Nacional

Intervenção de Fred Van Leeuwen (IE)

29 de abril, 2016

Caros colegas e distintos convidados. 


Agradeço o convite que me foi endereçado para participar no vosso 12º Congresso Nacional. 

Agradeço igualmente as vossas contribuições para o trabalho da Internacional da Educação a nível mundial e na Europa. 

Sem vós não seríamos capazes de fazer as escolhas que permitem dar voz aos professores na cena internacional. 

E uma coisa vos garanto, a nossa está a ser ouvida. 

Em todos os continentes a nossa Campanha Unite 4 Quality Education tem sido bem-sucedida. 

As nossas mensagens estão a ser entendidas. 

Estamos determinados a proporcionar uma educação de qualidade a todas as crianças e jovens independentemente da sua origem.

No mês passado visitei pessoalmente uma escola em Berlin, que, segundo me tinha sido dito, recebeu um grande número de crianças refugiadas da Síria. 

“Quantos alunos refugiados é que há na escola?” perguntei à Diretora. 

“Não faço ideia”, disse-me. “Não os contámos.”  

Ocorreu-me de repente na altura que esta é uma das características, se não mesmo a alma da profissão de professor. 

O desejo de promover a equidade – na sala de aula, na escola e sim, na sociedade de forma geral. 

Não é coincidência o fato de muitos dos nossos colegas estarem profundamente preocupados com as dezenas de milhares de crianças refugiadas atualmente a caminho da Europa, a aguardar nas fronteiras da UE em condições miseráveis ou retidas – numa violação das convenções internacionais – em campos de detenção na Grécia.

A Europa celebra acordos questionáveis com a Turquia não estando assim à altura dos seus próprios elevados padrões morais. 

Aproveito esta oportunidade para vos pedir que apelem ao vosso Governo para fazer o que deve ser feito, ou seja que receba a sua quota parte de refugiados. 

Também nós iremos assumir as nossas responsabilidades. 

Este Outono, a Internacional da Educação irá reunir os líderes das organizações membro e professores no ativo de vários países para debaterem o flagelo das crianças refugiadas e intercambiarem métodos e práticas de ensino. 

Eventos como este representam o poder coletivo dos nossos sindicatos e da nossa atividade docente.

Colegas, as questões que irão debater nos próximos dias não são apenas importantes para Portugal, mas para uma série de outros países no mundo inteiro. 

O ensino de qualidade deixou de ser uma questão meramente interna e transformou-se se num desafio a nível mundial. 

Em setembro passado conseguimos que as Nações Unidas declarassem oficialmente a educação de qualidade, a educação primária e secundária gratuita e o ensino superior acessível, como um dos principais Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para os 15 próximos anos. 

A questão decisiva é, claro, como transformar esta declaração promissora, estas palavras encorajadoras, em políticas e medidas nacionais concretas. É possível que tenham algumas dúvidas.

E não vos responsabilizamos por isso. 

Estou perfeitamente ciente das condições difíceis que muitos têm enfrentado desde o início da crise da economia mundial há oito anos atrás. 

No interior da UE nenhuns outros países foram tão afetados como Portugal e Grécia. 

Mais de um quarto dos professores neste país trabalha sem qualquer garantia de emprego. 

Francamente, se existe uma definição de “emprego precário” dos professores, não há que procurar mais longe do que Portugal. 

É chocante. Contratos a prazo, salários baixos, condições de trabalho precárias. 

Esta realidade é a consequência de uma austeridade duradoura, uma política dissociada do que que é necessário para construir um sistema de educação de qualidade. 

Completamente afastada das necessidades dos nossos filhos para que possam ser bem-sucedidos no mundo.

Ainda na semana passada, a CSEE, a Região Europa da Internacional da Educação, publicou um relatório detalhado sobre a situação dos sistemas de ensino na Europa e a conclusão não é nada positiva. 

O relatório revela que o vosso próprio Governo diminuiu os gastos em educação para aproximadamente 3% do PIB. Esta percentagem está longe de ser adequada. 

E onde quer que constatamos que há Governos que não assumem as suas responsabilidades, as entidades privadas estão ansiosas por encher o vazio deixado. 

Esta questão leva-me ao debate global sobre o futuro da educação, que envolve duas visões de educação concorrentes, e todos vós aqui hoje estão no centro desse debate. 

A primeira visão assenta num entendimento de que sem um ensino público e professores altamente qualificados e altamente motivados com um elevado grau de autonomia profissional, haverá poucas hipóteses de todos os nossos filhos puderem desfrutar da educação que merecem. 

Tão pouco haverá muitas hipóteses para os países poderem ter sociedades estáveis e sustentáveis. 

A segunda visão é sustentada na ilusão de que a educação pode ser prestada de maneira barata e eficiente pelo mercado livre, de preferência com menos pessoal qualificado e uma solução liberal única de programas online e exames normalizados. 

Estou certo de que todos concordamos em afirmar que esta não é a nossa visão.

Em países como a Libéria, Quénia, Filipinas, mas também mais próximo de nós, em Inglaterra por exemplo, partes do sistema de ensino público estão a ser retiradas da alçada do Estado, passando a ser geridas por entidades privadas. 

Convém frisar que não nos opomos que empresas construam escolas e produzam materiais didáticos. 

Sempre o fizeram, não há razão para deixarem de o fazer. 

Onde devemos traçar a linha é quando as multinacionais começam a gerir as nossas escolas com o objetivo de obter lucros causando desigualdades sociais ou quando invadem o espaço profissional dos docentes e nos dizem o que ensinar e como lecionar.

Há um ano atrás, lançámos uma campanha mundial de mobilização dos sindicatos dos professores no mundo inteiro com o objetivo de impedir que as forças do mercado possam tomar controlo do nosso setor. 

Sejamos claros: enquanto na economia mundial os direitos dos investidores prevalecerem sobre os nossos direitos, prevalecerem sobre os direitos dos nossos estudantes e sobre os direitos humanos e dos sindicatos em geral, não poderemos permitir que as multinacionais conquistem o domínio público. 

Temos que levar esta visão deturpadora a julgamento. 

Temos que resistir aos acordos de comércio internacionais que reduzem a educação a uma mercadoria.  

Temos que transformar a nossa visão de educação de qualidade num direito fundamental protegido pelos Governos como única opção viável. 

O argumento de que não temos condições para sustentar um sistema de escola pública radiante é falso. 

Há dinheiro suficiente, mas está arrumado nos locais errados. 

A engenharia fiscal contínua levada a cabo pelas multinacionais e pelos denominados “Documentos de Panamá,” publicados há umas semanas, atrás provam o que já há muito sabíamos: demasiadas empresas e pessoas estão a fugir às suas responsabilidades fiscais. 

A questão é saber como fazer com que os triliões de dólares a circular no setor privado possam contribuir para a bem público. 

O vosso Congresso coincide com um ano significativo na história da educação e dos professores.  

5 de Outubro, Dia Mundial dos Professores, a nossa profissão, irá marcar o 50º aniversário da Recomendação da OIT/UNESCO relativa ao Estatuto dos Professores. 

Apesar de ter sido aprovada numa era já passada, os seus fundamentos permanecem vivos ainda hoje já que, e cito, é reconhecido “o papel essencial dos professores no avanço da educação e a importância da sua contribuição para o desenvolvimento do homem e da sociedade moderna.” 

Quando foi adotada em 1966, o vosso país tinha ainda então que se tornar numa democracia; a população mundial era metade da atual; e nós estávamos ainda a três anos de colocar um pé na lua. Nessa época os professores eram considerados essenciais! 

Na minha opinião esta deveria ser a situação atualmente. Ao entrarmos na chamada ‘Quarta Revolução Industrial,’ o mundo precisa desesperadamente de professores altamente qualificados, uma profissão docente forte para conduzir os nossos jovens rumo ao futuro. 

Contudo, esta é hoje a nossa situação, vivemos na dita sociedade ‘moderna’ que os autores da Recomendação imaginaram. 

Estou aliviado pelo fato desses autores não estarem hoje aqui para verem com os seus próprios olhos que no vosso país e em muitas outras partes do mundo, os professores têm excesso de trabalho; estão sobrecarregados; são mal remunerados; e desvalorizados. 

Se os Governos nacionais querem realmente melhorar a educação, têm que começar a dar ouvidos aos professores e a melhorar as suas condições de trabalho. 

São muitos os países onde não existe um verdadeiro diálogo social sobre os nossos desafios profissionais, mesmo países em que os direitos de contratação coletiva são aplicados em pleno. 

Existem alguns exemplos perturbantes de um completo desrespeito pela competência profissional que representamos coletivamente.

Serei um mensageiro da miséria e desolação? Não, não sou. Há luz ao fundo do túnel. 

Na verdade, acredito que a maré está a mudar. 

Talvez não sintam ainda esta realidade no vosso país, mas organizações influentes como a UNESCO e a OCDE, bem como um número cada vez maior de académicos de nomeada internacional, estão a cerrar fileiras com a Internacional da Educação. 

Na guerra de argumentos, estes académicos passaram para o nosso lado da ilha, e estão a subscrever a nossa opinião de que os Governos devem assumir a sua responsabilidade e proteger e melhorar os seus sistemas de ensino públicos através do financiamento adequado e do reforço da profissão docente. 

Colegas, com isto chego ao meu último ponto. 

Precisamos de voltar a tomar as rédeas da nossa própria profissão. 

Não devemos permitir que agentes externos, autoproclamados peritos, agências de consultoria e multinacionais estabeleçam as nossas normas. 

É por essa razão que começámos a desenvolver as nossas próprias diretrizes internacionais, parâmetros, para os docentes, que ajudarão as organizações membro a assumir a liderança estabelecendo as normas profissionais nos seus países.  

A nossa profissão é o nosso ativo mais valioso, a nossa arma mais efetiva para promover as nossas aspirações progressistas.

No ano passado a comunidade internacional acordou o caminho para criar um mundo melhor, mais justo. 

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável refletem o mundo que desejamos. 

Ao passar em revista os 17 Objetivos, desde a igualdade de género à água limpa e erradicação da pobreza, vejo o Objetivo de educação como componente central em todos eles. 

Desde a mais tenra idade aos estudos universitários avançados e terciários, a educação é um equalizador, retira as pessoas da pobreza e incentiva a inovação. 

Para a nossa organização e para os nossos filiados em 170 países, juntamente com os nossos 32 milhões de membros, estamos certos de que o caminho para um futuro sustentável passa pela sala de aula. E começa por vós.

Desejo-vos boa sorte nas vossas deliberações e debates nos próximos dias e aguardo com interesse os vossos resultados. 

Muito obrigado

 

Bem-haja