Nacional
"Mais uma iniciativa de grande importância"

Deputados requerem declaração de inconstitucionalidade dos cortes salariais

27 de janeiro, 2011

Vinte e três deputados do PCP e do BE requereram ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade da redução salarial imposta pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2011), aprovada pelos votos favoráveis do PS e a abstenção do PSD. É mais uma iniciativa de grande importância que se junta a toda a contestação que os Sindicatos da FENPROF e os professores individualmente têm vindo a fazer. A Federação Nacional dos Professores saúda esta iniciativa parlamentar e divulga o requerimento que os/as deputados/as de BE e PCP subscreveram:

Exmº Senhor`
Presidente do Tribunal Constitucional
Palácio Ratton
Rua de “O Século”, 111
1250 Lisboa

Os Deputados à Assembleia da República abaixo-assinados, nos termos do art. 281º, nº 1, al. a), e nº 2, al. f), da Constituição da República Portuguesa, e dos arts. 51º e seguintes da Lei do Tribunal Constitucional, vêm requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, para os efeitos do art. 282º da Constituição, da norma do art. 19º da Lei do Orçamento de Estado para 2011, aprovada pela Lei nº 55-A//2010 de 2010-12-31, nos termos e com os fundamentos seguintes:

A)  Introdução

1) Em 26 de Novembro de 2010, o plenário da Assembleia da República aprovou, em votação final global, a Lei do Orçamento do Estado para 2011, diploma que depois viria a ser promulgado pelo Presidente da República e publicado no Diário da República, em 31 de Dezembro de 2010, como Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro.

2) No artigo 19º dessa Lei do Orçamento do Estado para 2011, estabelece-se a redução definitiva e permanente das remunerações de diversas categorias de trabalhadores e dirigentes da Administração Pública e instituições equipadas, extenso artigo que damos aqui por integralmente reproduzido.

3) O principal preceito que cumpre evidenciar desse artigo 19º é o que consta do seu nº 1, no qual se afirma que “1 – A 1 de Janeiro de 2011 são reduzidas as remunerações totais ilíquidas mensais das pessoas a que se refere o nº 9, de valor superior a 1500 euros, quer estejam em exercício de funções naquela data, quer iniciem tal exercício, a qualquer título, depois dela, nos seguintes termos: a) 3,5% sobre o valor total das remunerações superiores a 1500 euros e inferiores a 2000 euros; b) 3,5% sobre o valor de 2000 euros acrescido de 16% sobre o valor da remuneração total que exceda os 2000 euros, perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5% e 10%, no caso das remunerações iguais ou superiores a 2000 euros até 4165 euros; c) 10% sobre o valor total das remunerações superiores a 4165 euros”.

4) Nesse mesmo artigo 19º da Lei nº 55-A/2010, ainda se esclarece, no seu nº 8, que “A redução remuneratória prevista no presente artigo tem por base a remuneração total ilíquida apurada após a aplicação das reduções previstas nos artigos 11º e 12º da lei n.º12-A/2010 de 30 de Junho, e na Lei 47/2010 de 7 de Setembro, para o universo neles referidos.”

5) Cumpre ainda mencionar como sendo objecto do presente pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade os artigos 20º e 21º da Lei nº 55-A/2010, na medida em que igualmente estabelecem reduções definitivas, respectivamente, nas remunerações dos juízes e dos magistrados do Ministério Público, preceitos que também se dão aqui por integralmente reproduzidos.

6) Ao contrário do que tem sido noticiado, essa é uma redução definitiva, e não apenas temporária, uma vez que a alteração legislativa que se introduziu não foi acompanhada de qualquer cláusula de temporalidade.

7) Nem sequer serve de argumento para dizer o contrário o facto de a Lei do Orçamento do Estado ser um diploma legislativo temporário em atenção à previsão que nele se faz das receitas e despesas a realizar no ano a que respeita, porquanto essa temporalidade é das verbas e não da parte normativa que as leis orçamentais têm vindo a acrescentar cada vez mais.

8) De resto, a leitura do último preceito da Lei nº 55-A/2010, o artigo 187º, é muito elucidativa a este propósito uma vez que nele estabelece o início da vigência de todo o diploma não simultaneamente estabelecendo qualquer fim para a sua vigência, daí se retirando o óbvio resultado de aquelas reduções valerem a título permanente.

9)  A gravidade desta medida, para além daquilo que tem de injusto e de imoral, é também de natureza jurídica, por violar a Constituição da República Portuguesa, em várias das suas disposições e princípios.

 B)  Violação do princípio do Estado de Direito

10)  Em primeiro lugar, essa norma afigura-se inconstitucional por ofender o princípio constitucional do Estado de Direito, tal como ele é plasmado no art. 2º do texto da Constituição.

11)  Através desse princípio constitucional, podemos perceber que o Estado de Direito implica uma relação de confiança com os cidadãos, não podendo o poder público, sem justificação ou fundamentação material bastante, frustrar as legítimas expectativas criadas.

12)  O princípio do Estado de Direito, nesta vertente do subprincípio da protecção da confiança, não impede a alteração das leis, mesmo que isso corresponda a alterações globais de projectos profissionais na Administração Pública.

13)  Mas decerto que esse princípio não aceita que tais alterações ponham em causa, para sempre, níveis remuneratórios que legitimamente os trabalhadores em funções públicas consideraram essenciais e irredutíveis no sentido de a partir deles terem construído as suas opções profissionais.

14)  E essa violação é tanto mais violenta quanto é certo ser ela uma infracção que se traduz numa reduz salarial permanente, sem que aos trabalhadores sejam dadas perspectivas de reposição, no futuro, dos níveis que até agora têm tido e que não têm sido questionados.

15)  Por outro lado, não se pode esquecer ainda o facto de essa violação se justificar no carácter arbitrário da redução porque, sendo permanente, ela assenta num pressuposto que é temporário, que é o pressuposto da crise económico-financeira que grassa no país.

16)  Pelo que também por esta via não se vislumbra a justificação material para aquela redução, que nem sequer se mostra ser temporária, antes definitiva. 

17)   Neste exacto sentido, aliás, já decidiram os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 303/90, de 21/11, e nº 141/2002, de 9/4, relativos, respectivamente, a uma norma da Lei do Orçamento do Estado de 1989 que determinou o abaixamento dos vencimentos de um certo conjunto de professores e a uma norma da Lei do Orçamento do Estado de 1992 que, estabelecendo o limite máximo da remuneração do Primeiro-Ministro para os vencimentos de determinados funcionários públicos, implicou, nalguns casos, a redução de tais vencimentos.

C) Violação do princípio da igualdade

18)  Em segundo lugar, essa norma incluída na Lei do Orçamento do Estado para 2011 que reduziu os salários dos trabalhadores em funções públicas é também violadora do princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da Constituição.

19)  Por esse princípio se percebe que o legislador não pode determinar as suas normas de um modo caprichoso, antes se submete a sérios e rigorosos ditames de igualação e de discriminação positiva, conforme os casos.

20)  Na norma objecto deste pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade ao Tribunal Constitucional, a discriminação negativa dos trabalhadores da Administração Pública é manifesta por terem sido prejudicados com esta redução definitiva de salários, sendo certo que há outras categorias de trabalhadores que são igualmente pagos com dinheiros públicos e que não foram atingidos por uma idêntica medida.

21)  O legislador, na sua arbitrariedade claramente violadora deste critério de igualdade, chegou ao ponto de nalguns casos até ter construído uma ideia alternativa de adaptação dos salários quanto a outros trabalhadores, e não propriamente a sua redução, com o subterfúgio de tais trabalhadores terem um título jurídico salarial diverso dos trabalhadores em funções públicas.

D) Violação do direito fundamental à não redução do salário

22)  Em terceiro lugar, cumpre ainda referir a circunstância de os salários dos trabalhadores da Administração Pública, que têm um regime próprio, beneficiarem de um regra de irredutibilidade geral dos mesmos, à semelhança do que sucede com as remunerações dos trabalhadores que se submetem ao Direito do Trabalho.

23)  E é bom de ver que os escassos casos em que a redução do salário é aceite não correspondem à norma que agora veio a ser incluído na Lei do Orçamento do Estado para 2011.

24)  Mas deve entender-se que estas normas dos regimes gerais dos trabalhadores em funções públicas ou do Código do Trabalho, integrando leis ordinárias, não são normas que possam ser simplesmente alteradas por uma outra lei ordinária, como a Lei do Orçamento do Estado para 2011.

25)  Essa é uma conclusão segura pelo facto de aquelas normas juslaborais, públicas ou privadas, reflectirem e concretizarem a realidade superior do direito ao trabalho e do direito ao salário justo dos trabalhadores, que são constitucionalmente acolhidos pelos princípios e pelas disposições que informam a Constituição Laboral.

26)  Recorde-se também que aquelas normas podem funcionar como direitos fundamentais legais, reconhecidos por legislação ordinária, mas que por via do art. 16º, nº 1, da Constituição, acabam por obter uma força constitucional paralela, a ponto de não poderem ser alteradas ou revogadas por uma lei ordinária posterior.

27)  Quer isto dizer que o legislador laboral, público e privado, tem criado novos direitos fundamentais dos trabalhadores por via dessa legislação, sendo o direito à irredutibilidade dos salários, públicos ou privados, um desses direitos fundamentais legais, mas com protecção constitucional.

E) Violação do direito fundamental de participar na elaboração da legislação laboral por parte das entidades representativas dos trabalhadores

28)  Em quarto lugar, é finalmente de mencionar o facto de esta legislação laboral que reduziu os salários não ter sido devidamente precedida pelas obrigatórias consultas às entidades representativas dos trabalhadores, sendo certo que a lei orçamental tem o mesmo regime, neste ponto, das outras leis.

29)  É isso o que se dispõe nos arts. 54º, nº 5, al. d), e 56º, nº 2, al. a), da Constituição, e também no art. 134º do Regimento da Assembleia da República, pelo que se trata de legislação inconstitucional por preterição dessa audição, pacificamente considerada obrigatória pelo próprio Tribunal Constitucional.

30)  E não parece haver dúvidas sobre o carácter laboral desta medida, até se podendo dizer que nenhuma outra norma se conhece como sendo tão laboral como esta, pois reduz aquilo que de mais essencial e sagrado um trabalhador tem, que é o seu salário.

Termos em que se pede ao Tribunal Constitucional a declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de todas as normas dos arts. 19º, 20º e 21º da Lei do Orçamento do Estado para 2011, aprovado pela Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, segundo o disposto no art. 282º da Constituição da República Portuguesa, tendo em consideração as inconstitucionalidades, materiais e formais, que absolutamente viciam tais normas, de acordo com os fundamentos invocados, assim se fazendo a costumeira Justiça.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2011.
Os Deputados à Assembleia da República