Nacional
Ainda a propósito dos rankings

O céu pode esperar

13 de dezembro, 2015

De acordo com informação difundida pela Agência Ecclesia, o Papa Francisco, no recente Congresso Internacional das Escolas Católicas, afirmou-se envergonhado perante uma educação seletiva e elitista. O Papa dirigiu-se a uma audiência de cerca de sete mil participantes, que incluía portugueses, considerando ser urgente ensinar a pensar e defendendo uma educação inclusiva porque todos têm lugar. E deixou um desafio às escolas católicas, o de irem para as periferias, onde estão os pobres.

Desconhece-se se o bispo de Aveiro, presente, se benzeu quando ouviu isto, mas estou certo que a Madre Maria da Glória, diretora do colégio Rainha Santa, em Coimbra, não gostou deste repto.

O colégio que dirige ficou em segundo lugar no ranking de escolas, essa farsa que suporta uma monumental fraude: a de que os colégios privados são melhores que as escolas públicas. Procurando justificar o seu “êxito”, a madre dava exemplos como o da estabilidade do corpo docente (que ela escolhe), esquecendo, até, de referir a inspiração que ganhará pela participação na oração comunitária da manhã, na Capela, a que está obrigada.

A afirmação da madre Maria da Glória, esconde, no entanto, o que, verdadeiramente, é mais importante nas suas escolhas, tornando absolutamente injustas quaisquer comparações, como as que levam à elaboração destes rankings. Refere o seu regulamento interno que, para a admissão de alunos, o Colégio desenvolverá anualmente um processo de selecção em que escolhe os que nele se poderão matricular.

Apesar de confessional, este colégio afirma que em caso algum serão factores de exclusão neste processo aspetos como a religião ou as opções políticas. Todavia, esclarece que o aluno deve dizer sim a Deus, investir na formação religiosa, criar espaços de oração pessoal e em grupo e desenvolver uma devoção especial a Nossa Senhora.

Que este colégio tenha esta orientação e imponha estes objetivos não nos deverá incomodar. Incomodados, porém, devemos ficar quando verificamos que este colégio, como outros do topo do ranking, recebe um elevado financiamento público, por via de diversos contratos que estabeleceu com o Estado, ainda que um estudo sobre a rede de colégios com financiamento público, elaborado pela Universidade de Coimbra, tivesse apontado a área urbana de Coimbra como o caso “mais paradigmático” de sobreposição da oferta pública e privada, sugerindo o fim de vários contratos.

Este facto, no entanto, não inibiu a madre Maria da Glória de afirmar, em 2011, quando a Ministra Isabel Alçada procurou introduzir alguma moralidade neste processo de financiamento, que “o Ministério está a laborar no escuro, na mentira, no turvo, não é um Ministério que sirva a boa-fé. Estamos aqui a ver uma falta de transparência que não é digna daqueles que se elegeram”. Isto foi dito à agência Lusa.

Portanto, a madre que é diretora deste colégio católico, quer continuar a receber centenas de milhar de financiamento estatal, mas a reservar o acesso ao ensino, no seu colégio, a uma certa elite que ela se encarregará de selecionar. E esta é que é a verdade que a madre não refere, preferindo dizer que os resultados escolares dos seus alunos se devem a outros fatores que não a seleção que é feita. A madre não tem um discurso verdadeiro, nem uma prática condizente com o que afirma o Papa Francisco.

Se sobre o que afirmou o Papa já se falou no início, sobre a mentira seria de esperar que a madre Maria da Glória, respeitando, desde logo, os princípios por que se rege o seu colégio, desse mais atenção a passagens da Bíblia, tais como “Os lábios mentirosos são abomináveis ao Senhor”, Provérbios 12:22, ou “O que usa de fraude não habitará em minha casa; o que profere mentiras não estará firme perante os meus olhos”, Salmos 101:7 ou ainda “Ficarão de fora os cães, os feiticeiros, os adúlteros, os homicidas, os idólatras, e todo o que ama e pratica a mentira”, Apocalipse 22:15.

Parece, porém, que quando as coisas lhes correm bem aqui na terra, há crentes que acham que, afinal, o céu pode esperar. / Mário Nogueira