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DIÁLOGO SOCIAL

O diálogo social atual no setor da educação em Portugal: oportunidades e desafios

10 de maio, 2017

No dia 8 de Maio, no Porto, Anabela Sotaia (membro do Secretariado Nacional), em representação da FENPROF, participou numa mesa redonda do projeto conjunto do CSEE (Comité Sindical Europeu de Educação) e da FEEE (Federação Europeia de Empregadores) sobre o Diálogo Social Europeu no setor da Educação. A FENPROF divulga os documentos aí distribuídos, bem como a intervenção da sua representante no painel sobre “O diálogo social atual no setor da Educação em Portugal: oportunidades e desafios”.

O diálogo social atual no setor da educação em Portugal: oportunidades e desafios

Por Anabela Sotaia (membro do SN da FENPROF)

As medidas de austeridade aplicadas em Portugal durante o programa de assistência económica e financeira imposto pela troika implicaram cortes muito significativos no número de trabalhadores, nos salários e nas despesas do setor público, levando a uma rápida deterioração dos salários e das condições de trabalho, bem como ao aumento significativo da precariedade no setor público. Assistimos, igualmente, no setor privado a um enorme processo de desregulação das relações laborais, com a introdução de normas que eliminaram ou restringiram direitos dos trabalhadores, reduziram os seus rendimentos, facilitaram os despedimentos, agravaram a precariedade dos vínculos laborais, favoreceram a chantagem e o arbítrio patronal, degradaram as condições de vida e de trabalho e acentuaram a exploração e o empobrecimento dos trabalhadores, em detrimento do diálogo social e da contratação coletiva.

Passado um ano e meio desde a entrada em funções do atual governo, são de saudar as importantes medidas de reversão da austeridade, para as quais os trabalhadores, incluindo os docentes e investigadores, com a sua luta muito contribuíram, como a reposição do horário semanal de 35 horas, a reposição de salários, a eliminação progressiva da sobretaxa do IRS ou o aumento do salário mínimo nacional. Também na educação, no setor público, e registando-se uma maior abertura ao diálogo social, as primeiras medidas aprovadas no início da Legislatura foram de sentido positivo mas não podemos ficar o resto do mandato do atual governo a viver à sombra dessas medidas. 

Chegados ao momento de serem tomadas medidas de fundo, com a criação de condições, que são mais do que justas e prementes para que se possa ser professor numa escola pública que se quer dignificada e valorizada, não pode o atual governo bloquear as negociações nesse sentido, optando por um caminho semelhante ao de quem antes nos governava. É claramente isso o que está a acontecer, com o governo a dar sinais muito preocupantes de incapacidade de resposta às questões que lhe são colocadas, incapacidade de diálogo com as organizações sindicais, incapacidade de resolução de problemas que surgem, agora, com tendência para se agravar, e incapacidade para assumir um compromisso com os professores, que permita atenuar um sentimento de frustração que vai crescendo e que, em muitos casos, já se transformou em indignação e protesto.

É tempo de o governo e o Ministério da Educação investirem nas pessoas, em particular nos profissionais docentes, não chegando palavras de reconhecimento. Depois de constatar, é preciso agir para solucionar! De nada serve o diálogo, se este não tem eficácia e não se traduz em medidas concretas para resolver os problemas em tempo útil. Exigem-se medidas que correspondam a políticas de valorização destes profissionais, em domínios como o das condições de trabalho, da renovação geracional ou da efetivação de direitos. Neste quadro, que tem vindo a complexificar-se, a FENPROF propôs ao Ministério da Educação que assumisse os seguintes compromissos com os professores e educadores, até ao final da Legislatura:

  • · Carreiras docentes: compromisso de descongelamento das carreiras em 1 de janeiro de 2018; resolução prévia das ilegalidades que persistem; respeito pela estrutura estabelecida no ECD; disponibilidade para iniciar negociações, com vista à recuperação e contagem integral do tempo de serviço;
  • · Horários de trabalho: compromisso de definição clara dos conteúdos das componentes letiva e não letiva dos docentes; integração dos intervalos do 1.º Ciclo do Ensino Básico na componente letiva;
  • · Aposentação: compromisso de negociação de um regime especial de aposentação para os professores, tendo em conta os reconhecidos desgaste e envelhecimento do corpo docente das escolas e a necessidade de garantir a sua renovação;
  • · Vinculação: compromisso de abertura de processos de vinculação extraordinária nos próximos dois anos da Legislatura; abertura de um processo de vinculação extraordinária, com efeitos a 1 de setembro de 2017, para os docentes das escolas públicas de ensino artístico; revisão da designada “norma-travão”, no sentido de dar eficácia à Diretiva 1999/70/CE, de 28 de junho;
  • · Descentralização: compromisso de, no quadro do designado processo de descentralização de competências para os municípios, não ser transferida qualquer responsabilidade que hoje está atribuída às escolas, devendo as organizações sindicais ser envolvidas nesse debate;
  • · Gestão democrática: compromisso de revisão do atual modelo de gestão das escolas, visando, não apenas, reforçar as suas lideranças, como democratizá-las.
  • · Intervenção sindical: compromisso de valorização das organizações sindicais, reforçando a sua participação nos processos de discussão, negociação e definição das políticas educativas, respeitando, desta forma, a Recomendação conjunta UNESCO/OIT sobre a situação do pessoal docente.

Temos consciência que não se pode solucionar num ano aquilo que foi corroído e destruído ao longo de décadas e, em particular, nos últimos anos. Mas não aceitamos que um ano e meio depois de o Governo ter iniciado funções, não se tenha atacado os problemas que estão na origem da degradação da escola pública e da insatisfação dos professores. Admitimos negociar soluções de forma faseada. Caso o Ministério da Educação assuma estes compromissos com os professores, a FENPROF está disponível para iniciar processos negociais sobre cada um dos aspetos colocados, definindo conteúdos e prazos. As respostas do Ministro ao repto colocado foram extremamente vagas, não tendo assumido compromissos concretos, em alguns dos casos alegando que ultrapassam a esfera de responsabilidade exclusiva do seu ministério.

A não existir qualquer resposta ou respostas satisfatórias para os professores, a FENPROF, inevitavelmente, promoverá os indispensáveis processos de luta, ainda no presente ano letivo, com vista à satisfação dos justos anseios e reivindicações daqueles que representa. Não podemos aceitar que os professores continuem a ser desvalorizados nas suas condições de trabalho, na sua estabilidade e nos seus direitos e a ser esquecidos pelas políticas dominantes. Para a FENPROF a negociação, a participação, o diálogo social e a ação coletiva dos trabalhadores, através de lutas, são realidades que não se excluem mutuamente, pelo contrário, fazem parte dum processo essencial ao desenvolvimento económico e social, ao emprego e à superação de graves problemas no mundo do trabalho e da sociedade.

A FENPROF entende, ainda, que ser Professor, seja no ensino público ou no setor privado é sempre ser Professor. Como tal, defende que as normas fundamentais de exercício da profissão deverão ser semelhantes: organização e duração do trabalho, condições e horários de trabalho, estrutura de carreira e salários. Não é esse, contudo, o entendimento da AEEP, razão por que FENPROF e AEEP não se entenderam em torno da revisão do contrato coletivo de trabalho dos docentes do ensino particular e cooperativo, tendo a associação patronal denunciado o contrato com a FENPROF, que entretanto caducou, não que sem antes houvesse contestação da nossa parte e não que sem antes tivéssemos tentado tudo para chegar a um consenso com a entidade patronal, seja em sede de conciliação ou de mediação. Tal, porém, não foi possível, por teimosia da AEEP. Como é evidente, é do interesse de todos a existência de um contrato coletivo de trabalho, por isso voltámos à mesa das negociações. Todavia, seria apenas do interesse de alguns que este impusesse normas que agravassem as já difíceis condições de trabalho dos docentes ou desvalorizassem, no plano material, o exercício profissional da docência, afastando ainda mais a situação do privado em relação ao público. Queremos um contrato coletivo de trabalho, sim, mas não à custa de perda de direitos dos professores!

Em relação à negociação de um contrato coletivo de trabalho para os docentes e formadores das escolas profissionais privadas, a situação é mais complicada devido à grande instabilidade que se vive neste setor, cada vez mais dependente dos fundos comunitários, que chegam de forma irregular e tardia às escolas para fazerem frente às suas necessidades. Continuamos, no entanto, a trabalhar com a entidade patronal, a ANESPO, no âmbito de uma mesa negocial, no sentido de tentarmos chegar a “bom porto” em relação a um contrato coletivo de trabalho para os profissionais deste setor.

Para terminar, diria que no atual quadro político é possível melhorar e aprofundar o diálogo social, assim haja vontade política do governo para tal! Da nossa parte tudo faremos para que tal aconteça. Repetindo uma ideia que já aqui transmiti, o diálogo social só terá eficácia se tiver consequências, ou seja, se se traduzir em medidas concretas.