Internacional
Brasília

FENPROF no 32º Congresso da CNTE

27 de janeiro, 2014

A FENPROF participou no 32.º Congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores de Educação (CNTE), no Brasil. O Congresso foi antecedido por um Seminário Internacional, em que participaram 32 convidados de 20 organizações estrangeiras, entres as quais a FENPROF. Estas iniciativas decorreram em Brasília entre 15 e 19 de janeiro. Em ambas, interveio o Secretário Geral da FENPROF. Ver aqui saudação da FENPROF ao Congresso da CNTE


Um olhar sobre o Portugal dos nossos dias

PORTUGAL: UM POVO QUE LUTA CONTRA A EXPLORAÇÃO
E O EMPOBRECIMENTO E DEFENDE, DETERMINADO, AS FUNÇÕES SOCIAIS DO ESTADO DEMOCRÁTICO

Mário Nogueira*

Secretário-Geral da FENPROF / Portugal

 

  • PORTUGAL: UMA CRISE QUE É PRETEXTO PARA ATACAR COM VIOLÊNCIA
    O ESTADO DEMOCRÁTICO

Portugal vive um tempo extremamente complexo e difícil. Confrontado com uma crise provocada pelo grande capital por anos de políticas que fragilizaram os direitos dos trabalhadores e são responsáveis por quebras de qualidade das respostas prestadas pelos serviços públicos que dão corpo às funções sociais do Estado, Portugal foi oferecido pelo governo de José Sócrates – que, para o efeito, contou com o apoio da direita que, entretanto, o desalojou do poder – a uma troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia) com quem celebrou um acordo que constitui uma verdadeira e grave agressão ao país e ao nosso povo.

Submetidos a um fortíssimo choque de empobrecimento e de aumento da exploração, aos trabalhadores portugueses e, em primeiro lugar, aos funcionários públicos: foram impostas fortíssimas reduções salariais e das pensões de aposentação em cima de violentos aumentos de impostos; foram eliminados ou reduzidos direitos laborais e sociais, bem como muito fragilizados os apoios sociais devidos a jovens, desempregados, doentes e idosos; simultaneamente, os serviços públicos que concretizam funções sociais do Estado em múltiplas áreas – Educação, Saúde, Segurança Social, entre outras – têm sido alvo de políticas que lhes estão a provocar profundas debilidades que a direita aproveita para, aos olhos da sociedade, os denegrir com um objetivo preciso: desmantelá-los e avançar com processos de privatização.

Enquanto esta é a realidade com que se confrontam os trabalhadores e, em geral, os cidadãos portugueses, os bancos e os grandes grupos económicos continuam a apresentar fortes lucros e as grandes fortunas vão, não apenas crescendo, como aumentando em número. Em 2012, ao mesmo tempo que tantas e tantas famílias caíram na pobreza, os muitos ricos aumentaram 11%. Face à situação que vivemos, os problemas sociais graves voltaram a instalar-se: as manchas de pobreza e exclusão alargam-se brutalmente; a fome regressou ao país e reentrou pelas portas das escolas, atingindo muitos milhares de crianças; a corrupção percebe-se de novo nas negociatas que têm lugar no âmbito dos processos de privatização em curso; a emigração voltou a tomar conta dos nossos jovens que partem mensalmente aos milhares, com Portugal a perder a sua geração mais qualificada…

Portugal, a par de outros países do sul da Europa, como Espanha, Itália, Grécia ou Chipre, continua a ser um paraíso para os agiotas internacionais que, à custa do empobrecimento dos povos, sugam a riqueza que é produzida. A própria França, cujo governo constitui uma desilusão para os franceses, mas não só, parece já ter atingido um ponto de retorno muito difícil, com um só país a ganhar com a crise instalada na Europa: a Alemanha. Portugal como, em geral, o sul da Europa, está preso pelas garras do FMI e de uma Alemanha que, sem recorrer a armas de fogo, impõe aos outros uma verdadeira economia de guerra. Uma guerra sem mortos nas ruas, é certo, mas que faz imperar o medo, a miséria e uma cultura de desespero em que cada um procura formas de sobrevivência, sabendo que, a qualquer momento, poderá cair nas malhas da extrema pobreza e da exclusão. Esse é um risco que se tornou presente em cada momento da nossa vida e é preciso ter coragem, que os portugueses têm tido, para manter uma forte luta contra este caminho de destruição e miséria.

Desde que a troika entrou em Portugal para nos “ajudar”, a dívida portuguesa passou de 94% no primeiro trimestre de 2011 para os quase 130% atuais; no mesmo período, o desemprego disparou dos 11 para quase 18%; o valor do défice só aparentemente se encontra próximo do que é propagandeado, pois tal obtém-se apenas com o recurso a medidas extraordinárias que, conjunturalmente, o disfarçam, mas não o controlam. É como esconder o lixo debaixo do tapete.

Em maio deste ano, termina o chamado “processo de ajustamento” imposto pela troika e a direita já começou a preparar os portugueses para a aplicação de um “programa cautelar” que será mais exploração e empobrecimento sobre um país em que até a doentes oncológicos já são negados tratamentos e medicamentos por serem dispendiosos.

As grandes lutas sindicais gerais ou setoriais, os grandes protestos sociais, as manifestações de grande indignação repetem-se, mas não é fácil, num quadro destes que pressiona e asfixia tanto as pessoas, levar a que esqueçam o medo e renovem a esperança num futuro diferente para muito melhor. Restituir esperança e desenhar futuro é hoje, no nosso país, missão importantíssima do movimento sindical.

Assim, é de um país algemado que falamos hoje; é de um país amargurado que podemos dar notícias; é de um país vendido, mas não rendido e, por isso, é de uma imensa força e de uma grande convicção que continuamos a falar, pois sentimo-la todos os dias, uma vez que todos são dias de luta.

  •  OS IMENSOS E INTENSOS DESAFIOS QUE SE COLOCAM
    À EDUCAÇÃO PÚBLICA

Num contexto tão negativo como aquele que se referiu, a Educação não poderia deixar de ser das áreas mais atingidas. A Escola Pública, que é imperativo constitucional, corre sérios riscos. Depois de se ter sujeitado a medidas deliberadamente tomadas para lhe reduzir recursos financeiros e retirar recursos humanos fundamentais, docentes e não docentes, o governo anuncia agora uma designada “reforma do Estado”, acordada com a troika, que mais não é do que um processo de privatização que inclui a área da Educação. Dando cumprimento ao que dita a cartilha neoliberal que o governo de Passos Coelho leva por diante, esta reforma pretende reservar para a esfera do Estado apenas o que identifica como “núcleo de funções essenciais”, sendo que, dele, não fazem parte Educação, Saúde ou Segurança Social.

A anunciada “reforma do Estado” não passa de um processo de desmantelamento do Estado Democrático, por vezes chamado de social, que os portugueses construíram ao longo dos 40 anos de uma Democracia que lhes foi restituída em 25 de abril de 1974, depois de uma longa noite fascista, de quase meio século, que se abateu sobre Portugal.

É o próprio “guião para a reforma do Estado” que refere não estarmos perante o mero cumprimento de metas, mas a alteração de um modelo. Privatizar é palavra de ordem e os processos previstos são vários e vão desde a contratualização com privados até à aplicação, já este ano e a título experimental, do chamado “cheque-ensino”

Também a situação sócio profissional e as condições de trabalho e vida dos professores e demais trabalhadores deste setor constituem fortes desafios que se colocam à Educação e às organizações sindicais de docentes e não docentes. As carreiras profissionais estão bloqueadas desde a ocupação da troika, o desemprego dos professores, entre o início do ano letivo 2010/2011 e o que corre, 2013/2014, cresceu 256%, segundo dados oficiais divulgados pelo governo, os salários líquidos, em apenas 3 anos perderam, em média, 30% e o mesmo acontecerá às pensões de aposentação com os novos cortes e impostos já anunciados para 2014.

Também as condições de trabalho nas escolas se agravaram. Para além do aumento efetivo dos horários de trabalho, aumentou o número de alunos por turma, as aulas das áreas experimentais passaram a ter o dobro dos alunos e milhares de alunos com necessidades educativas especiais perderam os apoios de que necessitam.

Neste quadro, os principais desafios que se colocam na Educação são de dois tipos, mas convergentes num mesmo objetivo estratégico: defender uma Educação Pública de qualidade. As duas vertentes da ação sindical são, por um lado, valorizar e dignificar os docentes e o seu exercício profissional, por outro, defender uma Escola Pública de qualidade, democrática, gratuita e para todos e todas.

A intenção do governo, com a sua “reforma do Estado” não é extinguir a Escola Pública, pois a direita precisa das escolas públicas para que cumpram missões sociais e acolham os muitos que, por variadas razões, nunca terão acesso ao conhecimento pleno. O projeto de elitização do ensino, que também está presente nesta dita reforma, passa por reservar para o privado o acesso ao conhecimento e ao ensino de qualidade. Se deixássemos que esse projeto vingasse, estaríamos a cometer um erro colossal de consequências imprevisíveis para o futuro da nossa Democracia, pelo que não basta afirmar a defesa da Escola Púbica, é indispensável sublinhar a sua matriz democrática, o nível exigente da qualidade que deverá ter e o caráter inclusivo da escola. Este será o grande desafio da Educação em Portugal, para hoje e para o próximo futuro.

  • O MOVIMENTO SINDICAL DA EDUCAÇÃO E O PAPEL DECISIVO
    QUE DEVERÁ TER EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA DE QUALIDADE

As exigências que se colocam ao movimento sindical, também na Educação, são muitas e de elevada complexidade, pois as respostas que dele se espera terão de ser as adequadas para que tenham eficácia.

Face aos objetivos que atrás se enunciaram, o movimento sindical tem, desde logo, de organizar o protesto, mas não pode fazê-lo sem, simultaneamente, apresentar a proposta. O protesto será tanto mais forte quanto o movimento sindical souber construir alternativas às políticas em curso e passar a mensagem de que há alternativa e que, inevitável, não é a política de direita, mas a luta contra ela.

No plano sócio-profissional, os Sindicatos deverão saber construir a unidade a partir do local de trabalho e convergir na ação em torno de objetivos concretos que visem valorizar e dignificar os profissionais que representam, bem como melhorar as condições de trabalho nas escolas.

A defesa da Escola Pública exige uma convergência muito mais ampla no plano social. A Escola Pública é um bem social que, em Portugal, merece consagração na Constituição da República e na Lei de Bases do Sistema Educativo, obrigando o Estado a garanti-la. A Lei de Bases do Sistema Educativo consagra que “compete ao Estado criar uma rede de estabelecimentos públicos de educação e ensino que cubra as necessidades de toda a população” (n.º 1 do artigo 37.º). Este preceito legal obedece ao imperativo constitucional que estabelece que “O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população” (n.º 1 do artigo 75.º).

É necessário impulsionar a criação de dinâmicas sociais que unam docentes, trabalhadores não docentes das escolas, pais, estudantes, autarcas, organizações sociais e políticas, de uma forma geral, cidadãos para quem a democracia é um bem a preservar e o futuro um tempo que se constrói no presente.

Em Portugal, temos consciência da necessidade de lutar contra a política de direita e de a substituir por uma política de esquerda, patriótica e soberana; da necessidade de continuarmos a lutar pela demissão do governo da direita; da urgência de expulsarmos de Portugal os invasores do FMI e restante troika que, contando com aliados internos, está a deixar atrás das suas políticas um rasto de terra queimada de onde não será possível nascer futuro.

Como se pode verificar, os desafios que se colocam ao movimento sindical dos professores e, em geral, aos Sindicatos que representam trabalhadores de educação, são muito exigentes, mas estamos conscientes da nossa força e da nossa razão, pelo que seremos capazes de estar à altura das exigências.

* Comunicação no Seminário Internacional