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Texto de Manuel Carvalho da Silva na edição de 22/6 do "DN"

União Europeia: presente e futuro

06 de julho, 2005

A Cimeira da União Europeia (U.E) de 16 e 17 de Junho parece ter deixado claro dois factos que se articulam: primeiro, o projecto de Tratado Constitucional (Constituição) está morto, por muito que alguns, fugindo da realidade, procurem remendar aspectos pontuais para o fazerem aprovar em tempo mais oportuno; segundo, está crescentemente em causa o projecto solidário e de coesão económica e social sempre referenciado como ideário para mobilizar os cidadãos europeus, ou seja, a U.E. está-se reduzindo a um espaço de mercado.

A União Europeia é o todo e as realidades concretas dos países, dos espaços geográficos, onde as pessoas vivem e trabalham. Há políticas a serem executadas e recomendações e normas emanadas das instituições da União, que tecem a realidade concreta das nossas vidas. As Directivas Bolkenstein e do Tempo de Trabalho não são ficção, são factos que atacam direitos dos trabalhadores. Quem insiste nelas é que, objectivamente, não quer a União Europeia que sempre foi prometida aos trabalhadores e aos povos, uma Europa com dimensão social. As forças conservadoras dominam o processo e os sociais democratas foram de cedência em cedência, estando agora mais manietados na sua acção.

Nos nossos países, há governos desenvolvendo políticas concretas que os cidadãos sentem ser injustas. Há realidades sociais duras: desemprego atingindo milhões de trabalhadores menos e mais qualificados; aumento dos horários de trabalho; aumento das precariedades; reduções de salários e de condições nas reformas.

A diminuição de direitos e condições de vida dos trabalhadores está a ser imposta sem qualquer objectivo de solidariedade, apenas para facilitar a acumulação do capital: querem impor-nos uma harmonização no retrocesso, sem situar o limite do recuo; querem destruir a negociação colectiva; estamos perante um ataque neo-liberal ao Estado Social, ataque esse que é numa das principais causas de não haver crescimento económico e destrói caminhos de desenvolvimento.

O Tratado não é separável da realidade concreta que se vive na Europa e da sua interligação com a dinâmica neo-liberal que varre o mundo. E é impossível debater o Tratado, sem debater o deficit democrático característico da construção da União Europeia.

Cada artigo do Tratado tem importância, na sua "letra e espírito", mas o debate é sobre: (i) a Europa e o seu lugar no mundo; (ii) o alargamento e as suas consequências (sempre secundarizadas); (iii) como a U.E. se pode constituir num modelo alternativo aos modelos dominantes no contexto da globalização capitalista; (iv) o conceito de coesão e os instrumentos comunitários para a garantir; (v) as mudanças estruturais e organizacionais das empresas, de forte pendor neo-liberal; (vi) os impactos da revolução do comércio mundial; (vii) como gerir o aumento da esperança de vida e da imigração e a evolução demográfica, valorizando os seres humanos e defendendo e reforçando o modelo social dos nossos países; (viii) as deslocalizações dentro do espaço comunitário e para fora dele.

As deslocalizações de empresas e serviços são um problema complexo, mas têm causas concretas: são filhas dos distintos e contraditórios graus de desenvolvimento; do dumping social; da livre circulação financeira e da actuação das multi-nacionais; do desmantelamento antecipado dos serviços públicos de segurança social, de saúde e de educação; duma divisão internacional do trabalho gerida pelo poder económico e financeiro e não pelos Estados; do esvaziamento da responsabilidade social; da submissão do poder político ao poder económico e financeiro; da subversão do funcionamento de órgãos de regulação e governação mundial.

O futuro reclama uma oposição forte ao rumo que está a ser seguido e a exigência de a U.E. ser um espaço de solidariedades diversas, de desenvolvimento, de justiça e paz, uma comunidade de Estados soberanos e iguais entre si, que cooperam em numerosos e importantes domínios.

É preciso reinvestir parte da riqueza produzida, na felicidade dos cidadãos, o que significa assegurar-lhes trabalho e efectividade de direitos sociais.

Os direitos dos trabalhadores constituem um dos elementos estruturantes e mais sólidos do desenvolvimento dos países.

Manuel Carvalho da Silva
Secretário-geral da CGTP-IN