incapacidade do governo para compreender como é injusto e perverso considerar a avaliação de desempenho para efeitos de concurso, ainda mais esta avaliação que decorreu como todos sabemos. Não está em causa, neste concurso, ser a favor ou contra que se considere a avaliação; em confronto estão o bom-senso e a teimosia… como se sabe, a teimosia retira lucidez aos decisores e não será o estilo que permitirá manter práticas anteriores.

É verdade que nunca virámos a cara a luta, mas também nunca entrámos em becos onde não se vislumbrasse saída; não alimentámos aventureirismos de quem achava que as greves por tempo indeterminado ou por períodos largos de tempo é que seriam vitoriosas… Nada disso, ouvimos os professores, fomos para as escolas perceber a vontade dos que representamos e assumimos a responsabilidade, não de quem tem apenas um círculo virtual a satisfazer, mas de quem tem pela frente um conjunto imenso de professores que são reais e a quem cabe concretizar, nas escolas, as acções decididas. Por essa razão, conscientemente, sem hesitações e certos de estarmos a servir os interesses dos professores e educadores, assinámos o memorando de entendimento em 17 de Abril de 2008 que, naquele momento, foi vital para que não se aplicasse o modelo de avaliação e prosseguisse a luta. Assim, 90% dos professores ficaram desde logo dispensados e os restantes apenas se sujeitaram a uma simplificação. A primeira…

Ao suspendermos a avaliação num momento tão importante do ano lectivo, evitámos que a vida nas escolas entrasse em ruptura num tempo que era de particular importância para os alunos. Evitámos também que a luta se esboroasse naquele momento tão sensível para toda a comunidade escolar. Evitámos ainda que a população se virasse contra os professores e, por todas estas razões, penso que reforçámos o prestígio da nossa luta e dos professores, como reforçámos a própria capacidade de lutar. Foi o que se provou 8 meses depois de 8 de Março, em 8 de Novembro, quando a manifestação cresceu e foram 120.000 os que saíram à rua. Vivemos momentos difíceis, todos sabemos, em que à mistura com alguma desorientação e algumas incompreensões se procura delinear uma estratégia anti-sindical, mas fizemos bem, muito bem… a estratégia sindical foi a correcta como hoje se pode confirmar.

Também o acordo de princípios que assinámos, em 8 de Janeiro, com o ME foi de elevada importância, tendo sido possível a sua concretização porque lutámos, porque tínhamos propostas que eram justas, porque tínhamos razão e porque a maioria que apoia o governo deixou de ser absoluta. Foi um acordo que acabou com a divisão da carreira que, naquele momento, era já obstáculo à progressão de mais de 52.000 professores; que garantiu a realização de um concurso para o próximo ano; um acordo cuja importância todos percebemos ainda melhor no mês passado quando, legitimados por ele, impedimos que o governo desse o primeiro grande passo para acabar com o ECD, que se tornaria num diploma de mera adaptação de regras gerais da Administração Pública.

Foi um acordo positivo alcançado num quadro de grande dificuldade e complexidade social e política, ou seja, obtido, como se diria em linguagem desportiva, contra a corrente do jogo.

Mas a luta dos professores também assumiu importância política muito grande ao contribuir para que, nesta Legislatura, o governo não tivesse maioria absoluta e, assim, seja obrigado a dialogar e negociar com os parceiros sociais e políticos.

Mas não foi apenas na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário que se obtiveram resultados… também no ensino superior, como já referi, se obteve uma revisão globalmente positiva das carreiras docentes, apesar de soluções pontualmente negativas, nomeadamente no que respeita ao acesso à carreira. No ensino particular e cooperativo, nas Misericórdias e nas IPSS também estivemos envolvidos e vamos conseguir contratos colectivos de trabalho que defendem os professores, nestes tempos de tanta dificuldade. E mesmo no ensino profissional, estou certo de que, finalmente, conseguiremos alcançar o CCT que há tanto procuramos.

Foram a nossa acção, a nossa persistência, as nossas propostas e a nossa razão que permitiram que a Educação e os professores, em pleno período eleitoral, com três eleições quase seguidas, tivessem ocupado o centro do debate político, fossem preocupação manifestada por todas as forças e por todos os candidatos, passasse a preencher largos espaços e tempos da agenda mediática.

A FENPROF, com a sua acção e as suas posições, passou a influenciar a agenda política da Educação e é hoje uma organização ainda mais prestigiada e ouvida. Isso é positivo para os professores e educadores.

Como também não é novidade, é em momentos como os que se vivem, de grande unidade dos professores, de grande visibilidade e força do movimento sindical docente, que surgem, com mais frequência, os arautos da ordem. Como se afirma na proposta de moção que será apresentada a este congresso, as propostas de criação de uma ordem visam, sobretudo, minar a legitimidade dos Sindicatos enquanto estruturas representativas da classe, obscurecer a sua memória identitária e atentar contra a coesão e a autoridade social dos professores. Sobre isso, mais será dito quando debatermos as moções a aprovar no final dos trabalhos.

É também nestes momentos que outros se movimentam, em movimentos contínuos, de lutas indeterminadas e críticas perpétuas tendo como alvo principal os sindicatos e, de entre estes, quem mais luta, mais mobiliza e mais age… ou seja, a FENPROF. Sobre esses, a FENPROF nunca adoptou uma atitude fechada e sectária e sabe distinguir diferenças que existem. Ouve, discute, reúne quando necessário, mas no momento da decisão não é refém de quem não considera o espaço sindical, um espaço solidário para a sua intervenção.

Entrando na recta final desta intervenção, um olhar para dentro, para nós, para a organização que somos. Neste congresso queremos também tratar de nós, razão por que nos propomos alterar os estatutos.

Noutro plano, é também muito importante constatar que a FENPROF, nestes 3 anos, aguentou financeiramente tempos e lutas muito exigentes. Orgulhamo-nos de depender apenas das quotizações dos professores e de termos conseguido, com uma boa gestão, manter um fortíssimo nível de actividade, chegando ao final do mandato com as contas acertadas, sem dívidas que não controlamos e patrimonialmente mais fortes.
A informação foi outra área de bom trabalho. O JF manteve bons níveis de actualidade e padrões satisfatórios de qualidade, assim como a nossa página electrónica que é hoje uma referência para quantos se interessam pela Educação. São cerca de 8.000, em média, as visitas diárias, havendo picos em que se ultrapassam as 20.000. Acrescem, ainda as visitas diárias aos sites dos Sindicatos, o que demonstra bem a importância crescente das novas formas de informação e comunicação, assim como das mensagens, que através delas, podemos passar.

Também uma referência aos gabinetes jurídicos e de contencioso dos Sindicatos que, nos momentos em que se justificou, conseguiram articular-se de forma exemplar potenciando a acção de cada um. Eles foram um importante suporte da acção que a FENPROF desenvolveu nestes 3 anos. Foi com providências cautelares que, algumas vezes, conseguimos parar o disparate e a ilegalidade, mas avançámos com muitos outros processos relacionados com as carreiras, os concursos, os horários de trabalho… apesar das dificuldades e da morosidade da Justiça, são assinaláveis vários êxitos alcançados neste plano.

No quadro da nossa intervenção política, há que registar, igualmente, todo o trabalho desenvolvido e iniciativas levadas por diante, relevando, por serem as mais próximas, o Livro Negro das Políticas do XVII Governo Constitucional, que divulgámos, e a Carta Reivindicativa dos Professores e Educadores Portugueses que apresentámos aos partidos políticos e à sociedade em geral.

No que respeita à actividade internacional, demos o melhor que pudemos, ainda que não fosse tanto quanto desejaríamos. Entendemos que o envolvimento na actividade internacional é de grande importância, em que expressões como solidariedade, articulação, globalização de respostas para oposição a ataques também eles globais, fazem ou deverão fazer parte do nosso dia-a-dia. Daí a disponibilidade para fazermos um esforço de participação nos espaços em que a actividade internacional se desenvolve, sejam os congressos das organizações representativas de outros países, sejam o CSEE, a CPLP-SE ou a IE.

No plano internacional, como referi, há espaço para a solidariedade. E neste congresso, manifestamo-nos, como sempre, solidários com os nossos irmãos dos PALOP cuja presença fraterna é já um hábito que adquirimos; com a Palestina, um povo que continua a ser massacrado e impedido de exercer os seus direitos de cidadania; com Timor-Leste cuja cooperação é forte, pelas razões que se justificam, estando a FENPROF, neste momento, a construir um centro comunitário que terá uma grande importância para a comunidade que servirá; mas desta vez quisemos dar um destaque muito especial a uma causa que é muito esquecida e não deverá ser: a causa saharauí. Todos ouvimos agora, com o acto corajoso de Aminatu Haidar, falar um pouco do Sahara Ocidental, mas não basta a solidariedade moral face a centenas de milhar de pessoas que vivem há 35 anos, acampadas, no deserto ou em relação a quantos, mantendo-se na sua terra, são perseguidos, espancados ou presos só por quererem ser cidadãos do seu país. Por isso, a FENPROF vai apoiar aquele povo e em especial as suas crianças, juntando-se à acção humanitária que hoje começa a ser um pouco mais relevante. É verdade que os saharauís não falam português como os timorenses, mas a sua história é em tudo semelhante, excepto no final feliz a que ainda não chegaram, mas que, estamos certos, chegarão.
Reentrando em portas, a FENPROF não esquece e, pelo contrário, valoriza e muito o trabalho desenvolvido no âmbito de outras organizações onde tem seu espaço e deve trabalhar. Desde logo, a CGTP - Intersindical Nacional, a nossa Confederação, a Central em que os nossos Sindicatos estão filiados e onde partilhamos solidariamente a intervenção com outros que também se empenham na construção de mudanças só possíveis com as ideias e a luta de quem trabalha. Uma Central que completa 40 anos, o que significa que nasceu ainda durante o regime fascista, mas cresceu e tornou-se adulta com a democracia. É uma organização em que os trabalhadores acreditam por saberem que podem contar com ela! É ainda num quadro de convergência que desenvolvemos a acção que é específica da Administração Pública e, nesse caso, é na Frente Comum que fazemos caminho, reconhecendo-a como um importante espaço de intervenção que, como tal, deverá merecer um constante aperfeiçoamento.

Por fim, o grande desafio dos próximos 3 anos: alargar a escolaridade obrigatória para 12 anos, devendo os jovens permanecer na escola até aos 18. Se em condições normais, já seria grande o esforço exigido para concretizar este alargamento, no actual contexto da vida nacional mais difícil se tornará. Concretizar este alargamento – uma proposta que a FENPROF apresentou, pela primeira vez, há 12 anos, no seu congresso de Braga – obrigará a um esforço de todos e neste desafio ninguém pode fingir que se empenha… será necessário empenhamento efectivo e será necessário investir:

  • Nos professores e na sua estabilidade;

  • Nos professores e na sua valorização

  • Nos professores e na sua formação;

  • Nas escolas e na necessidade de se tornarem inclusivas;

  • Nas escolas e numa gestão democrática e responsabilizadora;

  • Nas escolas, na melhoria significativa das condições de trabalho e na criação de um clima que propicie a disciplina, a sã convivência e o empenhamento de todos os que nela intervêm;

  • No sistema e na sua capacidade para resolver os graves problemas de insucesso que persistem: quase 9% no ensino básico, mais de 20% no secundário;

  • No sistema e na sua capacidade para resolver os graves problemas de abandono: quase 40% dos jovens não frequentam o secundário;

  • No sistema e na sua capacidade para resolver os problemas das fracas qualificações e para aumentar significativamente o nível de frequência e a taxa de sucesso no ensino superior;

  • No país, reduzindo o esforço financeiro das famílias para que os seus filhos frequentem a escola;

  • No país, elevando o esforço que faz para garantir uma acção social escolar eficaz e que seja, realmente, factor de discriminação positiva;

  • No país, elevando a qualidade do emprego, a consagração de direitos e a valorização dos salários em função da elevação da formação dos jovens.

É também para encontrar respostas para estes desafios, fortíssimos, que reunimos este décimo congresso. O debate será óptimo, estou certo e daqui sairemos com mais e melhores propostas para dar solução aos problemas; mais e melhores propostas que levaremos à mesa das negociações; mais e melhores certezas de que a obtenção de resultados dependerá sempre das propostas mas também das iniciativas, das acções e das lutas que soubermos levar por diante. É isso que iremos pensar, é nisso que iremos reflectir, é isso que queremos debater, serão esses os caminhos que iremos definir e percorrer.

Portanto, não viemos para esta bela cidade alentejana, dirigida por um professor, apenas para falarmos do passado, matarmos saudades uns dos outros ou comermos uns petiscos. Falaremos, claro! Mataremos essas saudades, pois então… Devoraremos uns torresmos e apreciaremos uma sericaia, porque não?! Mas quisemo-nos encontrar aqui, essencialmente, para pensarmos o futuro. É nisso que apostamos, é nessa construção que nos empenharemos. Sairemos daqui mais fortes e ainda mais coesos nesta FENPROF que é hoje uma referência incontornável no espaço Educação. Uma Federação em que a dimensão de cada Sindicato é importante para que respeitemos a representatividade e fixemos o compromisso, mas que não interfere no respeito que é devido a cada um. Aqui, na FENPROF, SPGL, SPN, SPRC, SPZS, SPM, SPRA e SPE são iguais em importância e dignidade e esse foi e será o segredo de uma unidade que, no respeito pelas diferenças permitiu r permitirá criar consensos e construir convergências.

Viva a Educação, a Formação e a Qualificação como instrumentos de libertação dos povos e de elevação da qualidade de vida dos cidadãos de todo o mundo!

Vivam os Professores e Educadores!

Viva a FENPROF!

 Montemor-o-Novo, 23 de Abril de 2010
10º Congresso Nacional dos Professores


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