Internacional
Intervenção de Mário Nogueira (Atenas, 28 de Junho)

Assembleia Geral da União dos Professores da Grécia (OLME)

29 de junho, 2010

Portugal vive um momento muito difícil no plano económico, social e político, aliás, não muito diferente do que vivem países como a Grécia ou a Espanha. O capital, na sua louca correria por lucro, cada vez mais lucro que persegue de forma gananciosa, faz com que a crise que gera se abata sobre os trabalhadores, os serviços públicos e as funções sociais do Estado. Os professores, as escolas e a educação em geral não são excepção.

Portugal depois de um Orçamento de Estado para 2010 imposto pelo Governo minoritário do PS, com o apoio da direita, desde logo decidiu congelar os salários da Administração Pública, reduzindo o valor das aposentações e agravando as condições de aposentação fixando em 65 anos de idade e obrigando a que muitos tenham de trabalhar muito mais do que 40 anos. A este Orçamento de Estado, seguiram-se já dois Programas de Estabilidade e Crescimento (PEC) e anuncia-se  um terceiro, ainda mais violento, exigido por Bruxelas. Isto, enquanto os tentáculos do FMI começam também já a abraçar as fragilidades e debilidades do país, preparando-se para o apertar e, se conseguir, asfixiar.

Mas o ataque aos trabalhadores, em especial aos da Administração Pública, não é de hoje, vem de há muito tempo.

Por exemplo, entre Agosto de 2005 e Dezembro de 2007, as carreiras profissionais foram congeladas e o tempo de serviço prestado foi eliminado. Nesse período, o Governo de maioria absoluta de Sócrates aproveitou para impor alterações às carreiras, tornando-as mais longas e ficando mais precárias as relações laborais. Dos cerca de 150.000 professores portugueses, quase 40.000 são precários. No ensino superior, os níveis de precariedade chegam a atingir os 70%. Estes precários não têm uma  escola a cujo quadro pertençam, podendo ser transferidos de escola em cada ano ou, simplesmente, ficar desempregados. Não têm carreira. Têm menos direitos e são sujeitos a um regime de avaliação que os leva a aceitar quase tudo para não perderem o emprego.

Para se compreender melhor, entre 2007 e 2010 aposentaram-se cerca de 15.000 professores e entraram nos quadros das escolas, para os substituir, menos de 400. As restantes compensações pela saída de tantos professores estão a ser da responsabilidade de precários.

Também durante o período de congelamento de carreira, estas foram divididas em duas, com mais de 2/3 dos professores impedidos de irem além do meio dessa carreira. Os horários de trabalho agravaram-se, sendo hoje verdadeiramente insuportáveis no plano pedagógico, mas também as escolas, apesar de alguma requalificação de edifícios e de alguns equipamentos tecnológicos colocados, regrediram no que respeita às suas condições para responderem satisfatoriamente às exigências com que se confrontam e são muitas: as turmas têm muitos alunos, milhares de alunos com necessidades educativas especiais perderam os apoios especializados, reduziram-se recursos humanos, havendo menos funcionários e menos professores, as famílias estão cada vez mais pobres, devido ao desemprego e aos baixos salários (o salário mínimo subiu este ano para 475 euros e sob muita polémica) e não têm uma acção social escolar adequada às suas necessidades…

Por estas e outras razões, Portugal, tendo taxas de insucesso e de abandono escolar muito elevadas, das mais elevadas da União Europeia, continua sem desenvolver políticas adequadas à resolução estes graves problemas. A escolaridade obrigatória é de 9 anos (irá passar para 12), mas mais de 20% dos alunos não a conclui e, destes, cerca de 40% não prossegue para o ensino secundário. A taxa de frequência do Ensino Superior é da ordem dos 12% e dos que o frequentam e concluem, mais de 50%, quando terminam os seus cursos, não obtém emprego, ou, pelo menos, emprego adequado às suas habilitações. É vulgar encontrarmos muitos professores a trabalhar nas caixas dos supermercados ou nas lojas dos centros comerciais em situação de elevada precariedade, com salários baixíssimos e com horários de trabalho muito prolongados.

Foram estas medidas, esta desvalorização da escola e dos professores, acompanhadas de um discurso político em que os professores eram responsabilizados, pelo Governo, de serem os principais causadores da situação em que a Educação se encontra… foi essa tentativa de atribuir injustamente responsabilidades aos professores que fez explodir a indignação dos professores, deixando-os à beira de um ataque de nervos. Por essa razão, promovemos três enormes Manifestações, a primeira, a que chamámos Marcha da Indignação, em 8 de Março de 2008, com 100.000 professores na rua; outra em 8 de Novembro, com 120.000; ainda uma terceira em plena campanha eleitoral para as europeias, em 30 de Maio de 2009, com mais de 80.000. Realizámos ainda duas greves, ambas com mais de 90% de adesão, vigílias de vários dias e noites à porta do Ministério da Educação, concentrações, abaixo-assinados, tomadas de posição de escola com os professores a vestirem-se de negro de cada vez que a Ministra da Educação ou o Primeiro-Ministro visitava a sua escola, mas tudo isto sem nunca esquecer a acção institucional, no Parlamento, com as organizações de pais e autarquias, com o próprio governo e, principalmente, mantendo uma permanente preocupação com a opinião pública.

A Ministra da Educação chegou a afirmar que tinha perdido os professores mas ganho a opinião pública, contudo, isso nunca aconteceu e esse foi um dos segredos da nossa luta. Ainda este mês, de acordo com um estudo divulgado em Portugal, e que abrangeu toda a Europa, os professores surgem em segundo lugar, num conjunto de muitas profissões, nos índices de confiança dos portugueses.

Para tentar quebrar a luta e retaliar contra os professores, o Governo impôs um modelo burocrático e penalizador de avaliação, substituiu a gestão democrática das escolas por um director com super-poderes, alterou a lei no sentido de restringir os direitos sindicais e a liberdade sindical, mas não conseguiu quebrar a capacidade de resistência e de luta dos professores. Pelo contrário, cada medida anunciada fez sempre crescer a indignação dos professores.

Entretanto, houve eleições, o PS perdeu a maioria absoluta e o Governo teve necessidade, em um ou outro aspecto, de aliviar a pressão.

O nosso estatuto de carreira foi revisto, a divisão da carreira foi eliminada, a progressão voltou a ser possível e mais alguns problemas do foro profissional foram resolvidos. O novo estatuto da carreira docente entrou em vigor no dia 24 de Junho, portanto há 4 dias, e esse foi um importante resultado da nossa luta, ainda mais num momento em que a tendência é para perder direitos e serem eliminadas carreiras profissionais.

Agora, contudo, não tendo o PS maioria absoluta mas contando com a direita para apoiar as suas políticas, os professores são cada vez mais confrontados com as medidas que decorrem do PEC e se aplicam a todos os trabalhadores, tal como as escolas estão sujeitas a imposições que se aplicam a todos os serviços públicos.

Neste momento, relativamente às escolas, há um processo de encerramento de todas as escolas do 1.º Ciclo do Ensino Básico (antigo Ensino Primário) com menos de 21 alunos. São milhares, distribuídas por muitas localidades de uma imensa zona rural que existem em Portugal. Os sacrifícios que se impõem às crianças são enormes, ficando sujeitos a longas deslocações diárias e a permanecerem todo o dia fora de casa. O Governo tenta ainda juntar escolas em agrupamentos que poderão atingir 3000 alunos e mais de 400 docentes e, dessa forma, com uma única direcção para uma área geográfica que é muito grande e inclui vários estabelecimentos, fazer uma gestão de recursos humanos que poderá em breve, quando começar o novo ano, traduzir-se na dispensa de muitos milhares de trabalhadores docentes e não docentes.

Quanto aos professores e, de uma forma geral, os trabalhadores portugueses, o ataque é tremendo, principalmente ao seu salário, aos seus horários de trabalho, à sua estabilidade profissional e de emprego, aos direitos sociais e laborais.

Dos diversos PEC já resultou o aumento de impostos, tanto directos como indirectos, a degradação ainda maior do valor das pensões de aposentação, o congelamento salarial até 2013, a redução das prestações sociais, designadamente aos desempregados, e o congelamento de várias carreiras e de suplementos remuneratórios, o congelamento das entradas na Administração Pública… E anunciam-se novos PEC, já surgindo indícios de congelamento parcial ou total de subsídios de férias e Natal e mesmo cortes directos nos salários. Também o Estado pretende obter seis mil milhões de euros através da privatização de algumas das poucas alavancas que restam à economia nacional, o que significará entregar ao capital financeiro alguns dos serviços e das empresas que continuam públicas e são lucrativas. A direita vai pressionando o PS para ir mais longe e este, numa estratégia de conservação do poder a qualquer custo, vai cedendo. Agora a direita diz que mais do que flexibilizar os despedimentos, quer liberalizá-los, afirma que a Escola Pública deve deixar de ser constitucionalmente protegida em relação à privada e quer que o princípio da gratuitidade do ensino seja retirado da Constituição da República.

Os trabalhadores estão a reagir e para além de muitas lutas sectoriais que se desenvolvem, promovemos, em 29 de Maio, faz amanhã um mês, uma manifestação Nacional que contou com a participação de cerca de 300.000 trabalhadores, sendo aquela que reunindo trabalhadores de todos os sectores da vida nacional, tanto público, como privado, contou com o maior número de professores.

Estamos conscientes de que são mais respostas de luta, maior envolvimento e mais compromisso para agir, todos temos consciência, mas há constrangimentos fortes que se colocam e não podemos ignorá-los. Pelo contrário, temos de os desmontar, esclarecer os trabalhadores e mobilizá-los para lutarem. Entre as principais dificuldades, conta-se o medo. O medo de perder o emprego, o medo de ficar sob o olhar do patrão, ou do director, ou do avaliador… Depois, é a ideia de inevitabilidade que os governantes e os economistas ao seu serviço fazem passar: isto é assim, porque não pode ser de outra forma. Os sacrifícios têm de ser feitos por todos e, portanto, se foi perdida uma parte, não se perdeu tudo e isso já não é mau, dizem eles. E começa a circular a ideia de que há direitos que são privilégios e não direitos. Por exemplo, ter emprego começa a ser encarado não como um direito social e  civilizacional, mas um privilégio que uns têm e outros não e isso cava divisões entre as pessoas.

O ataque aos Sindicatos e à liberdade da actividade sindical. É o governo, com a aprovação de novas leis; são os patrões e os directores que chegam a querer que o trabalhador cumpra noutro dia as horas e as tarefas que não cumpriu em dia de greve; são os obstáculos colocados à participação em reuniões sindicais realizadas legalmente na hora de serviço; são os que parecendo contestar o governo e as suas políticas, na verdade têm os Sindicatos como alvos preferenciais e se, da luta, não surgem resultados imediatos, a crítica é que os Sindicatos não souberam alcançá-los; se há resultados, então dizem que ficaram aquém do possível; se foram alcançados na plenitude, logo dizem que deveria ter-se aproveitado para alcançar outros, ainda que nem estivessem em negociação. Muitos desses, não dando a cara, recorrem às novas tecnologias de informação e comunicação para lançarem a suspeita e promoverem a intriga. Novos meios de comunicação que, convém acrescentar, o movimento sindical também utiliza. Houve manifestações que juntaram milhares de professores em várias cidades do pais, que se convocaram por email e sms, em dois ou três dias.

A luta que temos pela frente é longa, dura e complexa.

Exige muito trabalho, muita determinação, muito envolvimento de todos nós. É uma luta que os professores podem desenvolver por vezes sozinhos, mas que, tantas outras vezes, obrigará a que nos juntemos, eu diria, obriga cada vez mais a que nos juntemos aos restantes trabalhadores para que possamos ter êxito nessa luta. Sendo indispensável a luta em cada um dos nossos países, envolvendo os trabalhadores nos seus locais de trabalho, há dinâmicas de acção que deverão passar para lá das fronteiras de cada nação, o que exigirá uma articulação e conjugação de esforços entre aqueles que, em todo o lado, são os sacrificados e as vítimas desta crise: os trabalhadores, ou seja, os do costume.

Para quantos afirmavam que a luta de classes era coisa do passado, ela aí está em todo o seu esplendor. O capital tenta ganhar vantagem, esmagando o trabalho e crescendo à custa dele. Compete aos trabalhadores, onde se incluem os professores, estarem disponíveis para lutar pelos seus direitos, pelos seus salários, pelos serviços públicos essenciais de Educação, de Saúde, de Segurança Social, entre outros, em suma, por uma sociedade mais justa e mais solidária. Pela acção e pela afirmação e concretização de um sindicalismo de classe, de massas e orientado para a mudança e a transformação social, conseguiremos alcançar os nossos objectivos. Não será fácil, é verdade, mas as dificuldades não nos farão desistir, pelo contrário, é por ser difícil que teremos de resistir e lutar ainda com mais convicção e mais força.

 Vivam os trabalhadores portugueses, gregos e de toda a Europa! É, realmente, tempo, de nos levantarmos!


Mário Nogueira
Secretário-Geral da Federação Nacional dos Professores (FENPROF – Portugal)
Membro da Comissão Executiva da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP-IN)