Nacional

Entrevista a Mário Nogueira: “Parece-me que Nuno Crato ainda não percebeu que houve eleições”

17 de outubro, 2015

O Jornal da FENPROF entrevistou o Secretário-Geral da Federação, na sequência da reação do ministro Nuno Crato à decisão do TC que declarou a PACC inconstitucional. Sugeriu o governante que o problema seria facilmente resolvido pela Assembleia da República. Pedimos um comentário a Mário Nogueira sobre esta “solução” adiantada pelo ministro, sendo imediata a resposta: “Parece-me que Nuno Crato ainda não percebeu que houve eleições”. O Secretário-Geral da FENPROF considerou ainda que o ministro acabou “traído pela incompetência técnica e jurídica que marcou o seu exercício ministerial”.

Em reação à afirmação da FENPROF de que a PACC morreu, o Ministro da Educação veio afirmar que o Tribunal apenas assinalou um problema orgânico e não se pronunciou contra a prova. O que distingue uma coisa e outra?

MN: O ministro limitou-se a ser igual a si mesmo e a fazer afirmações que procuram justificar o injustificável. Como é óbvio, o problema não tinha a ver com a legitimidade de haver uma prova, pois essa é uma decisão política e não compete ao tribunal, seja qual for a instância, ter pronunciamentos políticos. Nós discordamos de uma prova destas por considerarmos que não é desta forma que se afere a qualidade dos docentes, o MEC diz que é, mas essa não é discussão que levássemos ao tribunal. O problema sempre foi por nós situado nos procedimentos e na questão orgânica.

Então qual o problema exato?

MN: No plano jurídico, sempre colocámos duas questões: por um lado, a PACC não ser requisito previsto na Lei de Bases do Sistema Educativo para acesso à profissão; por outro, o facto de o MEC ter excluído milhares de docentes das listas de concurso por não apresentarem o “requisito” PACC, apesar de, à data da candidatura, esse não ser requisito verificável.

Afirmas, então, que a não verificação do requisito à data do concurso tornou ilegal a exclusão?

MN: Obviamente, e o Senhor Provedor de Justiça informou disso o MEC, mas o ministro considerou que se tratava de algo do domínio de opinião e afirmou que a sua era diferente da do Provedor.

E quanto ao facto de não estar na Lei de Bases, isso impedia a existência de PACC?

MN: Não impedia, mas era necessário que a sua criação tivesse sido obra da Assembleia da República e, sendo criada por lei, nada havia a obstar do ponto de vista legal. O que não podia era o governo legislar, através de decreto-lei, exceto se tivesse autorização parlamentar, o que não aconteceu. Alertámos para isso na altura, mas a arrogância ministerial falou mais alto.

Então o ministro tem razão ao responsabilizar o governo que criou a prova…

MN: Claro que não. Sendo verdade que o governo que legislou pela primeira vez, em 2007, fê-lo erradamente, por decreto-lei, também é verdade que o atual, que foi quem aplicou a PACC, deveria ter sido competente e não foi. Não corrigiu o erro, mesmo quando foi alertado para os problemas legais que persistiam, acabando traído pela incompetência técnica e jurídica que marcou o seu exercício ministerial.

Diz Nuno Crato que o problema legal pode agora ser resolvido pela Assembleia da República. É assim?

MN: Parece-me que Nuno Crato ainda não percebeu que houve eleições e que a composição da Assembleia da República, quando voltar a reunir, já não tem a maioria que teve nos últimos quatro anos. Talvez seja necessário informar o ministro que, agora, a minoria que não conseguia parar a PACC tornou-se maioria por vontade dos portugueses.


Perante esta declaração de inconstitucionalidade, o que terá agora o MEC de fazer?

MN: Desde logo, devolver o dinheiro que extorquiu aos professores, a esmagadora maioria desempregados, que foram obrigados a inscreverem-se na PACC. Depois, indemnizar todos os que, tendo sido excluídos das listas de concurso, teriam sido colocados mas ficaram no desemprego. Mas é necessário, agora que a PACC se desmoronou, saber exatamente quanto custou esta prova ao erário público… melhor explicando, há que saber quanto pagaram os contribuintes para satisfazer a teimosia de um ministro que, contra tudo e todos, transformou esta humilhação dos jovens professores num verdadeiro emblema.

A ponto de já ter marcado a prova que se realizaria já depois de ter saído do governo…

MN: É verdade, fomos todos surpreendidos pela marcação da próxima edição desta prova para 18 de dezembro, mas percebe-se. Quis garantir que a sua PACC se realizaria, mas não realizará porque a PACC morreu.

Pode afirmar-se que o ministro acaba o mandato com uma derrota?

MN: O ministro e quem o apoiou, traindo os interesses e direitos dos professores. Lembro que, quando a PACC esteve prestes a cair, houve quem tivesse estendido a mão ao ministro para salvar a prova, obrigando milhares de professores com menos de cinco anos a submeterem-se a ela. Até o secretário-geral da UGT foi metido ao barulho e li há dias que a FNE considera isso uma vitória…

Por último, há responsabilidades políticas a retirar deste processo?

MN: Claro que sim, mas as consequências, neste momento, já não se farão sentir, pois a atual equipa ministerial está de malas aviadas. Mas há outras responsabilidades que deverão ser assumidas. Afinal, não pode exigir-se que seja o erário público a suportar o custo de um erro que foi cometido por incompetência e para satisfazer uma teimosia…