Nacional
Entrevista

Mário Nogueira: "Para o governo ninguém vai ao engano..."

31 de outubro, 2015

Portugal tem um governo que deverá durar poucos dias e, na Educação, há uma nova equipa ministerial. A este propósito, entrevistámos o Secretário-Geral da FENPROF que regista a não recondução da equipa anterior, apesar da sua “fidelidade político-partidária”, aponta as linhas centrais da governação PSD/CDS, caso essa fosse solução durável, não se surpreende com a nova equipa ministerial, lembra que PSD e CDS não obtiveram, apesar de coligados, a maioria dos votos, logo dos deputados, e manifesta preocupação com o discurso de quem deveria ser presidente de todos os portugueses. A entrevista:

Portugal tem um novo governo e, neste, apesar de se manterem muitos ministros, o da Educação e Ciência mudou. Vês nisto algum significado?

Mário Nogueira (MN): Obviamente que sim. Significa que, não obstante a fidelidade político-partidária do ministro e dos seus secretários de estado, a incompetência técnica revelada em muitos momentos, a incapacidade negocial e de diálogo demonstradas e a forma como governou em permanente confronto com a Escola Pública e os seus profissionais ditaram o seu afastamento.

E em relação à nova equipa ministerial, que expetativas poderão existir quanto ao futuro?

MN: Nenhumas. Desde logo porque terá uma vida política curtíssima, sendo mesmo das que, em toda a história, estará menos tempo em funções, tal como todo o governo. Talvez uns onze dias. Mas mesmo que durasse mais tempo, a sua missão era muito clara e não passava por alterar as políticas desenvolvidas nos últimos anos, que tão nefastas foram para a Educação e para o ensino público em particular. A missão seria prossegui-las.

Mas como se sabe isso, não se conhecendo ainda o programa do governo?

MN: Simplesmente porque se conhece o programa eleitoral apresentado pela coligação PSD/CDS. As principais linhas de atuação na área da Educação apontam para o aprofundamento das medidas que vinham sendo desenvolvidas, destacando-se, entre outras, o alargamento da municipalização, a privatização do ensino num quadro que todos conhecemos bem que é o da alegada liberdade de escolha, o desvio de alunos para vias de qualidade menos, como acontece com os cursos vocacionais, ou a entrega das escolas a gestores de carreira. Mais exames, os mesmos mega-agrupamentos, currículos orientados para o ler, escrever e contar…

Apesar de serem medidas contrárias a muitas das disposições legais que são consagradas na Lei de Bases do Sistema Educativo…

MN: Pois, e por isso é que o programa de PSD/CDS tem como aspeto central a revisão, que eufemisticamente, chama de atualização, da Lei de Bases.

E em relação aos professores, que medidas se preveem?

MN: Também as que constam do programa da coligação de direita. A existência da PACC, a manutenção de cortes salariais, pelo menos, até 2019, a passagem dos docentes para uma tabela remuneratória única da Função Pública e a extinção das atuais carreiras docentes, concursos muito injustos para colocação dos professores, com o reforço das colocações pelas direções das escolas, enfim, mais do mesmo, mas em doses mais fortes.

E quanto à nova equipa, surpreende a escolha?

MN: Nem surpreende, nem deixa de surpreender. Independentemente de quem foi convidado e de quem aceitou, aquilo ao que vai é conhecido e, portanto, só aceita quem se revê no programa ou, então, quem está disponível a fazer um frete a PSD e CDS. Essa coisa de dizer que se é independente… Acho que as pessoas deverão assumir, e isso será legítimo, as responsabilidades que aceitaram ter. Não há aqui ingénuos ou inocentes e, por essa razão, quem vai sabe ao que vai e deveria dispensar-se de arranjar justificações, tais como a relação de amizade com quem convidou. O governo não é um grupo de amigos que se junta para beber um copo e nele não há espaço para projetos pessoais. Daí que, para o governo, ninguém vá ao engano.

É estranho que docentes da Escola Pública aceitem integrar um elenco que terá por missão levar por diante processos de privatização do ensino?

MN: Aparentemente sim, embora nunca saibamos o que vai na alma de cada um. Repare-se, como é possível alguém que dirige um agrupamento de escolas públicas da cidade de Coimbra, uma das mais penalizadas pelos colégios privados, assumir uma secretaria de estado num governo que aponta para mais privatização? Mas a Dr.ª Amélia Loureiro aceitou. Ela sabe, e contestou, a atribuição de turmas aos colégios do concelho quando as escolas públicas as poderiam acolher. Mas agora pertence ao governo que impõe esse processo de privatização e irá governar num contexto novo em que, por exemplo, há um novo estatuto do ensino particular e cooperativo que colocou privado e público em pé de igualdade, contrariando tanto a Lei de Bases, como a própria Constituição. Vai ao engano?!

E em relação à ministra?

MN: É a mesma coisa. Alguém que pertenceu à equipa reitoral de uma universidade pública que tanto contestou, e bem, os cortes impostos ao ensino superior, a asfixia de unidades de ciência e os problemas que resultaram das políticas do anterior governo, pensar-se-ia que não iria colaborar com um governo que se propõe continuar e aprofundar tais políticas. Mas com a Professora Margarida Mano isso não aconteceu. E governar a Educação é muito diferente de ter funções de gestão na banca privada…

E que dizer de a administração educativa ser entregue a um gestor?

MN: Que é mais uma preocupação. Gerir recursos humanos em Educação não se pode submeter a lógicas empresariais, porque as escolas não são empresas e os alunos não são mercadoria. Um gestor profissional, como o engenheiro José Pereira dos Santos, irá aplicar medidas de gestão que, na maior parte dos casos, são cegas em relação ao contexto. Reduzir recursos humanos, cortar na despesa com recursos humanos e transferir financiamento público para outras fontes que não o Orçamento do Estado será a sua missão e isso teria consequências muito negativas para o futuro da Educação. Eu nem sei como seria possível negociar com alguém que desconhece a realidade que é a escola…

Apenas o ensino superior ficou entregue ao mesmo secretário de estado. Isso tem algum significado especial?

MN: Deverá querer dizer que não houve quem aceitasse o cargo. Aliás, foram fundidas as duas secretarias de estado e, agora, o Professor Gomes Ferreira acumula a secretaria de estado que já detinha com a da ciência que deixou de existir.

Constituído o governo e com a equipa ministerial empossada, o que fazer agora?

MN: Deixar passar os prazos para que o governo caia e seja substituído. Como se sabe este é um governo de curtíssimo prazo e estamos muito mais interessados em conhecer a futura equipa ministerial e qual o seu programa que, estamos certos, será diferente daquele que este governo apresentará à Assembleia da República.

Fica, então, a ideia de que o governo não resistirá à moção ou moções de rejeição que serão votadas no próximo dia 10…

MN: Sim, pois esse é o desfecho natural de uma votação num parlamento em que a maioria dos deputados que os portugueses elegeram rejeita este governo. É que toda esta história que elege a tradição e não os votos como referência democrática não passa de conversa com que a direita tem tentado disfarçar a derrota que teve nas urnas. PSD e CDS, juntos, perderam 800 000 votos, 12% da votação e 25 deputados, se isto não chega para serem afastados do poder, tanto mais que todos os partidos à esquerda aumentaram a votação e, juntos, têm mais deputados que a direita… então não sei o que os afastaria.

Quereria a direita que os partidos à sua esquerda, que são maioritários, abdicassem das suas posições para a apoiarem, não?

MN: Queria, mas isso parece-me uma impossibilidade. Mas atenção, se o problema é outro, aquele que Cavaco Silva deixou implícito nas suas palavras, então a questão é ainda mais preocupante, pois, em democracia, não há partidos que possam influenciar ou estar no poder e outros que não, simplesmente porque o voto de cada português vale sempre o mesmo e todos contam para o mesmo fim. É que ao contrário do que a direita gostaria, nas eleições não se elegem primeiros-ministros. Mas ainda que assim fosse, era necessário, neste caso, haver segunda volta e, se assim fosse, Passos Coelho não a venceria, como se confirma pela relação de forças que os portugueses decidiram criar no parlamento português.