"A propósito da municipalização da educação, muito se tem falado do processo de delegação de competências nos municípios como correspondendo a um processo de descentralização. Não é disso que se trata. Descentralizar é transferir do centro para as periferias. Ora, não é disso que aqui se trata; por um lado, delegar competências não é transferi-las para âmbitos locais; por outro, passar das escolas para as câmaras é o contrário de descentralizar", afirmou Mário Nogueira (4/02/2015) perante a Comissão de Educação Ciência e Cultura do Parlamento.
Como recordou a delegação sindical (Mário Nogueira, António Avelãs e Francisco Almeida),em pouco mais de uma semana foram 13.000 os subscritores da Petição "Professores contestam municipalização da Educação" (Petição nº 449/XII/4ª).
Poucos dias depois, os subscritores já ultrapassavam os 20.000 tendo, então, o documento sido entregue no gabinete do Primeiro-Ministro (22/12/2014).
É a propósito dessa Petição que a FENPROF, organização que tomou a iniciativa de promover este "protesto institucional", foi ouvida esta quarta-feira (4/02/2015) na Comissão de Educação, Ciência e Cultura do Parlamento,
O primeiro embate sobre esta matéria foi desfavorável ao Governo: não conseguiu celebrar nenhum contrato com qualquer município até final de 2014, como anunciara; já reduziu o número de contratos que prevê poder celebrar; a contestação ao processo subiu de tom e une hoje professores e muitos autarcas; em diversos concelhos, os professores contestaram com iniciativas diversas o processo que estava em curso, na maior parte dos casos em completo secretismo, crítica que o Secretário Geral da FENPROF retomou neste encontro com aquela Comissão parlamentar.
Sem descartar a possibilidade de ações de outro tipo, designadamente na rua, a FENPROF quer esgotar todas as hipóteses de, no plano político, travar a municipalização pretendida pelo Governo, medida que, no guião da reforma do Estado, surge logo em primeiro lugar para o setor da Educação. "Isto é algo que tem preocupado muito os professores", realçou Mário Nogueira na abertura da sessão.
Ataque frontal à organização
democrática da nossa sociedade
"Nós compreendemos que este processo", referiu o dirigente sindical - se enquadra nessa reforma e, como tal, segundo o tal guião, não se destina a cortar ou a reduzir custos mas a alterar o modelo de organização democrática da nossa sociedade e, como tal, a Educação - considerada cvomo produto de mercado - é para sair da esfera do Estado". Para atingir este objetivo, e recorrendo de novo a palavras de Mário Nogueira na Comissão de Educação, o Governo usa a via indireta (a municipalização é um caminho) e a via direta (cheque-ensino, novo estatuto do ensino particular e cooperativo, novo tipo de contrato de associação, escolas "independentes"...).
Apesar de já ter sido "retocado", o projeto do Governo continua a retirar poderes de decisão das escolas. Continuam a ser transferidas competências relativas à gestão do pessoal docente, quer através da manutenção da “possibilidade de contratação pelo município, na oferta específica de base local” (ainda que “na inexistência de pessoal do quadro de AE/E ou QZP”), quer pela consagração de que “o município articula com os AE/E para que estes procedam, nos termos da legislação aplicável, à afetação entre si dos recursos docentes disponíveis”, o que confirma que esta continua a ser uma matéria da competência do município.
Prémios pelos cortes...
Por outro lado, continuam a estar previstos prémios financeiros ao município como incentivos ao corte no financiamento da educação. Apesar de terem sido eliminadas as cláusulas 40ª-42ª relativas aos coeficientes de eficiência, os “incentivos à eficiência” continuam a fazer parte do clausulado desta segunda versão do contrato. Há, agora, uma ainda mais perigosa redação que implica que qualquer que seja o corte no financiamento da educação no território do município, o MEC atribui à câmara municipal “50% do produto das poupanças”. Para este efeito passaria a ser tido em conta qualquer corte – além do pessoal docente, também a ação social escolar, as cantinas, o aquecimento…
E continua também o desinvestimento na educação pública. Esta versão mantém o garrote financeiro nomeadamente nas transferências de capital (edifícios, e equipamento diverso), calculadas com base na média dos últimos quatro anos (sabendo-se que nos últimos dois quase não existiu investimento nesta área da despesa).
Cortar no financiamento da educação designadamente à custa da dispensa/despedimento de professores e educadores, retirar às escolas alguns dos seus poucos poderes de decisão e manter aberta a porta para a entrega da gestão das escolas ao setor privado, é o grande objetivo do Governo. A FENPROF e a generalidade dos professores, sublinhou Mário Nogueira, continuam a defender uma Escola democrática, pública, de qualidade , para todos e inclusiva, "pelo que daremos forte luta" a esse objetivo.
O dirigente sindical teve ainda oportunidade de chamar a atenção para o debate sobre esta temática que a FENPROF realizará no Porto no próximo dia 28 de fevereiro, iniciativa que contará com a participação de especialistas na matéria que vão mostrar o que aconteceu noutros países, nomeadamente no Brasil.
Mário Nogueira lembrou que a FENPROF já divulgou aos deputados propostas objetivas apontadas à descentralização educativa e retomou a necessidade de um grande debate nacional sobre as questões levantadas pela municipalização da Educação. Apelou ainda aos deputados para terem em conta as preocupações manifestadas na Comissão quando tiver lugar o debate da Petição no plenário da Assembleia.
Declarações dos deputados
O representante do PS afirmou que também a bancada socialista está "preocupada com o assunto", salientando que "faltam estudos" para se poder avançar para este projeto: "não está preparado para ser implementado". "O Governo não foi pelo bom caminho", garantiu. Criticou o secretismo que envolveu este processo de municipalização da educação e lembrou as críticas e as interrogações de diferentes entidades, nomeadamente Associação Nacional de Municípios, associações de diretores e de escolas, entre outras.
O representante do CDS/PP chegou atrasado à Comissão e praticamente não se pronunciou sobre a matéria.
A representante do PCP criticou a política de "desresponsabilização", promovida pelo Governo PSD/CDS, relativamente às funções sociais do Estado. Sublinhou que, com este processo de municipalização, há "o risco de transferência de matérias que são responsabilidade do Estado", o que faz parte de uma "ofensiva global" que tem como objetivo central a "reconfiguração do papel do Estado".
"Acompanhamos a contestação a este processo de municipalização da educação", destacou o representante do Bloco de Esquerda. Criticou a passagem de matérias do foro pedagógico para os municípios e alertou para a diminuição de recursos materiais e humanos nas escolas. 2isto não é descentralização. As escolas perdem autonomia com este processo. Há uma agenda escondida que está agora a ser aberta", afirmou o representante do BE.
O representante do PSD (também autor do parecer relativo à Petição apresentada) falou de "preocupações já ultrapassadas", garantou que há um "diálogo grande" nesta matéria e que este é "um projeto construído a nível local". Valorizou os contributos da FENPROF para uma política de descentralização educativa. Disse que o processo de municipalização lançado pelo Governo é "transparente", "feito com cuidado" e que o Executivo mostroiu moderação e cuidado neste projeto-piloto.../ JPO