Nacional

Intervenção de Mário Nogueira

05 de outubro, 2014

DIA MUNDIAL DOS PROFESSORES
5. OUTUBRO. 2014

Intervenção de Mário Nogueira
Secretário-Geral da FENPROF

Na mensagem que neste 5 de Outubro o Secretário-geral da Internacional de Educação dirigiu ao Secretário-geral da OIT, pode ler-se que “O nosso mundo não pode esperar mais: num contexto de desenvolvimento duradoiro, deverá ser fixado um objetivo orientado para a promoção de uma educação de qualidade, acessível e gratuita para todos. Este grande objetivo deverá incluir objetivos específicos, englobando todos os níveis de ensino e educação, desde a educação pré-escolar ao ensino superior, bem como compromissos claros de investimento no pessoal docente, tanto no que concerne à quantidade, como à qualidade das suas qualificações.” Esta reivindicação surge associada à necessidade expressa de valorização dos docentes em todos os aspetos (condições de trabalho, carreiras e estabilidade), bem como de valorização da Educação e da Escola Pública, estratégia fundamental para garantir o progresso e desenvolvimento das sociedades democráticas. Os Sindicatos de Professores que convergiram nesta iniciativa reveem-se nesta mensagem.

Completam-se hoje 8 anos que os professores em Portugal começaram a transformar as ruas de Lisboa num rio caudaloso de protesto e exigência que uniu as suas organizações sindicais. Neste 5 de outubro de 2014, a generalidade das organizações sindicais – ASPL, FENPROF, SEPLEU, SINAPE, SIPE, SIPPEB e SPLIU – quer continuar unida e assume em convergência a luta pela Profissão de Professor, pois entende ser esse e não outro o seu papel, por ser essa a sua natureza: representação dos direitos e interesses dos professores, educadores e investigadores em Portugal.

Ao longo dos anos, os professores têm sido dos grupos profissionais que mais têm assumido a luta pela Profissão, pela Escola Pública e também por causas laborais e sociais mais amplas, obtendo, com ela, alguns resultados importantes. Isto apesar de, sobretudo desde 2005, as condições para a sua ação se terem tornado mais difíceis: uma campanha organizada de desvalorização social dos profissionais foi posta em marcha, com a ex-ministra Lurdes Rodrigues a dar-lhe forte expressão, sendo de todos recordada a afirmação “Perdi os professores, mas ganhei na opinião pública”; a negociação foi progressivamente desvalorizada; os direitos sindicais, uma conquista de Abril, foram fragilizados.

Em 2005 surgiram os primeiros congelamentos das carreiras, as primeiras alterações ao regime de aposentação, as primeiras medidas destinadas a agravar os horários de trabalho e foram extintos os concursos anuais. De então para cá, depois de algum abrandamento em 2009/2010, vivemos os anos de chumbo do governo de Passos e Portas, tendo à frente dos destinos da Educação quem, assumidamente, não defende a Escola Pública democrática, de qualidade, para todos e inclusiva, que é aquela que a Constituição da República consagra e a Lei de Bases do Sistema Educativo confirma.

Apesar dos duríssimos ataques a que se tem sujeitado, a Escola Pública tem revelado uma notável resistência que se deve, essencialmente, ao empenhamento e esforço dos seus profissionais, à importância que os pais lhe reconhecem, à capacidade reivindicativa que, em muitos momentos, os estudantes têm revelado e à atenção dispensada por diversos atores sociais, designadamente os autarcas. Contra si, a Escola Pública tem tido políticas e políticos que consideram despesa e não investimento a verba destinada à organização e funcionamento e à garantia de diversidade e qualidade das suas respostas, bem como operadores privados cuja ganância e falta de escrúpulos desconhecem limites.

A Escola Pública no alvo da ofensiva

As medidas que se abatem sobre a Escola Pública têm sido muitas: encerramento de escolas a uma média de mais de 500 por ano, mega-agrupamentos que acrescentaram novos aos velhos problemas, revisões curriculares que empobrecem o currículo, desvalorização da arte e da cultura na escola, aumento do número de alunos por turma, redução dos apoios destinados a alunos com necessidades educativas especiais, proliferação de vias menos qualificadas para as quais se pretende desviar muitos jovens, cortes brutais no ensino superior e na investigação, a par da desvalorização dos cursos de ensino superior. Simultaneamente, tem-se verificado uma redução violentíssima de professores e outros profissionais das escolas, redução de direitos profissionais e sociais, degradação das condições de trabalho e um autêntico saque movido aos salários e às pensões dos docentes.

O desrespeito pelas escolas, pelos estudantes e pelos seus professores é enorme e a forma como o presente ano letivo se iniciou é a confirmação. Aspeto mais visível está a ser o da colocação de professores. Os atrasos, erros, ilegalidades e demais confusões nos concursos que levam a que ainda não possa dizer-se, com rigor, quando estará estabilizada a situação, são fruto de incompetência, de uma enorme incompetência, mas, ao mesmo tempo, a perturbação e confusão instaladas são úteis para os governantes, pois levam a que a imagem da Escola Pública passe diminuída e fragilizada aos olhos da sociedade portuguesa. E isso é do seu interesse.

Em todo este processo o ministro recusou receber os Sindicatos e até trancou as portas no dia em que estes se deslocaram à 5 de outubro; injuriou professores e sindicatos quando acusou alguns de se referirem a problemas inexistentes; mentiu ao país em discurso proferido na Assembleia da República; agrediu a inteligência dos portugueses ao pensar que, pedindo desculpas pelos problemas, estavam assumidas as suas responsabilidades e resolvida a questão política; manifesta profunda insensibilidade e completo desprezo pelos problemas que está a criar a milhares de pessoas que são professores, alunos ou seus familiares. Não é um comportamento novo, mas é tempo de dizer basta! Confirma-se que Nuno Crato não está à altura das exigências que se colocam a um ministro da Educação. A sua palavra e os seus compromissos não têm validade. Deve, por isso, renunciar ao cargo ou então ser demitido.

Que "reforma do Estado"?

Vamos entrar no último ano da Legislatura, aquele em que o governo pretende concretizar, sendo esse um compromisso que assumiu junto da troika, a chamada “reforma do Estado”.

Esclarece o guião dessa reforma que o que está em causa não é cortar, mas alterar o modelo, desmantelando as funções sociais do Estado e retirando a Educação, como a Saúde ou a Segurança Social, do que o governo considera ser o núcleo de funções essenciais. Assim, também na Educação, o que for lucrativo é para entregar aos privados. Privatizar é a palavra de ordem e o que não for possível, por não ser interessante para os operadores e numa perspetiva social do problema, é para entregar aos municípios. Para já, o governo quer que aqueles que assinem contrato de municipalização, tomem medidas para reduzir o número de professores, e paga alguns milhares de euros aos que o fizerem.

Quanto à privatização já há estratégias anunciadas que passam pelas “escolas independentes”, pelo “cheque ensino” e por um novo modelo de contratualização com os privados que vá muito para além da resposta supletiva que a Constituição lhes atribui. A vingar, na Educação, esta reforma, será a Lei de Bases do Sistema Educativo que fica em causa e nós não podemos admitir, não iremos admitir que essa lei de matriz verdadeiramente democrática seja rasgada e substituída por outra que negue essa matriz.

Em relação aos professores, a intenção é a de continuar a desvalorizar estes recursos vitais para a afirmação da Escola Pública e de uma Educação de qualidade; desvalorizar e despedir, tanto no público como no privado, desde a educação pré-escolar ao ensino superior e investigação. O desemprego, note-se, tem aumentado como em nenhum outro setor, isto apesar da saída de milhares de docentes pelas vias da aposentação antecipada e das rescisões. Mas como não basta despedir professores contratados, vem aí a mobilidade especial que, em 2015, por ser ano eleitoral, o governo procurará evitar, mas que já deixa em vigor para quem vier a seguir. Ainda no que se refere aos colegas com vínculo precário também é preciso lembrar a iníqua e absurda PACC com que Nuno Crato quer afastar, para já, cerca de 8.000 professores da profissão. Tudo estamos a fazer para evitar que isso aconteça, através da luta, mas também pelas vias jurídica e institucional, deslocando-se estes sindicatos à Assembleia da República, na próxima quarta-feira, com este problema na agenda para o tentar resolver.

Para além do desemprego e da instabilidade que afeta todos os professores, temos também o agravamento muito significativo das condições de trabalho nas escolas, nomeadamente dos horários que hoje são de uma violência absolutamente atroz, situação que se torna ainda mais difícil devido ao agravamento dos requisitos para a aposentação, estratégia adotada para obrigar os professores a aposentarem-se de uma forma dita antecipada, já em situação de grande desgaste, mas com fortes cortes no cálculo das suas pensões.

Regresso ao passado...

Para os que continuam no ativo, vem aí a TRU – a tabela remuneratória única. O que os professores lutaram, desde antes do 25 de Abril, por um ECD; o que lutaram, já depois do 25 de Abril, por um Estatuto que só obtiveram em 1989/90 e uma grelha salarial que só passou a integrar o ECD em 1998… O que o governo de Passos e Portas quer agora é regressar aos anos 80 do século passado, ao tempo das fases e das letras da função pública, com dois objetivos muito precisos: desvalorizar os salários dos docentes portugueses (que, segundo a OCDE, são os que mais se desvalorizaram nos últimos anos, no conjunto dos países daquela organização) e extinguir os seus Estatutos de Carreira.

Neste contexto, e tendo como pano de fundo a preservação da Escola Pública democrática e de qualidade e a dignificação e valorização da profissão docente, inevitavelmente, serão eixos da ação dos Sindicatos no futuro próximo: a defesa da Lei de Bases do Sistema Educativo, a defesa dos Estatutos de Carreira Docente, a defesa do emprego com direitos e estabilidade no exercício da profissão de Professor.

Como iremos concretizar a luta, a decisão será dos professores e, nesse sentido, vamos ampliar a sua voz. A última vez que isso aconteceu, em 2013, levámos por diante uma grande luta, de 3 semanas de greve em período de avaliações finais e coincidente com dia de exames. O MEC foi obrigado a ceder em aspetos muito importantes para os professores.

Assim, porque as boas práticas deverão ser tidas em conta e repetidas, a partir de hoje, e sem prejuízo de nos envolvermos em ações e lutas mais gerais que unam todos os trabalhadores portugueses e em outras que se tornem necessárias, iremos, ao longo do mês de outubro, levar por diante um processo de auscultação a nível nacional e decidiremos em conformidade com que o que os colegas considerarem dever ser os objetivos reivindicativos prioritários e as formas de luta para os obter.

Esperança

A última palavra é de esperança. Porque não baixamos os braços, é com muita confiança que continuamos a encarar o futuro. Não sei se Nuno Crato ainda está a tentar implodir o MEC, mas tenho a certeza de que não se libertará mais dos escombros que resultam de toda a destruição que tem semeado. A demissão do ministro, por si só, não resolverá os problemas, mas a sua continuação irá, de certeza, agravá-los. Com outro ministro, outra equipa, outro governo e outra política, o país poderá contar com os seus professores para construir um futuro melhor que é possível e desejável. Esse é o compromisso que assumimos neste Dia Mundial dos Professores.