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Artigo de Manuel Carvalho da Silva

A economia e o Código do Trabalho

11 de outubro, 2005

A raiz das dificuldades com que Portugal se debate assenta no facto de o país se ter "especializado", durante demasiado tempo, em produções assentes em mão-de-obra barata e trabalho pouco qualificado e precário. A economia portuguesa foi sujeita a fortes constrangimentos desde a integração europeia, mais tarde exacerbados pela participação no euro e depois pelo alargamento da UE e pelo aprofundamento da globalização económica.

Não houve respostas adequadas do lado das políticas públicas e muito menos do sector privado. As empresas, pressionadas por um contexto de maior concorrência, em vez de adoptarem estratégias de valorização produtiva, de inovação, de elevação do nível de qualificação da mão-de-obra, procuraram a compressão dos custos, a precarização dos empregos e a redução dos direitos laborais. O resultado foi a ineficiência do sector produtivo privado, a qual é bem mais grave e estrutural que a do sector público.

A solução para a actual situação não está em exigir-se mais sacrifícios aos trabalhadores no activo e aos reformados e em invocar, falsamente, o objectivo da justiça social, para nivelar por baixo todos os direitos laborais e sociais dos trabalhadores.

O patronato está a impor também com a colaboração deste Governo, a retirada ou limitação de direitos aos trabalhadores, invocando sempre os problemas da economia e, em particular, os da perda de competitividade e da produtividade. Infelizmente, constata-se que esta receita não tem resolvido os problemas do país.

Conhecidos economistas suportam "cientificamente" estas políticas receitando mais do mesmo. É muito provável que, daqui a pouco tempo, estejam de novo a constatar que a situação económica em nada melhorou e que são precisos mais e mais sacrifícios, sempre para os mesmos. Parece que o seu único objectivo é darem como certa a sua ciência. O comum dos portugueses e, em particular, os trabalhadores - as vítimas das receitas - surgem nas suas análises, cada vez mais, como os incapazes, uma espécie de aberração colectiva.

O estado a que chegou a economia, a regressão social que se sente na sociedade e a fraca valorização que o poder económico e político fazem do trabalho, colocam-nos perante a necessidade imperiosa de uma estratégia de desenvolvimento que articule avanços económicos com progressos sociais. Esta estratégia tem de assentar em três eixos essenciais: (i) dar prioridade ao sector produtivo, com qualificação da força do trabalho, qualidade do emprego e melhoria dos salários; (ii) concretizar políticas sociais que reduzam as desigualdades; (ii) dinamizar a contratação colectiva, valorizando os direitos/deveres dos trabalhadores, numa perspectiva de harmonização no progresso.

Estamos hoje perante uma crise da contratação colectiva que é inseparável das novas regras estabelecidas no Código do Trabalho que, ao prever disposições como a caducidade das convenções e a possibilidade destas estabelecerem normas menos favoráveis que as da lei, agravou muito a situação antes existente.

O Governo reconheceu que a crise está associada ao Código de Trabalho.

Todavia, na sua proposta para "resolução" dos problemas, apresentada em 18 de Julho - que corresponde, no essencial, às posições do patronato e para a qual também arranjou o patrocínio da UGT -, o Governo mantém a caducidade das convenções, não altera o art. 4º que subverte o princípio do tratamento mais favorável e, pretende limitar os efeitos do Acórdão do Tribunal Constitucional sobre a manutenção dos direitos contratuais dos trabalhadores, que se transferem para a esfera individual, em caso de caducidade.

O Governo age assim de forma injusta e perigosa. Cedendo ao patronato, abandonando as posições que o PS assumira enquanto oposição e até no Programa do Governo, torna-se, a partir daqui, parte responsável pelos processos que conduzam à caducidade das convenções colectivas e credencia um modelo de relações de trabalho que limita as possibilidades de desenvolvimento do país.

A discussão desta matéria passa, agora, para a Assembleia da República que, obrigatoriamente, a vai colocar à discussão pública. As forças políticas devem assumir as suas responsabilidades. Os trabalhadores estarão no debate e irão mobilizar-se para defender a contratação colectiva.

Carvalho da Silva
DN
3/08/2005