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Educação Especial: Ano letivo abre com os problemas de outros anos e uma preocupação acrescida:

Por falta de recursos, medida positiva anunciada como promotora de inclusão poderá transformar-se em fator de exclusão

23 de setembro, 2016
  • FENPROF DIVULGA RESULTADOS DE LEVANTAMENTO FEITO JUNTO DAS DIREÇÕES DAS ESCOLAS / AGRUPAMENTOS SOBRE A SITUAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL, EM PARTICULAR, A APLICAÇÃO DE NOVO NORMATIVO LEGAL COM VISTA À REDUÇÃO DO NÚMERO DE ALUNOS POR TURMA

Os problemas da Educação Especial, infelizmente, não são de hoje. A Federação Nacional dos Professores tem vindo a denunciá-los e a exigir, junto das equipas ministeriais, soluções que, porém, não têm surgido, levando ao arrastamento dos problemas. O alerta foi dado na conferência de imprensa (foto: J. Caria) realizada na passada sexta-feira (23/09), em Lisboa, com a participação de professores que são dirigentes sindicais. Estiveram presentes Mário Nogueira, Secretário Geral; Ana Simões, coordenadora do Departamento de Educação Especial; Maria de Lurdes Martins (SPGL); Ondina Maia (SPN); José Adelino (SPRC); Janete Ramos (SPM) e Lucília Ávila (SPRA). A FENPROF chama a atenção para a necessidade de "serem muito reforçados os recursos disponíveis nas escolas para acompanhar os alunos que passariam a permanecer 60% do tempo letivo na turma, pois a garantia de sucesso de muitos deles não passaria apenas pela redução da turma, necessitando de outros apoios, tanto de pessoal docente como não docente (assistentes operacionais e terapeutas) e também de algumas ajudas técnicas". / JPO

A FENPROF promoveu (23 de setembro de 2016) uma conferência de Imprensa sobre os problemas que, neste início de ano letivo, afetam as respostas de Educação Especial nas escolas e agrupamentos. Nesta Conferência de Imprensa foi dada particular atenção à aplicação da nova medida que prevê a redução do número de alunos por turma, por integrarem alunos com necessidades educativas especiais, mas apenas quando estes permanecem, pelo menos, 60% do tempo letivo em atividade na turma.

Em relação àquela nova medida, apenas 18,3% dos inquiridos a considera negativa, mas 63,2% dos que respondem temem que, a não serem reforçados os recursos das escolas, o que se anunciou como favorável à inclusão poderá não atingir esse nobre objetivo e, pelo contrário, transformar-se em fator de exclusão. Este inquérito confirma ainda a falta de docentes de Educação Especial nas escolas, bem como de técnicos especializados e assistentes operacionais, recursos indispensáveis a um adequado apoio dos alunos com NEE.

É de salientar que a gravidade da deficiência de muitos alunos levou a que um elevado número deles se mantivesse menos de 60% nas turmas, o que significa que estas se mantêm nos seus limites máximos, reconhecidamente elevados mesmo quando não integram alunos com NEE. Também nestes casos as preocupações das escolas são grandes, pois, sem apoios permanentes, é muito difícil a estes alunos manterem-se nas salas de aula em processo de aprendizagem.

O texto que se apresenta mais adiante (e aqui em versão PDF)  resulta de um inquérito enviado às escolas e respondido pelas suas direções, tendo a amostragem abrangido 25% das escolas e agrupamentos públicos de todo o continente nacional. Os resultados apurados com este levantamento vêm ao encontro das preocupações que a FENPROF sempre manifestou sobre o assunto e, em tempo oportuno, colocou junto dos responsáveis do Ministério da Educação.

A divulgação desta situação pela FENPROF insere-se no conjunto de iniciativas em defesa da Escola Pública, pois esta não se defende escondendo os problemas, mas, pelo contrário, identificando-os, denunciando-os, propondo soluções e exigindo a sua resolução. Há medidas que, se forem tomadas de imediato, resolverão ou atenuarão muito os problemas identificados.

O Secretariado Nacional
23/09/2016

 

Os problemas da Educação Especial, infelizmente, não são de hoje. A FENPROF tem vindo a denunciá-los e a exigir, junto das equipas ministeriais, soluções que, porém, não têm surgido, levando ao arrastamento dos problemas.

Com a criação de uma secretaria de Estado para a inclusão de pessoas com deficiência, que a FENPROF saudou, pensámos ter encontrado uma entidade que, mais sensibilizada para os problemas, contribuísse para a sua resolução. Acontece, no entanto, que insistindo a FENPROF, desde dezembro de 2015, para a necessidade de realização de uma reunião com a senhora secretária de estado, esta, até hoje, não conseguiu encontrar um espaço na sua agenda para reunir, o que se lamenta.

A novidade, este ano, é que o Ministério da Educação aprovou uma nova exigência para as turmas que integram alunos com necessidades educativas especiais (NEE) poderem ser reduzidas para 20 alunos. Além de a medida “redução de turma” dever constar do Programa Educativo Individualizado (PEI) do aluno, este também terá de permanecer, pelo menos, 60% do seu tempo letivo em atividade na sua turma.

Este novo requisito apresenta-se extremamente exigente, tanto mais que, principalmente nas escolas onde existem unidades especializadas, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Educação, mais de metade dos alunos (52,8%) têm permanecido menos de 40% do tempo integrados na turma.

Duas preocupações fundamentais

Esta medida levou a que a FENPROF tivesse, desde logo, manifestado duas preocupações junto dos responsáveis do ME:

- por um lado, a necessidade de serem muito reforçados os recursos disponíveis nas escolas para acompanhar os alunos que passariam a permanecer 60% do tempo letivo na turma, pois a garantia de sucesso de muitos deles não passaria apenas pela redução da turma, necessitando de outros apoios, tanto de pessoal docente como não docente (assistentes operacionais e terapeutas) e também de algumas ajudas técnicas;

- por outro lado, considerando que os alunos que não permanecerão os 60% na turma serão os que apresentam situações de maior complexidade, a sua não redução nos tempos de permanência desses alunos constitui uma barreira à sua integração.

Colocadas estas preocupações ao ME, os seus responsáveis limitaram-se a afirmar que se tratava de uma medida promotora de inclusão, pois quanto mais tempo os alunos com NEE permanecessem nas suas turmas melhor seria. Este pressuposto mereceu o acordo da FENPROF, contudo, as preocupações não se atenuaram, pelo contrário, quando questionado o Senhor Secretário de Estado da Educação, em 5 de setembro, p.p., sobre que recursos acrescidos seriam disponibilizados às escolas para a concretização, com êxito, da nova medida, este se refugiou em evasivas e silêncios.

Porém, os normativos atualmente em vigor que, estranhamente não se aplicam no Ensino Secundário, vias científicas e humanísticas, não se limitam à medida “redução de turma”, eles também estabelecem um limite máximo de 2 alunos com NEE por turma, neste caso, sem qualquer condição, bastando que os alunos se encontrem sinalizados como apresentando necessidades educativas especiais.

  • OS NÚMEROS DO NOVO ANO LETIVO SÃO ESCLARECEDORES: POUCO MUDOU!

Para conhecer a realidade do ano que agora se está a iniciar, a FENPROF dirigiu-se às direções de escolas e agrupamentos, pedindo informações sobre a constituição de turmas que integram alunos com NEE e também pedindo que manifestassem a sua opinião em relação à medida dos “60%”.

As respostas recebidas, oriundas de todo o continente nacional, confirmam que os problemas de outros anos se matricularam no que agora começa, os normativos continuam a ser frequentemente violados e em relação à nova medida, a grande maioria considera-a, em abstrato, positiva, mas relativamente à sua concretização entendem que, a não serem reforçados os recursos que existem na escola / agrupamento, o que se anunciava promotor de inclusão poderá transformar-se em fator de exclusão e isso preocupa muito as escolas que “fazem das tripas coração” para responderem da melhor forma possível. Acontece, no entanto, que a melhor forma com que a maioria consegue responder fica muito aquém das necessidades dos alunos com NEE.

Em 2016/2017:

- 7,3% dos alunos das escolas públicas estão sinalizados como tendo necessidades educativas especiais (NEE), uma percentagem ligeiramente superior à do ano passado (6%), o que significa, em números redondos, cerca de 100.000 alunos, um número que não é exagerado e só não é superior dadas as restrições que a lei impõe à sinalização de alunos;

- 44,2% das turmas das escolas públicas integrarão alunos com NEE, ou seja, cerca de 24.000 turmas;

- Porém, apenas 27,3% têm até 20 alunos, bastante aquém dos 42% referidos pelo ME, sendo que só 20,2% não vão além dos 2 com NEE;

- Do total de turmas com alunos com NEE, 55%, ou seja, mais de metade, têm mais de 20 alunos, ou mais de 2 alunos com NEE ou mesmo mais de 20 alunos e mais de 2 com NEE;

- Das turmas com alunos com NEE, 12,8%, apesar de só terem até 2 com essas necessidades, ultrapassam os 20 alunos, o que, por si só, não revela ilegalidade, na medida em que a redução dependeria de os alunos estarem 60% do tempo letivo na turma e o PEI prever a medida de redução;

- Contudo, 1/3 das turmas com alunos com NEE (33,9%) integram mais de 2 alunos com NEE, ou seja, cerca de 8.000 turmas violam os normativos em vigor;

- Do conjunto de turmas com mais de 2 alunos com NEE, 36% (quase 2.900) também têm, no total, mais de 20 alunos.

  • SOBRE A MEDIDA QUE FAZ DEPENDER A REDUÇÃO DA TURMA PARA 20 ALUNOS, APENAS QUANDO OS QUE TÊM NEE AÍ PERMANECEM 60% OU MAIS DO TEMPO

- Avaliação da medida:

. Boa/Positiva – 31,6%;

. Má /Negativa – 18,3%;

. Não se pronunciam (por considerarem prematura a apreciação) – 50,1%

- Considera que estão criadas as condições para que a medida resulte em efetiva inclusão:

. Sim  – 22,3%;

. Não – 63,2%;

. Não se pronunciam – 14,5%

- Quando referem a falta de condições, as escolas indicam as principais carências:

. Falta de docentes de Educação Especial – 55,3%

. Falta de técnicos especializados, designadamente terapeutas e psicólogos – 51,4%

. Falta de assistentes operacionais – 46,2%

. São ainda referidos diversos aspetos, como falta de espaços adequados, necessidade de mais créditos horários para o desenvolvimento de projetos e para apoios individualizados, autonomia para decidir composição das turmas, entre outros.

  • AS RESPOSTAS MAIS REPETIDAS

Relativamente à questão específica dos 60% de permanência dos alunos na turma, foi perguntado às direções das escolas se consideravam que “foram criadas as condições adequadas a que esta medida anunciada como promotora de inclusão o seja de facto”. As respostas foram esclarecedoras, selecionando-se algumas que sintetizam a esmagadora maioria das recebidas: 

- “Não, para a medida ser inclusiva teriam de ser colocados mais professores de educação especial e técnicos” (Várias escolas e AE)

- “Não, exige a adoção de medidas que a complementem” (AE de Faro)

-“Falta apoio / formação aos docentes do ensino regular, no sentido de gerirem a sala de aula, de forma a poderem responder às diferentes problemáticas” (AE de Cuba)

- “Não, em situações mais complexas vão faltar apoios que permitam que os alunos estejam 60% na sala de aula” (Escola de Castelo Branco)

- “Não, seria necessária a contratação de mais professores da Educação Especial e assistentes operacionais” (AE de Albufeira)

Pretendeu também conhecer a avaliação feita da “nova norma adotada e que medidas entende que deveriam ser criadas ou reforçadas”. Também neste caso, as respostas foram muito semelhantes, sendo largamente maioritárias respostas como:

- “A escola deveria ter mais horas para atribuir aos professores da Educação Especial…” (Várias escolas e AE)

- “A adoção desta medida deve levar à colocação de mais professores de educação especial e outros técnicos, como psicólogos e terapeutas… (AE Leiria)

- “A medida apresenta alguns constrangimentos, dado que uma criança que passe, por exemplo, 50% de tempo na turma, exige uma dedicação por parte do professor que deveria ter como consequência uma redução do número de alunos na turma” (AE de Albufeira)

- “Insuficiente, todas as turmas com alunos com NEE deveriam ter número reduzido de alunos…” (AE Caldas da Rainha)

- “Se os alunos vão permanecer pelo menos 60% na turma terá de haver apoios permanentes” (Escola do Porto)

- “Isto é uma medida de exclusão. As turmas deveriam ser reduzidas para todos os alunos com NEE” – (AE de Faro)

Coajuvações e tutorias não respondem às necessidades

As escolas, porém, tentam sempre dar o seu melhor para responderem às necessidades dos seus alunos e também este ano isso se verifica. Todavia, dar o melhor, em situação de carência de recursos, nem sempre significa dar o adequado, mas o possível. E assim estão a fazer, mais uma vez, as escolas: adaptam-se e deitam mão a expedientes com que procuram ultrapassar as carências, destacando-se, de entre todos, o recurso a “coadjuvações” e às “tutorias”.

Ora, a coadjuvação é algo muito diferente dos apoios de que estes alunos necessitam e que lhes deverá ser facultado por docentes e técnicos especializados. A coadjuvação é o apoio prestado aos professores em determinadas áreas, sendo reforçado o trabalho com a turma, através da implicação na atividade de docente da área que está a ser trabalhada. Por sua vez, a tutoria é uma medida de grande importância, mas não se destina propriamente a prestar apoio especializado a alunos com NEE O apoio aos alunos com NEE deverá ser prestado por docentes especializados, uma vez que em causa estão alunos sinalizados pela Educação Especial como necessitando desse apoio.