Nacional

TTIP – Uma ameaça que urge parar

18 de abril, 2015

A jornalista peruana Vicky Peláez, em artigo publicado no passado dia 8 de Abril, “O tratado de livre comércio que destruiu o México”*, lembra que já em 1908, no âmbito da Carnegie Endowment for International Peace, se debatia “se não haveria outros meios, para além das guerras, capazes de alterar a vida de uma nação”.

A conclusão foi a de que a guerra é, naturalmente, o método mais eficaz para tal, mas que os tratados, acordos e pactos internacionais também podem servir o propósito de debilitar a soberania do Estado através da sua gradual subordinação às organizações internacionais. Como se tal não bastasse, Jean-Claude Juncker fez questão de no passado mês de Fevereiro, declarar ao jornal “Le Fígaro”: “Il ne peut y avoir de choix démocratique contre les traités européens”. Para além da gravidade desta declaração, que me deixa perplexo, fica clara a ideia que o presidente da Comissão Europeia tem dos diferentes actos eleitorais nesta Europa que pensávamos e que queremos da cidadania.

Neste mundo globalizado, os tratados bilaterais e de investimentos – são mais de 32.000 – têm apresentado como resultado a diminuição das liberdades cívicas, políticas, jurídicas e económicas dos países subscritores, em especial daqueles que se encontram em vias de desenvolvimento, “forçados” a aceitar as imposições das nações mais poderosas com as quais assinaram os acordos, sendo exemplar, entre outros, o caso do México.

Com efeito, o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (TLCAN ou NAFTA) – assinado pelos Estados Unidos, Canadá e México em 1992, para vigorar a partir do dia 1 de Janeiro de 1994 – transformou este último país, que nesse ano e no domínio alimentar era praticamente auto-suficiente, passados alguns anos, num importador líquido de alimentos básicos. O México, desde a entrada em vigor do TLCAN e de acordo com o jornalista Carlos Fernández-Vega, importou alimentos no valor de 275 mil milhões de dólares, 80% dos quais dos Estados Unidos, enquanto aumenta o número de mexicanos sem acesso aos alimentos e vê os seus campos agrícolas transformarem-se numa enorme fábrica de pobres.

Passaram-se vinte anos e o “importante progresso” que de acordo com Barack Obama se registou no México – país que é hoje considerado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos como um “cemitério de desaparecidos” – só se verificou relativamente aos mais ricos. A revista Forbes dava conta que Carlos Slim tinha aumentado a sua fortuna de 6.800 milhões de dólares para 77.100 milhões de dólares, Ricardo Salinas Priego de 1.900 milhões para 8.000 milhões… No total, a fortuna dos multimilionários mexicanos teria aumentado de 44.100 milhões para 129.300 milhões. O povo, esse, ficou mais pobre, 60% dos 112 milhões de mexicanos são pobres e sem acesso a qualquer espécie de segurança social, quase 30 milhões – 60,1% da população ocupada – têm trabalho precário e um salário mínimo de 167 dólares por mês. O México foi, de facto, um dos primeiros laboratórios norte-americanos para “remodelar” Estados, submetendo-os aos interesses das grandes corporações. O exemplo deste país permite compreender a razão de tantos acordos, bem como os interesses que servem.

Um desses acordos, o “Transatlantic Trade and Investiment Partnership”(TTIP), que tem a ver directamente connosco e  que está a ser negociado em segredo entre a União Europeia e os Estados Unidos, se aprovado, irá colocar em questão alguns dos bens e valores essenciais a uma existência condigna: protecção ambiental, saúde pública, agricultura, direitos dos consumidores, protecção das normas alimentares e agrícolas, bem-estar dos animais, normas sociais e laborais, direitos dos trabalhadores, desenvolvimento, acesso à informação, direitos digitais, serviços públicos essenciais (incluindo a educação), estabilidade dos sistemas financeiros e outros.

“Todo o mundo tem motivos para odiar este tratado”, disse Susan George, presidente de honra da ATTAC - França e presidente do “Transnational Institute of Amsterdan”, que com os seus 80 anos é exemplo de uma invejável lucidez. O TTIP “não é para mudar nem reformar, é sim para nos livrarmos dele, porque cada um dos seus fragmentos é perigosíssimo”.

Este tratado é um “sonho para as multinacionais” que se vêem já a determinar, num futuro não muito longínquo, as vidas dos povos e das nações, merecendo uma referência especial, o “capítulo” do TTIP que visa proteger o investimento, com destaque para a cláusula “Investor State Dispute Settlement (ISDS), que confere aos investidores direitos exclusivos para processarem os Estados quando considerarem que decisões democráticas – tomadas por instituições públicas no interesse público – têm impactos negativos nos lucros por eles previstos. Estes mecanismos baseiam-se em acordãos exteriores aos tribunais nacionais e, desse modo, sabotam os nossos sistemas jurídicos (a nível nacional e a nível da EU), as nossas estruturas democráticas e impossibilitam o desenvolvimento de políticas de interesse público. 

É natural que os nossos governantes, sempre solícitos com os interesses do capital, não vejam o TTIP ou outros tratados, da mesma forma que Susan George. Já não é natural que sindicatos, organizações de trabalhadores por excelência, reservem uma eventual tomada de posição para um momento posterior à sua aprovação, preocupando-se sobretudo com os mecanismos neles incluídos para proteger os “direitos” que neles eventualmente vierem a ser consagrados. É o caso de algumas organizações que se reclamam do “sindicalismo democrático” e que, por vezes e em nome de um “sentido de responsabilidade” que não consigo descortinar, pouco mais fazem do que “abrir mão” de direitos arduamente conquistados pelos trabalhadores e seus sindicatos. Wolf Jäcklein, no número de Junho de 2014 do Le Monde Diplomatique - edição portuguesa,  lembra que “os Estados Unidos só ratificaram duas das oito normas fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que visam proteger os trabalhadores. A história sugere que a “harmonização” a que conduzem os tratados de comércio livre tendem a ser feitas com base no mais baixo denominador comum. Os assalariados europeus devem, portanto, temer uma erosão dos direitos que beneficiam actualmente.”

A posição da CGTP-IN é clara, a recusa deste tratado está assumida com toda a clareza e sem hesitações. Posição igual é a da FENPROF que recusa igualmente e de modo categórico o TTIP pelo retrocesso civilizacional que transporta consigo e, pelo facto de, a ser aprovado, conduzir ao fim dos serviços públicos.

A posição de recusa pela FENPROF deste “tratado vampiro”, como o apelida Susan George, tal como de outros que conduzem à privatização da educação e de outros serviços públicos, foi recentemente afirmada no Fórum Social Mundial de Tunis num seminário promovido pela alemã GEW e em que participaram também, para além da nossa Federação, a FNEEQ - CSN do Canadá e a “OWINFS”, podendo falar-se numa grande identidade de pontos de vista das organizações participantes. É esta identidade de pontos de vista que me faz ter confiança – se não nos descuidarmos na tarefa do esclarecimento – na nossa capacidade de parar a ameaça que representa o TTIP.

*Nota: (http://mundo.sputniknews.com/firmas/20150408/1036193368.html#ixzz3XCjn1frZ)

Porto, 15 de Abril de 2015
Henrique Borges
Direcção do SPN e Secretariado Nacional da FENPROF