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Faro

"Currículo escolar – uma questão essencialmente política"

27 de maio, 2015

Decorreu no dia 30 de maio, na Escola Secundária Pinheiro e Rosa, em Faro, uma das oito conferências que a FENPROF está a realizar por todo o país, sobre temas estruturantes ligados à Educação. A conferência, subordinada ao tema: “ Currículo Escolar, uma questão essencialmente política”, teve como oradores dois excelentes especialistas do tema, os professores Carlinda Leite e José Carlos Morgado, das Universidades do Porto e do Minho, respetivamente.

A professora Carlinda Leite centrou a sua intervenção num conjunto de perguntas orientadoras sobre a neutralidade do currículo; as influências que a política educacional sofre no sistema educativo português e qual o lugar que fica para os professores na política educacional e no currículo. Sobre a neutralidade do currículo, relembrou que, historicamente, a escola e o currículo são espaços de inculcação e de transmissão da cultura dominante.

Contudo, no final dos anos 70 desenvolveu-se o movimento reconcetualista de oposição à neutralidade do conhecimento e do currículo, que considerou ser responsabilidade da educação promover a reconstrução da cultura e a mudança positiva da sociedade. Este movimento, pondo em causa o entendimento do currículo como atividade meramente técnica e administrativa do ensino, partiu da crença de que o desenvolvimento do espírito crítico e o questionamento dos princípios que norteiam o currículo escolar e as práticas do seu desenvolvimento geram mudanças de consciência facilitadoras de novas ordens sociais que se opõem à inculcação ideológica muitas vezes realizada através do currículo oculto.

 Através da Nova Sociologia da Educação, a académica evocou Michael Young para questionar o facto de algumas disciplinas terem mais prestígio e maior carga horária que outras, o que tem levado, na ótica de Ivor Goodson, a conflitos entre elas por questões relativas a status, recursos e territórios. Refletiu sobre para que servem as escolas e os professores, numa era de profuso desenvolvimento tecnológico e onde, aparentemente, a cultura e a informação são mais acessíveis à população devido à globalização e ao acesso à internet. Afirmou que os professores são intelectualmente transformadores e as escolas deverão ser os locais de aprendizagem da democracia, “numa democracia, cabe aos professores serem os fazedores da mudança”.

Seguindo Young, sublinhou que é função da escola capacitar os jovens a adquirir o conhecimento que, para a maioria deles, não pode ser adquirido em casa ou na sua comunidade. Na perspetiva deste autor, as escolas deverão questionar o currículo, procurando que este promova aprendizagens significativas, de modo a que os alunos possam adquirir um conhecimento poderoso.

A professora Carlinda Leite questionou sobre o lugar dos professores na política educacional e no currículo, concluindo que são as suas práticas pedagógicas que poderão fazer a diferença. Cabe aos professores recorrer a processos de contextualização/recontextualização do currículo que permitam torná-lo significativo para todos os alunos; mobilizar as experiências dos alunos e os seus conhecimentos de base como pontos de partida e não como pontos de chegada (bilinguismo cultural) e recorrer a processos de trabalho colaborativo e de relações interpessoais que possam constituir redes de apoio curriculares tanto para professores como para alunos.

Para a professora Carlinda Leite o transbordamento de funções e de tarefas que está a ser exigido aos professores e o desinvestimento na educação e nas condições que favoreçam uma formação contínua tem vindo a gerar um desencanto com a profissão, e a promover uma representação social menos positiva. A melhoria na educação, no sentido da qualidade social, exige um grande investimento, situação que, nos tempos que correm, não está a acontecer. O funcionamento do sistema está a gerar situações de desentusiasmo e a empurrar muitos professores para a perda de condições que permitam responder às exigências que a complexidade do ato educativo, na sua dimensão social e cognitiva, exige. Apesar disso, a professora considera que existe um envolvimento de muitos docentes e de muitas escolas na concretização de projetos conducentes à concretização dos princípios de uma educação democrática.

O professor José Carlos Morgado centrou a sua intervenção, “Democratizar a escola através do currículo: em busca de uma nova utopia”, em quatro pontos. No primeiro abordou a escola que temos e que é fruto do enorme progresso científico e da intensa revolução tecnológica. O denominador comum das políticas educativas a nível internacional e transnacional é de serem determinadas pelo neoliberalismo, sendo a educação cada vez mais um negócio.

Para o professor, esta é época em que a ordem fundada no uso da razão e no respeito pela verdade transmissível é substituída por um tempo pejado de mudanças e de incertezas resultantes do protagonismo da internacionalização da produção com a globalização dos mercados. Vivemos na tendência de focalizar tudo no curto prazo no “aqui e agora”, pois o passado é visto como obsoleto e o futuro como algo ameaçador devido à ausência de perspetivas. Considera que esta alucinação pelo imediato tem tido reflexos negativos no campo da educação, nomeadamente no trabalho desenvolvido pelos docentes que, por verem definhar duas das suas principais funções - a transmissão da herança cultural e a formação dos cidadãos do futuro -, se sentem desarmados e cada vez mais impotentes para contrariar esta situação e recuperar o protagonismo perdido. Vive-se numa tirania da inevitabilidade, de que nada pode ser mudado porque tem de ser assim! A segunda ideia parte da necessidade de democratizar a escola.

A escola foi associada à promoção social e vista como uma instituição imprescindível ao desenvolvimento do pensamento crítico e ao crescimento dos países. Porém, a História mostra-nos que o acesso à escola, por si só, não conseguiu romper o ciclo vicioso da pobreza, nem da desigualdade social, porque não garante a todos as mesmas condições de sucesso.

Urge assim (re)democratizar a escola. No terceiro ponto, no trilho de um currículo democrático, teceu críticas ao currículo escolar que se tem circunscrito, principalmente, no desenvolvimento de destrezas básicas, impedindo que as escolas se transformem em lugares onde os estudantes aprendam a perguntar, observar, explorar criticamente e a desenvolver a curiosidade sobre o mundo em que vivem. Recorrendo a Edgar Morin, afirmou que é necessário que o ensino esteja centrado na condição humana.

A educação deve eleger a pessoa como centro de toda a ação educativa e promover a inclusão, solidariedade, compreensão, cidadania, liberdade, democracia e o respeito pela natureza para melhor compreender o mundo.

Assim, o currículo deve ser assumido como um espaço coletivo de compromissos, um estímulo à participação, uma oportunidade de reflexão e uma forma de desenvolver uma verdadeira educação moral, onde os valores se assumam como eixos estruturantes de uma sociedade mais justa, mais solidária e mais democrática.

No quarto ponto, o professor abordou as recentes mudanças curriculares em Portugal, como a eliminação da área de Formação Cívica no ensino básico e no 10º ano, o centrar do currículo nos conteúdos das disciplinas essenciais e a instituição de centenas de metas curriculares em cada disciplina. O professor José Carlos Morgado terminou a sua intervenção referindo que cabe aos professores resistir à tirania da inevitabilidade e transformar a escola num espaço democrático e democratizante.

O Secretário Geral da FENPROF, Mário Nogueira, também participou no debate, tendo colocado algumas questões aos convidados.