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ENTREVISTA A MÁRIO NOGUEIRA, SECRETÁRIO-GERAL DA FENPROF

“O caminho passa por identificar os problemas, definir prioridades, negociar soluções e construir consensos"

27 de novembro, 2015

Está a iniciar-se um novo tempo político. Depois de uma década negativa e de uma Legislatura, a última, em que houve a intenção e um guião aprovado para desmantelar a matriz democrática da Escola Pública, temos, finalmente, um governo que reúne apoio maioritário no Parlamento. O Presidente da República arrastou a decisão sobre a sua nomeação, mas acabou por fazê-lo. Sobre este novo tempo político, entrevistámos o Secretário Geral da FENPROF, no sentido de conhecermos as expetativas que se abrem.

Sobre o futuro, Mário Nogueira afirmou: “O caminho passa por identificar os problemas, definir prioridades, negociar soluções e construir consensos. Isso não exige qualquer pacto, exige sim capacidade genuína de dialogar, vontade e coragem políticas para resolver os problemas num quadro de respeito pela Constituição da República”.

  • É assim tão importante não ter continuado em funções o governo que, antes, tinha sido nomeado?

Mário Nogueira (MN): Sim, claro. A importância do afastamento do governo de coligação PSD/CDS deve medir-se na razão inversa da importância que Cavaco Silva dava à sua continuidade. De tal maneira que o Presidente exigiu do atual governo garantias, como a aprovação do OE para 2016, que sabia não poderem ser dadas por Passos Coelho.

  • Contudo, nomeou-o…

MN: Sim, contudo, nomeou-o.

  • Mas qual a razão concreta por que consideras tão importante que o governo PSD/CDS tenha sido afastado?

MN: Basta ter lido o programa eleitoral da coligação PàF e o programa do governo PSD/CDS, que reafirma o primeiro, para perceber que o que se previa era prosseguir, aprofundar e consolidar as políticas anteriores. Esta seria a Legislatura da consolidação de políticas devastadoras, por exemplo, para a Escola Pública de matriz democrática.

  • No caso da Educação, o que se previa?

MN: Neste domínio, o programa estava construído sobre duas traves mestras: rever a Lei de Bases do Sistema Educativo e concretizar a reforma do Estado que, aliás, carecia da revisão da Lei para ser viabilizada.

  • Há algumas medidas concretas que se destacassem, com impacto na organização do sistema?

MN: Havia três que se destinavam a provocar uma profunda transformação do sistema educativo: a privatização, através da criação das chamadas escolas independentes, do cheque-ensino disfarçado de contrato simples ou da proliferação de contratos de associação com colégios em concorrência direta com escolas públicas existentes e com lugar para os alunos. Mas também a municipalização e a imposição, em larga escala, das desqualificadas vias vocacionais no básico e secundário que culminariam em cursos superiores sem grau académico ministrados pelos institutos politécnicos.

  • E no que respeita às escolas?

MN: Quanto às escolas destacaria a intenção de criar a carreira de gestor e, de uma vez por todas, acabar com o quase-nada que resta de uma gestão com preocupação pedagógica – repara que já não disse democrática –, a manutenção da solução administrativa mega-agrupamento e ainda o sufoco organizacional que é provocado pela contínua redução do crédito global de horas das escolas.

  • E, já agora, por ser igualmente muito importante, os professores…

MN: Exatamente, muito importante e, não podemos esquecer que a FENPROF é uma organização que representa os professores, aliás, é a maior, a mais representativa e a mais importante de todas. Em relação aos professores, o programa rejeitado pela maioria parlamentar previa manter os problemas que criou ou agravou: a instabilidade provocada pela não vinculação ou pela ameaça da mobilidade especial; o alargamento dos concursos de base local, ou pela escola ou pela câmara; os cortes salariais, pelo menos até 2019, e o congelamento das carreiras; a iníqua PACC; os horários de trabalho que já ninguém aguenta e constrangem a atividade pedagógica dos docentes; também em relação à aposentação não existia qualquer abertura para negociar um regime excecional para os professores. E até previam retomar um modelo de avaliação semelhante ao que os professores derrotaram no passado.

  • É, então, legítimo ter expetativas positivas em relação ao futuro?

MN: Sim, essas expetativas são legítimas, embora dependam de três condições que deverão verificar-se: a nossa competência para apresentar propostas, a abertura do ME e do governo para a negociação e também a nossa capacidade para agir e lutar pela obtenção dos objetivos que fixarmos.

  • Relativamente à equipa ministerial que já é conhecida, inspira essa confiança?

MN: Vamos ver. As coisas nunca se colocam em termos pessoais. É verdade que ao ministro falta experiência política e também na área da Educação, tendo estado afastado do país nos últimos 16 anos, mas isso não é, necessariamente, um problema. Poderá até ter a vantagem de não trazer consigo preconceitos, rotinas e vícios.

  • Que atributos deverá ter a equipa ministerial?

MN: Capacidade para dialogar, negociar e resolver. Ser capaz de se libertar de uma administração (diretores gerais e regionais, presidentes de institutos, elementos de gabinetes, incluindo jurídicos) que está acomodada, viciada, tem “guerras de estimação” que quer continuar a alimentar e é composta, nos lugares de chefia, por gente apostada em se opor a uma efetiva mudança política. Respeitar a FENPROF como a organização mais representativa dos docentes portugueses e em Portugal.

  • E a FENPROF já acertou a sua estratégia reivindicativa para a Legislatura?

MN: Sim. Assenta em três grandes eixos: defesa da Escola Pública, melhoria das condições de trabalho; valorização do exercício profissional.

  • Em concreto, quais as questões que correspondem a esses eixos?

MN: Por exemplo, no primeiro item, a revisão do estatuto do ensino particular e cooperativo, o reforço do financiamento da educação pública, a suspensão da municipalização, a recuperação da gestão democrática das escolas, o respeito pelos princípios da educação inclusiva, o fim dos mega-agrupamentos, a valorização dos currículos escolares…

  • E quanto às condições de trabalho?

MN: Aí temos aspetos como horários de trabalho, aposentação, número de alunos por turma, deslocações entre escolas, que não são contabilizadas no horário de trabalho, nem pagas em muitas escolas…

  • E quanto às questões de ordem sócio profissional…

MN: Nesse domínio, temos a revisão do regime de concursos (nós defendemos um concurso nacional, assente na graduação profissional dos candidatos, como defendemos a extinção das BCE), o descongelamento das progressões na carreira, a reposição integral dos salários ou o fim da mobilidade especial…

  • São inúmeros os problemas e os objetivos definidos pela FENPROF. Como poderá ser tudo resolvido pela nova equipa ministerial?

MN: É verdade, são muitas as questões porque foi longa e destruidora a ação do anterior governo e da anterior equipa do MEC e, de uma forma geral, nefasta a ação governativa na Educação ao longo da última década. Mas, identificados os problemas, e esse é um trabalho que terá de ser conjunto, entre a FENPROF, o ME e outros agentes educativos, estamos disponíveis para definir prioridades. De imediato, temos as 12 medidas que já apresentámos aos partidos políticos e a seguir há que dar início aos processos negociais indispensáveis.

  • Isso poderá significar que seria útil a existência de um pacto para a Educação?

MN: Não passa por aí. As coisas não se colocam nesses termos. Um pacto em torno de quê? De grandes princípios com os quais todos concordam, mesmo quando estão a pensar formas diferentes, muitas vezes, contrárias, de os concretizar? Penso que o caminho passa por identificar os problemas, definir prioridades, negociar soluções e construir consensos. Isso não exige qualquer pacto, exige sim capacidade genuína de dialogar, vontade e coragem políticas para resolver os problemas num quadro de respeito pela Constituição da República.

  • Alguma ou algumas notas mais que pretendas deixar?

MN: Nota importante é a necessidade de metermos na cabeça que nada nos será oferecido, sendo necessário estarmos atentos, mantermo-nos esclarecidos e não aliviarmos na mobilização para que a expetativa não resulte em frustração. Neste novo contexto, é preciso valorizar a Assembleia da República, pois agora existe uma maioria que, pelos sinais que chegam, tem vontade de resolver problemas. Mas há que estar atento também aos campeões da reivindicação, e refiro-me aos que nos últimos quatro anos tão calados andaram mas agora irão engrossar a voz, apoiados por certas movimentações que, nesse difícil período em que a FENPROF nunca abandonou os professores, parece terem encerrado para obras. Ao que parece, já terão terminado as obras.

  • Uma mensagem final?...

MN: Neste novo tempo, é legítima uma expetativa controlada, é desejável uma esperança renovada, é indispensável manter os pés assentes na terra. Sejamos nós próprios, certos de que, como canta Ivan Lins, no novo tempo, apesar dos castigos estamos crescidos, estamos atentos, estamos mais vivos.