Nacional
Privatização em curso

Governo prepara o desvio de milhares de alunos para o ensino privado

18 de junho, 2015

Foi divulgado o “aviso de abertura ao regime de acesso ao apoio financeiro a conceder em 2015/2016, no âmbito do contrato de associação” dos colégios com o Ministério da Educação. O aviso segue-se à publicação da Portaria n.º 172-A/2015, de 5 de junho.

Aquele documento divulga uma listagem, por freguesia, das turmas a consignar, em distribuição de rede, ao ensino privado, em todo o território continental do país, de acordo com o que o governo entende ser o número de “alunos e turmas a considerar no procedimento concursal agora aberto”, o qual, se baseia “no número de turmas que têm integrado essa opção educativa [ensino privado] nas áreas identificadas, nomeadamente nos anos iniciais de cada ciclo de escolaridade”. Ou seja, o MEC estabelece estes limites, mantendo as turmas já existentes nos restantes anos de escolaridade, pelo que o número de alunos e de turmas contratualizados com comparticipação do orçamento do Estado será substancialmente superior ao agora divulgado neste aviso de abertura.

No referido aviso, no seu anexo I, declara-se que o número de turmas a consagrar em contrato de associação, o qual vigorará por três anos letivos é:

Região Norte211 turmas dos 5.º, 7.º e 10.º anos

Região Centro 265 turmas dos 5.º, 7.º e 10.º anos

Grande Lisboa, vale do Tejo e região Oeste168 turmas dos 5.º, 7.º e 10.º anos

Zona Sul 12 turmas dos 5.º, 7.º e 10.º anos

Total nacional de turmas objeto deste concurso656 turmas dos 5.º, 7.º e 10.º anos

Tomando como referência o número de alunos por turma (entre 25 e 28 alunos), o número de alunos abrangidos por esta medida, que só abrange os 5.º, 7.º e 10.º anos, situar-se-á entre 16400 e 18400.

Se tivermos em conta que este aviso de abertura é referente a apenas 3 dos 8 anos de escolaridade integrados nos três ciclos referenciados, pode projetar-se que durante 3 anos o ensino privado será, anualmente, financiado para cerca de 1750 turmas, com o valor (conforme explicita a Portaria n.º 172-A/2015, de 5 de junho) de 80.500 euros por turma.

Fica, assim, a saber-se que o governo PSD-CDS/PP projeta financiar anualmente os patrões dos colégios, através do orçamento do Estado, com mais de 140 milhões de euros.

Para além da justeza das objeções à forma como os dinheiros públicos são gastos pelo atual governo, num quadro em que se conhecem várias irregularidades e existiram diversos processos do Estado contra entidades proprietárias dos colégios, existe, hoje, uma rede pública com equipamentos, materiais e recursos humanos capazes de dar uma resposta de qualidade às necessidades educativas e formativas dos portugueses. Importa, por isso, questionar:

a) Sendo a rede definida e distribuída por territórios devidamente identificados, caso o número de alunos existente nesses territórios for idêntico, pouco superior ou inferior ao determinado neste aviso de abertura, são as escolas públicas quem perderá os alunos, podendo vir a encerrar?

b) Caso as famílias optem por matricular os seus filhos nas escolas públicas, serão elas obrigadas a transferi-los para as escolas privadas para que se cumpram aqueles limites fixados?

c) Num quadro de tentativa de municipalização da Educação, confirmar-se-ia a possibilidade de as autarquias definirem o ensino privado como prioridade na distribuição de turmas? E o governo, através das estruturas desconcentradas da DGEstE, irá fazê-lo?

d)  Qual o impacto previsível desta medida relativamente à manutenção de funcionamento dos atuais edifícios escolares públicos?

e)  Qual o impacto no número de professores em exercício de funções em escolas públicas? Quantos irão perder o seu emprego ou passarão à requalificação?

A lamentável situação, agora criada, quer pelo aviso de abertura referido, quer pelo despacho que regulamenta a forma de atribuição e celebração destes contratos de associação, obriga a que todos nos interroguemos sobre as graves consequências que, destes dois instrumentos, poderão resultar. Ao mesmo tempo, é um imperativo nacional pôr em causa todo este processo por três razões fundamentais:

1. O quadro constitucional obriga a que o Estado seja responsável por uma rede pública de estabelecimentos que sirva as necessidades de toda a população. O governo força a consideração de que estas escolas privadas (que têm, inclusivamente, fins lucrativos) são “estabelecimentos de ensino integrante da rede pública” [cf. Portaria n.º 172-A/2015, de 5 de junho, art.º 14.º, d)], mas esta habilidade não altera a natureza “não pública e lucrativa” de tais estabelecimentos. Têm sido várias as formas utilizadas pela FENPROF e pelos seus Sindicatos não só para denunciar a imoralidade desta situação, mas também para levantar fundadas dúvidas sobre a forma como os dinheiros públicos contratualizados têm sido utilizados;

2. As escolas públicas existentes no território nacional são, grosso modo, adequadas em número e condições de funcionamento, em recursos humanos e de equipamentos, não se justificando o esbanjamento que o governo faz de dinheiros públicos. Este esbanjamento, que tem uma indisfarçável motivação ideológica, só pode ser entendido como uma forma de alimentar negócios que, vivendo dos impostos dos portugueses, não se inibem, em muitos casos, de explorar, violar acordos e desrespeitar a lei portuguesa no que aos seus trabalhadores diz respeito;

3. Sendo o governo português, como órgão de soberania do Estado, obrigado a garantir o cumprimento da Constituição da República e sendo possuidor de uma rede pública de estabelecimentos de ensino básico e secundário, capaz de satisfazer a quase totalidade das necessidades da população portuguesa, ao ensino privado deverá ser atribuído um papel supletivo, quando satisfaz necessidades que o Estado não garante, ou um papel de opção das famílias, quando as mesmas estiverem dispostas a custear as decorrentes despesas. A alteração do estatuto do ensino particular e cooperativo, imposta pelo governo, não representa o sentir da maioria da população portuguesa e constitui uma opção ideológica. A FENPROF entende que deve ser revogada!

Neste quadro, a FENPROF admite recorrer aos tribunais para impedir a celebração de novos contratos de associação, sejam eles a ampliação dos existentes ou novos contratos com outras entidades privadas; dirigir-se-á ao senhor Provedor de Justiça, apresentando queixa contra o governo português e enviará uma exposição aos partidos políticos com representação parlamentar para que, no quadro das suas atribuições, intervenham no sentido da reposição daquilo que a FENPROF considera ser o interesse nacional e o respeito pela Constituição.

O Secretariado Nacional da FENPROF
18/06/2015