Nacional
Entrevista

Mário Nogueira ao "i"

11 de novembro, 2014

Por Pedro Rainho
publicado em 10 Nov 2014

 

Ainda não sabe se se vai recandidatar a mais um mandato à frente da FENPROF mas garante que no dia em que sair volta à escola

Está há sete anos a liderar uma associação sindical que representa quase metade dos professores em Portugal, mas ainda não sabe quando será altura de fechar esse capítulo. A única certeza que tem neste momento é que quando esse dia chegar quer voltar a dar aulas. Há dias lançou uma colectânea de ideias sobre "O Futuro da Escola Pública".

É dirigente associativo há mais de 20 anos. O que o levou a esta actividade?

Sempre estive ligado ao movimento associativo. Sindicalizei-me no dia em que tirei o curso e a partir daí fui delegado sindical, depois dirigente sindical. Às vezes, as pessoas não percebem porque é que os dirigentes estão a tempo inteiro. Essa foi uma proposta que surgiu no tempo do José Augusto Seabra.

Ministro de Mário Soares.

Os dirigentes sindicais têm direito a quatro dias por mês para a actividade sindical. Só que se o professor, que é dirigente sindical, faltar esses dias, ao fim de dez meses de aulas faltou 40 e os alunos tiveram menos um mês de aulas. Alguns dirigentes sindicais cedem os seus dias, e por isso não faltam, e outros acumulam os seus dias com os de outros e, ficando dispensados de actividade lectiva, são substituídos nas escolas.

Sete anos foram na direcção da FENPROF. Já é muito tempo?

É um cansaço para quem vive a mais de 200 quilómetros de Lisboa. Nestes sete anos fiz cerca de 300 mil quilómetros.

É fisicamente esgotante.

Às vezes ando aqui com uma dor de costas de andar de carro que nem lhe digo. A pessoa tem de sentir o gosto.

Já pensa na sucessão?

Não sou eu que penso na sucessão.

Mas conhece bem os dirigentes.

A FENPROF tem inúmeros dirigentes que podem coordená-la sem problema.

E já pensa na sua substituição?

Estamos sempre a pensar nisso. Temos congressos de três em três anos, o próximo em 2016. Faltam dois anos.

Não sabe se se recandidata ou não?

Não. Fomos eleitos no ano passado, a equipa deste ano está agora a fazer um terço. É evidente que gostaria mais de estar um pouco no sossego e com intervenção sem ter de andar sempre nesta aventura. Há momentos de instabilidade grande em nós. É exigente e complicado. Obriga a ler muito, a estar em negociações sobre matérias que conhecemos menos.

No dia em que fechar aqui a porta regressa à escola?

Tenho de regressar. Gostaria, quero e tenho. Irei.

Por obrigação?

Por vontade. Na FENPROF, somos todos professores e temos a nossa escola.

Há muitos anos que contacta com a escola. É-lhe uma realidade distante?

Com a escola, tenho contacto.

Falo em estar à frente de uma turma.

O trabalho directo com os alunos não tenho e temos a consciência de que a escola muda muito neste tempo.

Lembra-se da última aula que deu?

Já foi há alguns anos, mas lembro-me perfeitamente. Aliás, por vezes encontro alunos desse tempo.

Algum professor?

Tenho encontrado professores. Aquilo que tento fazer é acompanhar as mudanças. Tenho participado em acções de formação quando posso, para tentar manter o mínimo de actualização, mas com a consciência de que no dia em que voltar haverá um período de adaptação.

Henrique Raposo questionou-se sobre se o Mário Nogueira poderia continuar a representar os professores, dado o tempo de afastamento.

Preocupava-me em responder se Henrique Raposo fosse professor sindicalizado. O sindicato de professores é uma associação livre de pessoas. Ao associar-se livremente, livremente escolhem. Isto é democrático. Quando os associados um dia disserem "este já não diz coisa com coisa, o que está a falar não tem nada a ver connosco", são eles os primeiros a dizer que tenho de sair. Agora, percebo que o ministro Nuno Crato ache mal que eu esteja cá, que o senhor primeiro-ministro e o senhor Henrique Raposo também. Gostariam era que os sindicatos não existissem ou falassem baixinho e não exercessem os direitos que têm numa sociedade democrática, que é ter a mesma voz que eles têm, sabendo que o poder de quem está no governo é sempre superior ao de quem não está.

O Mário Nogueira era bom professor?

As pessoas reconheciam que sim, convidavam-me algumas vezes para algumas actividades de coordenação.

Era algo de que gostava, dar aulas?

Sim, sim, sim. Às vezes as pessoas dizem que vai para professor quem não tem mais nada para fazer. Não foi o meu caso. Foi uma coisa de que sempre gostei.

Era melhor professor do que é dirigente sindical?

São coisas diferentes. O que nos interessa aqui é a apreciação que fazem de nós os colegas que representamos.

Em 2011, foi avaliado com um "bom". Estando há tantos anos afastado da escola faz sentido ser avaliado assim?

Não fomos avaliados como os colegas que estão nas escolas. As pessoas centram as críticas no dirigente sindical e esquecem-se de referir o deputado que é professor, está há trinta anos na Assembleia da República e nem se percebe que ele lá está, se não fosse na televisão fazerem uma panorâmica e a gente vê-lo lá atrás a dormir.

Isso quer dizer o quê?

Há uma cultura de crítica a alguém se está há dez, 15 ou 20 anos na actividade sindical onde é eleito democraticamente para estar, mas esquece-se de que o deputado que é professor e que está há trinta anos lá continua a ser professor. Os dirigentes podem fazer os 300 mil quilómetros e não têm um cêntimo a mais daquilo que é o seu salário. O que não acontece com os deputados e com os governantes. E mais: um dirigente sindical que se apresente amanhã na sua escola tem a sua turma e os deputados quando saíam de lá até tinham de ter um apoio para reinserção na vida profissional.

A sua avaliação não foi igual à de um colega numa escola?

Não. Fui sujeito a uma avaliação por não estar na escola tal como foi um autarca, um deputado ou um governante.

E não há situações de desigualdade? Isso tem efeitos quando volta à escola.

Não passo à frente de ninguém nem tem influência nos concursos, não se fica a ganhar mais por isso. Para poderem estar ligados a uma escola, os professores devem ter uma avaliação que não seja negativa. Se a tiverem, podem ser desligados ao fim de x tempo. Para os professores que não estão na escola - porque são dirigentes sindicais, deputados, governantes -, o que defendemos na negociação, no tempo de Isabel Alçada, foi que esse facto não deve dispensá-los de ser avaliados. Tenho de ter uma avaliação curricular, ver se durante os anos que aqui estive os passei a vegetar ou se, além da actividade que desenvolvi, estive a trabalhar no sentido de exercer bem a minha profissão.

Os professores portugueses são bons?

São óptimos professores. Agora, claro, não vou dizer "só há bons professores". Isso é como todos os profissionais.

E é possível perceber onde estão os maus professores?

É. No grupo dos professores, como no dos advogados, dos jornalistas, dos pedreiros há óptimos profissionais, há bons profissionais - que são a esmagadora maioria - e depois há menos bons profissionais. Numa escola, não precisa de haver modelo de avaliação nenhum para percebermos quem está há mais tempo, quem não tem horas. O grande problema da avaliação é que, como nenhum governo quis aprovar um modelo que servisse para identificar o problema e a partir daí decidir como se resolver, temos uma avaliação que determina quem progride ou não. Porque ficava mais barato. A avaliação é tão hipócrita que prevê que quem tem "não satisfaz" é posto fora.

Que ninguém tem.

Há professores que tiveram. Depois há o "satisfaz". Se tiver "bom", posso progredir normalmente na carreira. Se tiver "satisfaz", para o ministério é bom porque não acontece nada ao professor, mas também não evolui. O professor pode andar 30 anos a não ser grande coisa, mas fica barato e, portanto, isso é óptimo.

Um professor com nota negativa deve ser afastado?

Concordámos com isso. Todos devem ter condições para corrigir o que é negativo. Não é despedido, mas reencaminhado para um serviço que seja compatível com o que é capaz de fazer. Podem, por exemplo, trabalhar num biblioteca. Mas a avaliação do mérito - o "muito bom" ou o "excelente" - não devia sujeitar-se a quotas.

Os professores são bons mas os alunos portugueses não têm grandes prestações. Que responsabilidade vos cabe ?

Os alunos têm vindo a melhorar. Aos professores cabe uma parte da responsabilidade, é evidente que não estão isentos. Mas é uma quota menor se tivermos em conta que há problemas gravíssimos como as escolas não terem professores para dar apoio, terem turmas com um número de alunos excessivo, os horários dos professores serem uma coisa brutal do ponto de vista pedagógico, a indisciplina. Os governantes passam o tempo a falar nisto e não fazem nada.

Os professores não têm autoridade?

O discurso público é de uma desvalorização permanente dos professores. Há uma campanha que, quer queiramos quer não, passa para a opinião pública.

O sindicato deve defender a classe que representa. Preocupa-o quando essa missão prejudica os alunos?

Quando os professores estão em luta, estão-no por aspectos que têm a ver com a melhoria das suas condições de trabalho. E essa melhoria contribui para o melhor funcionamento das escolas.

Percebe que motive alguma indignação quando os professores marcam uma greve para o dia de exames dos alunos, como no ano passado?

Percebo perfeitamente. Mas marcámos essa greve com dois meses de antecedência. Só que, quando o ministério já adivinha que vai haver mais contestação, guarda para essa altura as questões mais complicadas na negociação, porque se os professores reagirem naquela altura vão ter contra eles a opinião pública. Ninguém quer mais que um aluno tenha sucesso do que o professor que trabalhou com ele o ano todo.

Se pudesse mudar uma coisa na Educação o que seria?

As famílias precisavam muito que a Acção Social Escolar fosse reforçada. E, também, criar condições para que a escola fosse efectivamente inclusiva. A escola ainda não conseguiu criar condições para que as crianças e jovens pudessem ultrapassar as suas dificuldades encontrando ali respostas que lhe permitissem pelo menos tentar caminhar ao lado dos outros.

Os movimentos de contestação de professores tiraram força aos sindicatos?

Não, são movimentos que só os comprometem a eles mesmo.

Não explicam o porquê de não haver uma grande manifestação desde o tempo de Maria de Lurdes Rodrigues?

Com Maria de Lurdes Rodrigues fizemos duas manifestações com mais de 100 mil professores. Mas ninguém diz que com Nuno Crato fizemos uma greve em período de avaliações durante três semanas. Bem mais complicado que fazer duas grandes manifestações.

Não houve a mesma compreensão.

Para fazer uma greve durante três semanas com um desgaste brutal, e precisamente pela incompreensão social que diz, é preciso os professores estarem muito mais convencidos da justeza da luta do que para vir a uma manifestação. E quando as formas de luta são repetidas há um certo desgaste.

Já integrou as listas da CDU à AR. Imaginava-se como deputado?

Não é uma coisa que me agradasse. Não é que não fosse capaz de desempenhar, mas o trabalho de estar nas escolas, ir para a rua, todo o trabalho que dá um grande contacto é diferente de estar fechado numa sala. É incomparavelmente mais agradável e sinto-me mais motivado para o trabalho em que me envolvo.

E como ministro da Educação?

Isso nem vale a pena responder. Não é coisa que me motive. Um ministro da Educação tem de perceber que, quando chega, não tem de mudar tudo. Querem deixar uma impressão digital. Para governar a Educação é preciso capacidade para ouvir os outros. E há uma forte incapacidade para ouvir os outros.

Tem noção de que é uma personna non grata para muita gente.

Os melhores elogios vêm da forma irritada como os comentadores escrevem.

E nunca se sentiu incomodado com algumas referências?

A maior parte das vezes olho e penso: "lá está este com mais uma idiotice". Não perco tempo a ler.

Não é uma tarefa solitária, por vezes?

Não, esta é uma função muito colectiva.

E do ponto de vista pessoal? Supostamente vive há sete anos num hotel em Lisboa.

Não, isso é que era bom. Quando estou em Lisboa tenho de ficar num hotel, mas há muitas vezes em que acabo aqui reuniões às seis ou sete, meto-me no carrinho e no outro dia estou cá às 10 horas outra vez. Durante o mês fico em Lisboa meia dúzia de dias, não mais que isso.

Lançou recentemente um livro sobre "O futuro da escola pública". Acredita numa escola pública de qualidade?

Se não acreditássemos na existência de uma futura escola pública democrática, com qualidade, capaz de responder a todos, era mais complicado. Essa escola pública vai existir se nós, cidadãos, tivermos condições e capacidade para lutar por ela e não deixarmos que a apaguem do mapa, que é uma coisa que está em curso. Acreditar nessa escola é também acreditar na nossa capacidade de defender um futuro em que a democracia está ao alcance de todos.

Caso contrário, o que teremos?

Vamos ter nichos de elevada qualidade e, ao lado, uma escola pública mínima, muito à base daquilo que o senhor ministro gosta, que são as respostas sociais, as vias vocacionais, o profissional dual.

Angela Merkel diz que Portugal tem demasiados licenciados.

Angela Merkel tem a ideia de que não é nas periferias desta Europa que tem de estar o pensamento nem o conhecimento. É lá que tem de estar a mão-de-obra. E se não for mais qualificada, isso permite torná-la mais flexível e barata.

No livro, escreve que Nuno Crato "serve os interesses mais obscuros e antidemocráticos que a direita há muito persegue". Que interesses são estes?

Elitizar a educação. Querem desmantelar a escola pública que tem esta matriz democrática e dar à escola pública outro papel que não o de fazer a diferença chamando a si todos.

Que consequência tem isso?

Não contribuir para a democratização da sociedade. Continuar a alimentar na sociedade as elites e ter o grande grupo dos que, sendo os filhos dos trabalhadores, estão condenados a ser pouco mais do que aquilo que os pais foram. Continuam a ser a mão-de-obra do capital.

Também diz que Crato quer colocar a escola "na velha ordem de que Portugal se desviou com o impulso de Abril". É justa esta consideração?

Penso que sim. Estamos a falar com uma distância de 40 anos.

Para quem saiba o que é essa velha ordem...

Não estou a dizer que Nuno Crato vai querer meter pides dentro das escolas. Mas há a mesma organização que havia. A educação pré-escolar mais orientada para a resposta social - é preciso tomar conta dos meninos enquanto os pais estão a trabalhar - do que para a resposta educativa, um ensino primário em que o primeiro exame é feito às crianças no quarto ano de escolaridade. Logo aí, há um estigma que vai cair sobre muitos. Depois, na ida para um segundo ciclo ou terceiro haver uma diferenciação de vias - sou desse tempo, quando o que determinava eram as condições financeiras.

Essa questão já não se coloca.

Agora não se coloca, mas vai colocar-se quando tivermos as vias profissionais duais com o peso que o ministro quer ter, com o desvio para lá de alunos que não tiveram sucesso na educação, um ensino superior a vários tempos.

Ser avaliado não devia ser natural?

O que garante a qualidade do ensino não é haver exames. É se as turmas, em vez de terem 27 alunos têm 20; se as turmas não têm seis ou sete alunos com necessidades educativas especiais sem qualquer apoio e em que o professor passa mais tempo com eles que com os outros; é se as escolas não têm alunos de vários anos de escolaridade e em que o professor só pode dar a cada um metade do tempo que daria se tivesse só um ano.

Que lugar caberia a Nuno Crato num ranking dos ministros da Educação?

Está claramente no conjunto de ministros que mais mal têm feito a esta escola pública de matriz democrática que defendemos. Todos percebemos isto e nem o digo pela confusão dos concursos. Foram muitas confusões.

Sente que, quando a FENPROF aponta erros, já há uma ideia de que está a tentar criar instabilidade?

Há esse preconceito no ministério.

E é injusto?

Exactamente. A FENPROF representa mais de 50 mil professores. É natural que se alguma coisa acontece numa escola, esses problemas cheguem aqui. Quando pedimos ao ministro uma reunião, fazemo-lo porque identificámos um problema. Quando não tem uma importância tão grande fazemos um ofício e enviamo-lo. O preconceito é: "Estes tipos estão a pedir-nos uma reunião para vir para aqui maçar e criar um facto político".

Nunca se move por esse princípio?

Não. Às vezes há a ideia de quanto pior, melhor. Não é verdade porque quanto pior as coisas estão mais as pessoas desistem e perdem a esperança de que as coisas se resolvam.

Já reuniu com o ministro Nuno Crato algumas vezes. Teve utilidade?

Não têm servido para muito. Há matérias em relação às quais saímos da reunião convencidos de que estão compreendidas e depois não é assim. No primeiro encontro, o ministro dizia que estava à frente de um mega ministério porque a Educação estava de novo com o Ensino Superior e a Ciência. Havia muitos secretários de Estado e ele era uma espécie de coordenador. Ministros eram os secretários de Estado.

E foi assim?

Ele nunca deixou de ser uma espécie de coordenador. Ministros foram os secretários de Estado e há coisas que até lhe passaram ao lado quando não deviam. E dentro do próprio governo ele nunca teve muito peso político.

Mas foi segurado por Passos Coelho.

Não teve porque o MEC esteve sempre no centro das políticas das Finanças. Continua a ser. Mas a tão pouco tempo das eleições e com este orçamento se calhar não arranjavam ninguém. O MEC tem sido desautorizado bastas vezes pelo governo. Em alguns momentos, mais do que pôr em prática políticas para a Educação, Nuno Crato serviu para encontrar justificações que aparentemente fossem do plano pedagógico para aplicar medidas que nada tinham a ver com isso.

Houve algum bom ministro?

Sim, o dr. Guilherme d'Oliveira Martins fez a diferença. E isto não quer dizer que estivéssemos de acordo.

É fácil negociar consigo?

Penso que sim, temos feito tantos acordos.

Tem fama de ser bastante exigente. Nunca faz finca-pé?

Nas questões de princípio não podemos ceder. Somos contra a aplicação da mobilidade especial, pensamos que os professores fazem falta às escolas porque elas têm falta de professores. Quando o ministério da educação abre a discussão sobre a mobilidade especial, o primeiro debate deveria ser sobre se ela é ou não necessária para os professores. Mas eles não discutem isso.

Fica a sensação de que gostavam de ser os senhores a ditar as políticas.

Não gostávamos de ser, não somos nós que as ditamos. Mas representamos uma classe. Nós perguntámos no ano passado aos professores quais eram os problemas nas escolas e depois perguntámos quais são as melhores formas de luta que os colegas defendem.

E as respostas?

Os professores defenderam, em 90 e muitos por cento, a greve durante o período de avaliações. Aí dissemos os objectivos e as formas de luta que queríamos. Este é o nosso papel.