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Incumprimento da Diretiva 1999/70/CE

Combate à precariedade laboral – Memorando em 22 pontos

21 de abril, 2017

1. A Diretiva 1999/70/CE de 28 de junho e o acordo-quadro que a integra dispõem sobre a contratação e relações de trabalho a termo, estabelecendo dois princípios fundamentais nesta matéria: o princípio do não abuso no recurso à contratação a termo e o princípio da não discriminação dos trabalhadores que exercem funções em regime de contratos ou relações de trabalho a termo.

2. Os Estados-Membros da União Europeia (UE) estavam obrigados a transpor a Diretiva até 2001. Como é sabido, as diretivas vinculam os Estados-Membros quanto aos resultados e objetivos a alcançar; são atos obrigatórios de âmbito geral e integral e não de aplicação parcial ou incompleta.

3. Não obstante, o Estado Português não transpôs, em devido tempo, a Diretiva, privando, assim, vastos grupos de cidadãos de direitos que são consignados e reforçados pelo direito comunitário. Foi o que sucedeu, designadamente, com os docentes da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário contratados a termo para exercício de funções em estabelecimentos públicos de educação e ensino.

4. Em resultado de diferentes denúncias de incumprimento, a Comissão Europeia (CE) acabaria por instaurar um processo por infração do direito comunitário.

5. Apenas em 2014, o governo então em funções fez menção de adotar medidas nacionais de execução para os docentes referidos. Na revisão do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, o então Ministério da Educação e Ciência introduziu uma norma que ficaria conhecida por “norma-travão”. Embora à mesa das negociações negasse, inclusive, a intenção de através dela transpor a Diretiva, presume-se que a terá invocado junto da CE.

6. A CE viria a encerrar o procedimento n.º 20104145 em 24.09.2015, não será descabido dizer, sem, pelo menos até agora, aferir mais do que a declaração de existência de uma medida nacional de execução que passasse a abranger os docentes.

7. Cabe à CE velar pela aplicação correta do direito da UE; no caso das diretivas, tendo em conta os resultados.

8. A já referida “norma-travão”, introduzida pela alteração ao art.º 42.º do anterior diploma legal dos concursos, alteração feita através do Decreto-Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio, constituiu um esforço tardio e, mesmo assim, inoperante de transposição da Diretiva 1999/70/CE, de 28 de junho, não permitindo alcançar os resultados por esta demandados.

9. Se havia, até então, muitos docentes contratados a termo, repetida e, até, consecutivamente, acumulando largos anos de prestação de serviço nessas condições – 5, 10, 15, 20 ou mais anos em contratos a termo para a mesma entidade empregadora – tal não deixou de suceder por via da “norma-travão” e, acrescente-se, nem sequer através de pontuais procedimentos de vinculação extraordinária que nunca foram de molde a resolver as injustiças e repor os direitos desrespeitados pelo incumprimento das normas comunitárias em crise.

10. A “norma-travão” mostrou-se inoperante – salvo melhor opinião, de forma flagrante – para alcançar os resultados previstos na Diretiva. Em decisiva medida, pesou a cumulatividade de requisitos exigidos para a vinculação (sendo esta a via para suster abusos no recurso à contratação a termo, com salvaguarda dos direitos do trabalhador, ao permitir-lhe a celebração de contrato por tempo indeterminado).

11. A exigência cumulativa de que os contratos que são considerados pela “norma-travão” sejam realizados para horário completo, sejam anuais, sejam sucessivos (permitindo, em limite, apenas um determinado e escasso espaçamento entre eles) e sejam sempre realizados para o mesmo grupo de recrutamento, é uma exigência que dificulta de forma artificial a identificação de necessidades permanentes e que resulta na perpetuação de abusos. Qualquer quebra nas exigências cumulativas reinicia todo o processo de formação dos requisitos com vista à possível celebração de um contrato por tempo indeterminado: uma hora a menos no horário semanal, um dia a menos na duração do contrato, uma interrupção entre contratos ou a celebração de mais do que um ao longo do ano letivo, mesmo sem interrupção, a contratação para outro grupo de recrutamento para o qual o docente está habilitado.

12. Recentemente, a inoperância da norma voltou a ser bem identificada e descrita em ofício remetido pelo Senhor Provedor de Justiça, através do Senhor Provedor-Adjunto (ofício S-PdJ/2016/26697 – 16/12/2016, em anexo), à Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Educação que integra a equipa do agora denominado Ministério da Educação.

13. O envio daquele ofício teve lugar durante o processo negocial com vista a nova e necessária revisão da legislação dos concursos dos docentes a que nos vimos referindo, da qual resultou, sem acordo da FENPROF e das outras organizações sindicais, a publicação do Decreto-Lei n.º 28/2017, de 15 de março. A “oportunidade não despicienda” para a resolução, neste caso, do prolongado incumprimento da Diretiva, sublinhada no ofício do Senhor Provedor, acabou por gorar-se: a alteração dos limites de 5 para 4 anos de contratos a termo resolutivo e de 4 para 3 renovações não é de molde a corrigir a inoperância da norma, já que, desde logo, se mantém a cumulatividade de condições que vem sendo principal obstáculo a que o Estado Português alcance os resultados exigidos.

14. Deste modo, mantém-se o quadro de incumprimento que continua a possibilitar abusos no recurso à contratação a termo, por parte do Estado Português, no recrutamento de docentes do pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.

15. E um novo processo de vinculação extraordinária, entretanto lançado pelo Governo, para além de não ser mecanismo que obste a abusos futuros, pela sua gritante insuficiência, não resolve, sequer, o acumulado de problemas que resultam do incumprimento de uma diretiva que deveria estar transposta desde 2001.

16. Insiste-se: à CE compete velar pela aplicação correta do direito comunitário, neste caso tendo por referência os resultados previstos na Diretiva 1999/70/CE, de 28 de junho e no acordo-quadro que a integra. Estando em causa o cumprimento de uma obrigação de resultado, e não obstante o encerramento, em 2015, do procedimento por infração, é de esperar que a CE reavalie, com a maior urgência, este processo e que aja para garantir o respeito cabal pelo direito comunitário.

17. Também importa aqui denunciar que, para além do grupo de docentes a que nos vimos referindo, para os quais o Estado Português se limitou a uma transposição que não assegura os resultados da Diretiva, outros grupos existem para os quais não ocorreu, pode dizer-se, qualquer esforço de transposição, mesmo sendo ele meramente aparente, tal como se tem vindo a descrever.

18. Na área do Estado, docentes do ensino superior, docentes do ensino artístico especializado, docentes que vêm sendo contratados como técnicos especializados ou outros que estão funções no âmbito das chamadas atividades de enriquecimento curricular, e também investigadores científicos (que estão no âmbito de representação sindical da FENPROF), não encontram no direito nacional medidas de execução que transponham a Diretiva 1999/70/CE. Estão privados de direitos que lhes são atribuídos pelo direito comunitário: não se trata de uma incorreta ou incompleta transposição mas da não transposição que perdura desde 2001.

19. Sem os escamotear, não se confundam aqui processos que, sendo insuficientes e de outra natureza, não se inscrevem na obrigação perene de transpor para o direito nacional princípios como o do não abuso no recurso à contratação a termo. São os casos de medidas no âmbito do “período transitório” aplicadas a professores do ensino superior ou processos pontuais que permitiram, no passado, a vinculação com caráter extraordinário de alguns docentes do ensino artístico especializado.

20. E não se diga que a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas resolve esse incumprimento porque isso não é verdade e não se confirma, como tem de ser, pelos resultados alcançados. Nem as razões listadas naquela lei para a celebração de contratos a termo constituem obstáculo aos abusos, antes conferindo-lhes uma legitimação que é, em grande parte, falaciosa; nem se pode aceitar, de acordo com o direito comunitário, que a imposição de limites contratuais se faça com o prejuízo dos cidadãos e trabalhadores e não pela concretização de direitos que lhes são conferidos, neste caso, pela Diretiva. É o que sucede, a título de exemplo, com as limitações na contratação a termo no ensino superior resolvidas, grande parte das vezes, por via do despedimento ou pela contratação a tempo parcial, quando é atingido o limite estabelecido.

21. Por último, a questão do princípio da não discriminação dos trabalhadores contratados a termo, ínsito na Diretiva e que permanece, também ele, sem adequado tratamento na legislação nacional. Centrando a atenção nos docentes do pré-escolar e ensinos básico e secundário contratados a termo nos estabelecimentos públicos, eles, exercendo as mesmas funções, continuam a ser remunerados por índices abaixo do previsto para os seus colegas com o mesmo tempo de serviço mas contratados por tempo indeterminado, ou a não beneficiar de condições de organização dos seus horários de trabalho, designadamente reduções de componente letiva, de que estes usufruem. Estas e outras, verificam-se formas grosseiras de discriminação do trabalho que é prestado em regime de contrato de trabalho a termo, o que contraria grosseiramente o conteúdo e o propósito da Diretiva.

22. Também nesta dimensão urge avaliar e tomar medidas para solucionar o grave incumprimento em que o Estado Português se mantém, relativamente à transposição a que há muito está obrigado pela Diretiva 1999/70/CE, de 28 de junho, respeitante ao acordo-quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo. Entre essas medidas, assumem primordial importância as que cabem na esfera de responsabilidade das instâncias europeias, designadamente da Comissão Europeia.

 

 

Lisboa, 20 de abril de 2017

O Secretariado Nacional