Internacional

Em homenagem e com grande respeito e solidariedade pela luta de Aminedu Haidar que é a luta de um povo!

11 de dezembro, 2009
 

À generalidade dos portugueses, a sigla R.A.S.D. nada diz, mas significa República Árabe Saharauí Democrática (Sahara Ocidental).

Contrariando regras elementares do direito internacional, o reino de Marrocos ocupou praticamente todo o território do vizinho Sahara Ocidental, tendo empurrado o povo saharauí para além de um muro de 2.700 quilómetros de comprimento. Os marroquinos instalaram-se do lado "fértil", onde existe uma importante reserva piscícola, bem como importantes jazigos de fosfatos, deixando para o povo saharauí apenas deserto.

Vivendo nos parcos territórios não ocupados e, principalmente, em zonas fronteiriças um pouco menos inóspitas, que são já terreno argelino, o povo saharauí organiza-se nos seus acampamentos e, em condições extremamente precárias, sobrevive.

Dependendo quase exclusivamente da ajuda humanitária que lhes chega, os saharauís apostam fortemente na juventude e na sua educação e formação. Nos acampamentos da R.A.S.D., encontramos escolas, muitas escolas, e uma grande preocupação com o ensino e a educação das crianças e jovens. Por exemplo, no acampamento de Dajla há seis escolas que acolhem cerca de 3.000 alunos para os quais existem 476 professores. As salas dos jardins-de-infância, nestes acampamentos, organizam-se por grupos etários. Sempre que possível, as escolas básicas têm um máximo de 20 alunos por turma. As secundárias são apenas três para todo o território, o que exige que muitos jovens permaneçam longos períodos de tempo separados das suas famílias, em regime de internato. Uma delas, a Escola Secundária 10 de Outubro, para ficar equidistante dos acampamentos, foi construída em pleno deserto, onde só é possível chegar de jipe e graças à perícia e extraordinária capacidade de orientação dos seus condutores.

Aceder ao ensino superior só por solidariedade de alguns países, destacando-se três: Argélia, Líbia e Cuba. Nos acampamentos encontram-se, ainda, escolas de educação especial que se organizam por valências, havendo nelas professores com formação ou experiência que parecem fazer milagres.

Cadernos, livros, demais material escolar - como medicamentos, por exemplo - chegam pelos caminhos da solidariedade, não havendo outra forma de os obter. Formação de professores e seu acompanhamento em trabalho na sala de aula são também garantidos pela via solidária, encontrando-se muitos professores e formadores provenientes de Espanha, que dedicam as suas interrupções lectivas e férias a esta causa maior e solidária.

É este povo que vive nas suas "haimas" (tendas ou casas de adobe), que se alimenta do que há e quando há (muitas vezes, há pouco mais do que chá carregado de açúcar para enganar a fome), que não tem estradas para chegar aos acampamentos, sendo, por isso, obrigado a atravessar areais imensos com muitos quilómetros de extensão - um povo que, nos seus acampamentos, pode acordar com uma tempestade de areia, recolher-se à tarde para escapar aos 50 graus e deitar-se com uma tempestade diluviana - é este povo que continua a lutar pelo direito a ser feliz no território que é seu, mas foi usurpado pelo expansionismo marroquino.

A riqueza existente no Sahara Ocidental é usufruída por Marrocos, quer através do acordo de pescas que a União Europeia ali mantém, permitindo-lhe pescar, só naquela costa, 900.000 toneladas de peixe por ano, quer extraindo fosfatos que rendem aos marroquinos, por dia, tanto quanto os saharauís recebem, por ano, em ajuda humanitária.

É neste quadro, tão difícil e complexo, que o povo continua a lutar pela sua autodeterminação e exige a realização do referendo que, há quase duas décadas, foi decidido pela ONU, mas que Marrocos não aceita que obedeça a regras justas e transparentes. Este povo exige, também, a libertação dos seus presos, exige saber onde se encontram os seus desaparecidos, exige poder circular em liberdade num território que é seu.

Em manifestação realizada em 10 de Abril de 2009, junto do muro da vergonha construído por Marrocos para dividir a R.A.S.D., destacavam-se as mulheres e jovens que gritavam por liberdade, arremessavam pedras contra a tropa ocupante que se exibia do lado de lá do campo minado, arrancavam vedações feitas com troncos e arame farpado para dividir o território e separar as famílias... revoltado, um jovem, de bandeira empunhada, tentou colocá-la na zona proibida, para lá do arame farpado que já estava caído e pagou cara a rebeldia, sacrificando uma perna devido ao rebentamento de um dos engenhos assassinos colocados em terra que é sua.

Eu vi, ali à minha frente, e vivi o desespero de tanta e tanta gente, gente como qualquer um de nós, que se lançava para cima das minas e que, apenas por sorte ou por ser de imediato agarrada não perdia ali a vida... senti, tão forte, a força que a luta pela liberdade transmite a cada ser humano e o apelo que lança a cada um dos que a procuram... aquilo é coisa que mexe connosco, que nos abala, que arrepia, que comove... naqueles momentos tão intensos, na nossa cabeça misturam-se emoções que se agitam com os gritos que enchem o silêncio daquele imenso deserto...

Entretanto, o dia vai chegando ao fim e, por detrás das dunas, o sol começa a pôr-se lento e lindo...Olhá-lo é um momento único de paz, naquele espaço de guerra... A tranquilidade parece tomar conta do imenso areal, mas é aparente, pois o coração dos saharauís continua a fervilhar de razão e de razões... os nossos, solidários, decidiram entregar-se a uma causa que é nobre e que só nos pode orgulhar por a abraçarmos: a causa da vida, da vida humana, da vida condigna, da vida em liberdade! Como é possível, homens e mulheres sujeitarem outros homens e mulheres a tais condições?! Mas a verdade é que sujeitam...

Num misto de Amor e Indignação, os nossos corações acompanham o pôr do sol e o caminho percorrido pela lua que vai tomando conta do céu... lua cheia... cheia de esperança num futuro que, solidariamente, nós portugueses e portuguesas, nós, professores e professoras, temos a obrigação de ajudar a construir.

Mário Nogueira
Professor. Secretário-Geral da FENPROF