Nacional
Cortes salariais, congelamento das carreiras, perda de sete anos de tempo de serviço e fortíssima carga fiscal...

O que o governo português terá esquecido de fornecer a quem elaborou o Relatório Eurydice...

07 de outubro, 2015

Como acontece sempre que são divulgados estudos comparados, no âmbito do Programa Eurydice, dos salários dos docentes que exercem a sua atividade nos diversos países europeus, aparentemente, os professores portugueses surgem no grupo dos mais bem pagos. Este ano, na sequência da divulgação do “Teachers’ and School Heads’ Salaries and Allowances in Europe – 2014/15”, uma vez mais isso acontece, com os títulos na comunicação social a afirmarem que os professores, em salário absoluto estão no meio da tabela, mas tendo como referência o PIB, se encontram no topo.

Poder-se-ia dizer que o PIB não pode ser referência para a comparação, pois o que interessaria conhecer era a posição dos salários dos professores e educadores portugueses tendo como referência a Paridade do Poder de Compra (Purchasing Power Standard), tabela regularmente publicitada pela OCDE.

Só que, antes de discutir qual a referência a considerar, seria necessário verificar a validade dos dados que foram adotados para chegar aos valores dos salários que são atribuídos aos docentes portugueses. Olhando para o documento publicitado verificamos que:

- Considera que, por norma, os docentes demoram 34 anos a atingir o topo da carreira. Isso não é verdadeiro, pois não tem em conta a perda de mais de 7 anos de serviço verificada nos últimos 10 (2 anos e 4 meses entre 2005 e 2008, a mais, até agora, 4 anos e 10 meses impostos pelo congelamento das progressões, com perda do tempo de serviço prestado desde janeiro de 2011) e as normas transitórias constantes em diversos diplomas. Aliás, a maior parte dos docentes portugueses, a não ser contado integralmente o tempo de serviço prestado, não alcançará o topo da carreira;

- Não refere que no escalão de topo da carreira (10.º escalão) não há qualquer professor por nunca ter sido desbloqueado o acesso ao mesmo, fazendo com que, na prática, a carreira tenha apenas nove escalões;

- Para além de não ter em conta a não progressão dos docentes na carreira, o documento divulgado também não considera os cortes salariais a que os professores estão sujeitos desde janeiro de 2011 e que, até 2014, se situavam entre os 3,5 e os 10%, tendo merecido apenas um ligeiro abrandamento em 2015, mas atingindo ainda os 8%;

- Não foi considerado que mais de 4.000 docentes, que entraram na carreira através de concursos extraordinários de vinculação, apesar de terem tempo de serviço para serem posicionados em escalões intermédios e superiores foram integrados no primeiro escalão, aí permanecendo com um salário igual ao que auferiam enquanto contratados a termo;

- Ao serem comparados salários ilíquidos (anual gross salaries) não foi tida em conta a brutal carga fiscal que sobre estes salários se abate, uma das mais elevadas de toda a Europa.

Não será, pois, por acaso, que, ao serem fornecidos os dados para mais este estudo, o governo português, tal como aconteceu em anos anteriores, limitou-se a disponibilizar uma informação global sem transmitir toda a que seria necessária, designadamente os constrangimentos que recaem sobre as carreiras dos docentes. Já no passado a FENPROF contestou os dados utilizados nestas comparações internacionais, pois são incorretos e fazem passar uma ideia falsa sobre a situação remuneratória dos professores portugueses. Porém, interessará mais aos nossos governantes omitirem a situação real para, desta forma, criarem condições sociais favoráveis ao que, há muito, pretendem: reduzir os salários dos professores e também acabar com a carreira única, organizada de acordo com a habilitação dos docentes, que foi estabelecida em 1990, com a aprovação do Estatuto da Carreira Docente (ECD).

Num momento em que o governo (atual ou futuro) se prepara para avançar com uma Tabela Remuneratória Única (TRU) para toda a Administração Pública, pela qual pretende impor a desvalorização das carreiras de diversos corpos especiais, incluindo os docentes, a manipulação destes dados é, para si, de toda a conveniência. Falta saber se as condições políticas criadas após as eleições de 4 de outubro permitirão concretizar essa intenção. A FENPROF tudo fará, com os professores, para a contrariar.

O Secretariado Nacional da FENPROF
7/10/2015