Nacional
ENTREVISTA AO SECRETÁRIO-GERAL DA FENPROF

"Nenhum professor é melhor ou pior por fazer a PACC, mas muitos poderão ser afastados da profissão devido a esta prova"

26 de julho, 2014

A PACC tem provocado uma discussão acesa entre o ministério e os professores, com estes a demarcarem-se de uma forma absolutamente esmagadora, de uma prova que consideram absurda e da qual discordam. O ministro, e outros membros da equipa do MEC, têm optado por atacar a FENPROF para se escusarem, como deveriam, a justificar a sua opção e os seus procedimentos. A este propósito, entrevistámos o Secretário-geral da FENPROF que afirma que “esta prova é expressão da arrogância do MEC e de uma indisfarçável intenção de humilhar os professores, desvalorizando-os socialmente para, a seguir, desvalorizar o seu estatuto profissional e de carreira”.

Em todo este processo da PACC, muito foi dito pelos responsáveis do MEC em relação aos Sindicatos e, sobretudo, à FENPROF. Porquê tanta crítica à FENPROF? Será o ministro contra a existência de Sindicatos?

Mário Nogueira (MN): Não creio. Eles precisam e, por isso, gostam, de sindicatos dóceis que assinem acordos aceitando todas as malfeitorias que querem fazer. Eles querem Sindicatos que calem os professores nas suas reclamações. Eles gostam de sindicatos que expliquem aos trabalhadores o que eles não conseguem explicar por ser inexplicável. Azar seu: a FENPROF não é desses.

Mas é verdade que a FENPROF nunca assinou acordos? Nuno Crato diz não se lembrar…

MN: É natural e não será por ter a memória curta. Interessa-lhe dizer isso… Sem recuar mais, a FENPROF assinou acordos, com esse ou outro nome, nos mandatos de Marçal Grilo, Oliveira Martins, Santos Silva, Lurdes Rodrigues, Isabel Alçada e até, repare-se, Nuno Crato. Foi em 25 de junho, apesar de, na ata negocial, constar 24. O ministro não se lembra, o que é natural, pois nunca assumiu esse acordo registado em ata o que ficou evidente logo na própria legislação que se seguiu, em que vários aspetos acordados foram, simplesmente, contrariados.

A PACC faz sentido?

MN: Nenhum. E menos ainda com as caraterísticas desta a que se sujeitaram os professores. Nenhum professor é melhor ou pior por fazer tal prova, contudo, muitos poderão ser afastados da profissão devido à PACC. Aliás, esta absurda prova, na sua componente comum, é até eliminatória da chamada componente específica (por agora deixada cair), pois quem não a realizar com êxito fica, desde logo, arrumado. Esta prova é expressão da arrogância do MEC e de uma indisfarçável intenção de humilhar os professores, desvalorizando-os socialmente para, a seguir, desvalorizar o seu estatuto profissional e de carreira.

Mas diz o ministro que existe para outras profissões…

MN: Compara o incomparável. Os professores quando concluem a sua formação já adquiriram a habilitação científica e também a profissional. Já são professores do 1.º Ciclo ou de uma disciplina do Secundário, ou educadores de infância. Não vão depois fazer a especialidade como acontece com os médicos ou entrar em estágio como os advogados. Já fizeram o estágio profissional e já obtiveram a sua especialidade. Acresce que os professores que se sujeitam à prova já passaram por um período experimental na escola, foram avaliados anualmente com menções de Bom a Excelente, tiveram renovações de contrato por reconhecimento do seu mérito profissional. Todavia, podem ser afastados da profissão se não tiverem êxito nesta PACC. Faz sentido?

Há quem diga que serve para ter acesso à carreira ou aos quadros…

MN: Ou enganou-se ou quis enganar alguém. Esta PACC, para quem não conseguir responder às questões formuladas, determina o afastamento do exercício profissional, mas para quem responda não dá acesso, sequer, a emprego precário.

Disse o MEC que a FENPROF, indevidamente, afirmou que a PACC estava suspensa. Afinal o que aconteceu?

MN: A FENPROF, tal como outras duas organizações sindicais, apresentou providências cautelares – que ainda estão por decidir – para travar esta iníqua prova. No caso da FENPROF foram quatro interpostas na sexta, dia 18. Na segunda, dia 21, véspera da PACC, o que a comunicação pôs a circular, presumo que por informação do MEC, foi que as providências teriam sido indeferidas. Uns falaram em três, outros em quatro. Ora, com exceção da que foi interposta no Porto, as restantes três apresentadas pela FENPROF foram aceites.

Competia, então, ao MEC entregar nos tribunais resoluções fundamentadas que, naquele momento, levantariam a ineficácia de execução dos atos, no caso, a realização da PACC. Durante a manhã do dia de realização da PACC, os advogados das organizações sindicais não tinham sido notificados da entrega, pelo MEC, dessas resoluções e o ministério também não tornou pública a entrega, provavelmente, por pretender que passasse a ideia do indeferimento. Apenas às 9.52, 10.23 e 14.03 horas desse dia foram divulgadas no site do SITAF as resoluções apresentadas pelo MEC, respetivamente, em Coimbra (SPRC/FENPROF), Lisboa (SPGL/FENPROF) e Lisboa (ASPL). Apenas nesse momento se soube da entrega dessas resoluções. Foi isso que aconteceu e nada mais. A prova iniciou-se e só quase quatro horas depois surgiu a última daquelas informações. Portanto, se alguém deve aqui explicações é Nuno Crato mas, como já se percebeu, não as tem para dar.

E quais as principais alegações da FENPROF para o recurso aos tribunais?

MN: As ilegalidades cometidas. Não ter sido respeitado o prazo dos 20 dias para a publicitação da prova, a inexistência de listas de candidatos, apesar de o despacho publicado falar em listas, a exclusão de professores da realização da prova que estavam nas mesmas condições de outros que foram convocados. Isto antes da prova se realizar. Depois, temos a forma como a própria PACC se realizou em muitas escolas, sendo desrespeitados todos os normativos estabelecidos, como horários ou número de vigilantes, entre outros aspetos que constituem, de facto, quebra de equidade entre candidatos. Mas também iremos acionar os adequados mecanismos legais contra um diretor geral que enviou uma informação às escolas inviabilizando, na prática, a realização de reuniões sindicais devidamente convocadas e contra quem, nas escolas, violou o direito de reunião e a liberdade sindical, direitos com consagração constitucional.

O ministro tem afirmado que os tribunais lhe deram razão…

MN: Às tantas tem algum canal privilegiado de informação. Não ganhou, sequer, as providências agora entregues e muito menos as ações, sejam estas ou as de dezembro, pois não há ainda qualquer decisão dos tribunais em relação a isso.

Diz o ministro que os Sindicatos recorrem muito aos tribunais por não pagarem custas. É assim?

MN: Não. Os Sindicatos recorrem muito aos tribunais por haver governantes que desrespeitam as leis. Se assim não fosse não seria necessário. Se não fossem os recursos aos tribunais, centenas de professores não teriam recebido a compensação por caducidade dos seus contratos e os professores indevidamente colocados no índice 245 da carreira, por lá permaneceriam, isto só para dar dois exemplos recentes. Mas não é verdade o que diz das custas. Os Sindicatos apenas ficam isentos quando representam interesses coletivos, uma decisão que é do juiz, e mesmo nesse caso poderão ter de pagar as despesas feitas pela outra parte. Acresce que sempre que pagam custas, os Sindicatos utilizam o dinheiro de quem representam, os seus associados. Já os governantes, quando são condenados, esses sim não pagam nada, pois as custas são pagas com o dinheiro de todos nós, os contribuintes

Ainda em relação à PACC, pode o MEC retirar dos concursos quem não fez a prova ou não obteve sucesso?

MN: Se o fizer, lá terão os Sindicatos de voltar aos tribunais, entre outras instâncias. Apoiaremos todos os professores que requererem em tribunal a impugnação das listas definitivas de colocação, caso delas sejam retirados. Isto, independentemente de terem ou não possibilidade de colocação. Recordo que o MEC, mesmo sabendo-se que nenhum docente teria possibilidade de colocação, foi obrigado a abrir um concurso, no ano passado, para que os docentes das regiões autónomas se pudessem candidatar à vinculação extraordinária, pois tinham sido impedidos de o fazer. Temos já fundamentação jurídica para o que afirmamos, mas, caso sejam excluídos das listas alguns milhares de docentes, é bem provável que a contestação não se limite aos tribunais. Vamos aguardar.

Esta prova tem os dias contados, como se tem ouvido?

MN: Estou certo disso. Penso que serão tantos ou, desejavelmente, tão poucos, quantos os dias que têm os galos que tanto mandam no seu poleiro ministerial.

Mas para os professores, os problemas não ficam por aqui…

MN: Infelizmente não. O mesmo MEC que hoje pede a colaboração de alguns professores para vigiarem outros, prepara-se para divulgar as listas de horários-zero a partir das quais irá remeter – se conseguir – alguns milhares para a mobilidade especial já no próximo ano letivo. É também esse MEC que pede tal colaboração que anda a oferecer prémios em dinheiro às câmaras municipais que consigam “abater” professores do seu concelho. São ainda aqueles governantes que pretendem entregar os alunos aos privados, transformando as crianças e os jovens em mercadoria e o dinheiro dos contribuintes aos interesses dos operadores privados. São os governantes que são suportados por uma maioria PSD e CDS que, ontem, dia 25 de julho, impôs a extinção das grelhas salariais do ECD, com os professores a transitarem para uma tabela geral. Irão agora, os governantes, tentar desvalorizar as carreiras destes profissionais. Estes e outros problemas merecerão dos professores uma forte contestação, logo que terminem as suas merecidas férias. Disso podem estar certos os tais governantes.