Nacional Carreira Docente
Sobre o concurso a professores titulares

Texto entregue na Provedoria de Justiça a 29 de Maio de 2007

10 de julho, 2007

Relativamente ao Decreto-Lei n.º 200/2007, de 22 de Maio, que regulamenta o primeiro concurso para acesso à categoria de titular, criada pelo Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro (ECD), são as seguintes as situações que a Plataforma Sindical dos Professores considera que deverão merecer apreciação quanto à sua constitucionalidade e/ou legalidade, bem como em relação às graves injustiças que promovem entre docentes:

 

1. FRUSTRAÇÃO DE EXPECTATIVAS JURÍDICAS E DE CONFIANÇA NO REGIME JURÍDICO - CONSTITUCIONALIDADE DUVIDOSA

 

 - Muitos docentes não progrediram na carreira devido ao "bloqueamento" imposto pela Lei n.º 43/2005, prorrogada pela Lei n.º 53-C/2006. Devido a estas leis, há docentes que não progrediram aos 8.º, 9.º e 10.º escalões, entre outros, apesar de terem cumprido todos os requisitos legais estabelecidos (avaliação do desempenho e créditos de formação), devido à não contagem do tempo de serviço prestado. Mas estes docentes sabiam que, quando ocorresse o "desbloqueamento" da carreira, progrediriam (alguns, os que tinham a sua progressão prevista para os 60 dias subsequentes ao "congelamento", ainda nos termos e nos tempos consagrados no anterior estatuto).

Só que, durante o período de "congelamento", que já atinge cerca de 2 anos, a estrutura de carreira foi alterada, o que determinará que as progressões nos três escalões de topo da carreira passem a estar sujeitas à contabilização de pontos acumulados, designadamente: pelo exercício de funções e cargos, pelo número de faltas justificadas verificadas e pelo número de vagas que o Governo vier a criar. Ou seja, o Governo aproveitou o período de "congelamento" do tempo de serviço para alterar as regras da carreira, frustrando as legítimas expectativas dos docentes.

Além disso, todos os que deveriam ter progredido ao 8.º escalão e disso foram impedidos, estão agora impossibilitados de ser opositores ao concurso; os docentes que deveriam ter progredido ao 10.º escalão e que, por essa razão, não deveriam estar sujeitos à existência de vagas, estarão dependentes das que o Governo vier a abrir.

 

- De acordo com o número 1 do Decreto-Lei n.º 200/2007, de 22 de Maio, os docentes apenas podem concorrer aos concursos abertos na escola ou no agrupamento que integra a escola em que exercem funções. Tal significa que os docentes transitoriamente destacados em escolas a cujo quadro não pertencem terão aí de se candidatar. No caso de conseguirem aceder à categoria de professor titular, no acesso a estes quadros estarão a ultrapassar docentes dos quadros daquelas escolas, que também se candidataram, o que, em muitos casos, significará a negação do princípio da "graduação profissional" que continua a ser o princípio orientador para a colocação dos docentes em escolas ou quadros de zona pedagógica, de acordo com o disposto no Decreto-Lei n.º 20/2006, de 31 de Janeiro.

 

- A alínea b) do número 10 do Artigo 10.º deste Decreto-Lei, refere as ausências ao serviço que, excepcionalmente, não relevarão para efeitos de penalização dos docentes na ponderação para acesso à categoria de professor titular. Tendo em conta o disposto no Artigo 103.º do ECD, consagrado no DL n.º 15/2007, de 19 de Janeiro, nenhuma das faltas justificadas que nele se prevêem deveriam penalizar os professores e educadores. De facto, refere aquele artigo que "Para efeitos de aplicação do disposto no presente estatuto, consideram-se ausências equiparadas a prestação efectiva de serviço, para além das consagradas em legislação própria" outras que se identificam em oito alíneas que se seguem, de a) a h). Ora, o disposto no DL n.º 200/2007, de 22 de Maio, correspondendo a uma regulamentação do Estatuto da Carreira Docente, não deverá contrariar as suas normas, designadamente esta, como acontece com a aplicação desta alínea b) do número 10 do Artigo 10.º.

 No Anexo II, relativo aos "Critérios e pontuações de análise curricular nos termos do n.º 15 do artigo 10.º", o ponto 3.4, referente à Assiduidade, estabelece uma escala de classificações de acordo com intervalos de faltas. Em suma, o ME atribui agora um efeito às faltas justificadas dadas nos últimos 7 anos, que não estava previsto nos quadros legais em vigor. Além disso, há faltas que, desta forma, têm uma dupla penalização para os docentes, como é o caso das faltas por doença, justificadas por atestado médico. Esta descontam no vencimento do professor nos primeiros 30 dias, descontam no tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira a partir do 31.º dia e, agora, com esta norma, passam também a descontar na pontuação dos docentes para efeitos de candidatura de acesso à categoria de titular.

 

 

2. ASPECTOS QUE INDICIAM SITUAÇÃO DE DESIGUALDADE - CONSTITUCIONALIDADE DUVIDOSA

 

- A formação especializada prevista na alínea b) do número 4 do Artigo 10.º do DL n.º 200/2007, de 22 de Maio, é relevante para efeitos de ponderação, excepto se tiver conferido direito ao reposicionamento nos escalões da anterior estrutura da carreira. Sendo questões de natureza diversa (o anterior reposicionamento na carreira e, agora, o acesso a uma categoria de conteúdo funcional específico, única garantia para acesso ao escalão de topo) não se compreende o tratamento desigual que é dado a docentes que apresentam precisamente a mesma formação especializada, sendo penalizados os que, nos termos de legislação já revogada, adquiriam equiparação ao grau académico de licenciatura.

 

- De acordo com o número 6 do Artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 200/2007, de 22 de Maio, a ponderação dos factores relativos ao item "experiência profissional", apenas se referem ao período compreendido entre o ano 1999/2000 e 2005/2006. Ou seja, os professores e educadores que tenham serviço relevante prestado nas escolas (quer no âmbito da sua direcção e gestão, quer no desempenho de outros cargos), tenham uma assiduidade que poderá ser plena, tenham sido autores de programas ou de manuais escolares, mas, por razões diversas, essas situações tenham ocorrido há mais de 7 anos (referimo-nos a docentes que, em muitos casos, têm mais de 30 anos de serviço), verão pura e simplesmente ignorado o seu passado profissional. Isto é, o ME pretende que a selecção para acesso à categoria de professor titular assente numa apreciação curricular que, com as regras que impõe, não tem em conta todo o curriculum vitae do docente, o que cria situações de manifesta desigualdade e injustiça.

 

- Os requisitos de admissão referidos no Artigo 13.º, número 1, do DL n.º 200/2007, de 22 de Maio, excluem a possibilidade de apresentação de candidatura, neste primeiro concurso, por parte dos docentes bacharéis, bem como dos que se encontrem com dispensa total ou parcial de serviço por razões de doença (DL n.º 224/2006, de 13 de Novembro).

Relativamente aos docentes bacharéis não se compreende por que razão é que encontrando-se em escalões que permitem a apresentação a concurso (8.º e 9.º), não havendo qualquer constrangimento legal à assunção de cargos e funções nas escolas, designadamente no âmbito da sua direcção e gestão e estando prevista a possibilidade de se candidatarem em próximo concurso, por que razão são impedidos de se apresentarem a este. Parece-nos um tratamento claramente discriminatório e que consubstancia uma desigualdade de facto.

Quanto aos docentes que se encontram dispensados de componente lectiva por razões de doença, mas que, em 1 de Setembro próximo, regressarão às suas escolas onde desenvolverão, como qualquer outro, actividade lectiva, também nos parece discriminatório o impedimento de se candidatarem, na medida em que as suas funções como professores titulares apenas iniciariam no próximo ano escolar, ou seja, no momento em que já se encontram no exercício pleno das suas funções.

Surpreendente, ainda, é que uns e outros possam ser substitutos de membros da comissão de certificação das candidaturas (Artigo 7.º) e mesmo do júri (Artigo 8.º).

 

- Tendo em consideração a forma como o DL 200/2006, de 22 de Maio, prevê o acesso à categoria de titular, há a possibilidade de serem criadas graves desigualdades entre docentes, incluindo da mesma escola, em que alguns menos pontuados poderão ter acesso à categoria de professor titular, ao contrário de outros com pontuação mais elevada. Por exemplo, um docente do 10.º escalão com 94 pontos não acederá à categoria de professor titular, por outro lado, um docente do 8.º ou 9.º escalões, mesmo tendo menor pontuação, poderá aceder desde que entre no número de vagas estabelecidas para o seu agrupamento. Também entre escolas se criarão situações desiguais, na medida em que em determinada escola a pontuação que determinará o acesso à categoria de titular (através do preenchimento das vagas colocadas a concurso) poderá diferir muito da que, em outra, permitirá esse acesso. Tal situação decorre, também, do facto deste concurso ser aberto, em cada escola, apenas aos docentes que nela exercem funções.

 

- Os docentes que obtiveram o grau de mestre ou de doutor serão, também, alvo de tratamento diferenciado. Se a obtenção teve lugar quando já se encontravam na carreira, relevará para efeitos de ponderação (pontos 1.2 e 1.3, do Anexo II), caso contrário, ou seja, se o docente se encontrava apenas na situação de contratado ou estava desempregado quando adquiriu qualquer daqueles graus académicos, então não terá direito àquela ponderação.

 

3. OUTROS ASPECTOS DE CONSTITUCIONALIDADE DUVIDOSA

 

Anexo II, relativo aos "Critérios e pontuações de análise curricular nos termos do n.º 15 do artigo 10.º": O ponto 3.3.4 atribui 2 pontos ao que se designa por "Exercício de outras funções". Neste ponto, como em todo o articulado do Decreto-Lei n.º 200/2006, de 22 de Maio, não se referem quais as funções aqui consideradas. Contudo, durante o processo de negociação desta legislação, o Ministério da Educação informou as organizações sindicais de que se consideravam neste item as funções de deputado, autarca em tempo integral, dirigente sindical com redução total de serviço, entre outras. Ora, pelo menos em relação a estas situações, parece-nos existir uma grave inconstitucionalidade, na medida em que nenhum cidadão pode ser prejudicado pelo desempenho de funções de interesse público (como são os casos das funções de deputado e autarca) ou pelo exercício de actividade sindical, como parece pretender o ME, embora sem o assumir explicitamente no diploma legal.

 

 

4. ASPECTOS QUE SE CONSIDERAM DE LEGALIDADE DUVIDOSA

 

- O Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro (ECD), prevê, no Artigo 6.º das Disposições Transitórias a necessidade de ser publicada uma portaria para que se criem os quadros de agrupamento que substituirão os quadros de escola. O Artigo 3.º do Decreto-Lei número 200/2007 prevê que o concurso abra vagas para quadros de agrupamento sem que a referida portaria tenha sido publicada.

 

- O Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro (ECD), prevê, no Artigo 26.º, número 3, que a dotação de lugares para a categoria de professor titular corresponde, por quadro de agrupamento ou escola não agrupada, a um terço (1/3) do número total de lugares do respectivo quadro. Já o número 2 do Artigo 4.º do DL n.º 200/2007, de 22 de Maio, refere que a fixação de lugares a prover será fixado por despacho do Ministério da Educação. Esta é uma norma que contraria a regra geral estabelecida no ECD.

 

- Este concurso não prevê o direito de reclamação que deverá ser reconhecido aos candidatos como, aliás, acontece com os candidatos aos restantes concursos de docentes, excepto os que regulam a contratação, uma vez que esta se rege pelas normas de direito privado. O Artigo 21.º prevê apenas a interposição de recurso, o que significa a possibilidade de serem cometidos erros que, posteriormente, serão de difícil resolução.

 

 

5. ASPECTOS QUE PROVOCAM INJUSTIÇAS, CONSTITUEM INCOERÊNCIAS E SUSCITAM DÚVIDAS DECORRENTES DE OMISSÕES

 

- O DL n.º 200/2007, de 22 de Maio, estrutura os grupos de recrutamento em departamentos que têm efeito para este concurso. Tais departamentos, se tivermos em conta o conteúdo funcional atribuído aos professores titulares, têm pouco sentido e poderão criar dificuldades, designadamente no âmbito da avaliação do desempenho dos professores, tarefa que está agora atribuída aos professores titulares. Veja-se, por exemplo, o facto de os docentes de Espanhol e Alemão integrarem o mesmo Departamento; o mesmo acontece com os docentes e Educação Moral e Religiosa Católica e os de Economia e Contabilidade; ou Ciências Agro-Pecuárias e os de Electrotecnia; ou Educação Musical e os de Educação Especial (âmbito de especialidade, por exemplo, de deficiência visual, ou deficiência auditiva).

Não estando garantida a existência de professores titulares em cada grupo de recrutamento, mas por departamento, a solução imposta pelo ME levanta grandes preocupações aos professores e educadores, designadamente quanto ao rigor do futuro regime de avaliação de desempenho, uma vez que dele depende a sua progressão.

 

- Esta estruturação dos grupos de recrutamento em departamentos criados para este concurso, levanta ainda outro tipo de dúvidas. Por exemplo, um docente destacado numa determinada escola apenas poderá ser candidato nessa escola. Ou seja, um docente de um determinado grupo de recrutamento, que não os de Educação Especial (1, 2 e 3), que esteja destacado numa determinada escola precisamente em Educação Especial, deverá candidatar-se em que departamento? No que contempla o seu grupo de recrutamento de origem ou no da Educação Especial? A legislação é omissa quanto a esta situação.

 

- O número 2 do Artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 200/2007, de 22 de Maio, refere que no caso de impedimento de um dos membros da comissão de certificação das candidaturas (cuja constituição se prevê no número 1 do mesmo artigo), será nomeado para o substituir o docente do agrupamento ou escola não agrupada, não opositor ao concurso, com mais tempo de serviço. Ou seja, por não haver qualquer outra referência, a norma admite que docentes legalmente impedidos de se apresentarem a concurso (limitações previstas no Artigo 13.º do Decreto-Lei) possam, no entanto, ser obrigados a integrar estas comissões de certificação. Tal parece-nos, até, abusivo da parte do legislador.

 

- No que se refere ao número 2 do Artigo 8.º, a situação é semelhante à anterior. Isto é, na substituição de membros do júri do concurso poderão ser chamados docentes que não se apresentaram a concurso por decisão própria ou que foram legalmente impedidos de o fazer. Apesar disso, e principalmente neste último caso, poderão ter de integrar um júri para acesso a uma categoria cujo acesso lhes está vedado.

 

- O número 2 do Artigo 18.º do DL n.º 200/2007, de 22 de Maio, prevê que os candidatos actualmente no 10.º escalão (índice 340), cujo concurso é regulado na alínea a) do Artigo 2.º, terão de obter uma classificação igual ou superior a 95 pontos. Por essa razão, os docentes que nos últimos 7 anos se dedicaram exclusivamente ao exercício de actividade lectiva (8 pontos por cada ano lectivo, em sete anos, o que perfaz 56 pontos), ainda que não tenham dado qualquer falta (7 pontos por cada ano lectivo, em 5 dos 7 anos considerados, o que perfaz 35 pontos) e tenham sido avaliados com Satisfaz (1 ponto), apenas conseguem atingir 92 pontos. Referimo-nos a docentes que podem ter um riquíssimo passado profissional, embora nos últimos sete anos se tivessem dedicado exclusivamente ao exercício de actividade lectiva. Esta situação parece-nos claramente discriminatória e tem consequências ainda mais graves para os docentes dos 2.º e 3.º Ciclos dos Ensino Básico e do Ensino Secundário, na medida em, que para a Educação Pré-Escolar e o 1.º Ciclo do Ensino Básico, a situação poderá ser compensada pelo ponto previsto no número 3.2.13 do Anexo II.

 

- Anexo II, relativo aos "Critérios e pontuações de análise curricular nos termos do n.º 15 do artigo 10.º": Desequilíbrio de pontuação entre o "Satisfaz" (ponto 2.1) e o "Bom" (ponto 2.2). Sabendo-se que pelo quadro legal revogado, que estabelecia o ECD, a candidatura dos docentes à atribuição da menção qualitativa de "Bom" se destinava, essencialmente, à possibilidade de candidatura à atribuição de "Muito Bom", e nunca tendo o ME regulamentado a atribuição desta menção, foram milhares os docentes que não se propuseram ao "Bom", uma vez que não existia qualquer consideração especial para tal situação.

 

- Anexo II, relativo aos "Critérios e pontuações de análise curricular nos termos do n.º 15 do artigo 10.º": O ponto "3 - Experiência profissional" refere, em título, que apenas será "pontuado uma vez". Estranha-se esta regra, até por não ser completamente esclarecedora: Uma vez por ano? Uma vez por cargo ou função desempenhada? Uma vez para todo o período de 7 anos considerado?

 

- Anexo II, relativo aos "Critérios e pontuações de análise curricular nos termos do n.º 15 do artigo 10.º": São diversas as referências ao exercício de funções na "Escola Portuguesa de Moçambique", designadamente nos pontos 3.2.3, 3.2.4, 3.2.8 e 3.2.30. Há certamente uma explicação para esta referência tão específica à Escola Portuguesa em Moçambique, mas que, sinceramente, nos escapa.

 

- Há inúmeras funções que não foram consideradas pelo Ministério da Educação, apesar de propostas pelas organizações ao longo do processo negocial. Tal omissão cria desigualdades entre docentes que, ao longo dos anos, assumiram as mais diversas funções e cargos nas escolas e agrupamentos

 

Tendo em conta as situações descritas, a Plataforma Sindical dos Professores espera das entidades responsáveis e com competências adequadas, as iniciativas possíveis no sentido de serem alteradas as situações descritas e que, salvo melhor opinião, indiciam a existência de graves inconstitucionalidades, ilegalidades e injustiças que decorrem do regime de concurso estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 200/2006, de 22 de Maio, que regula um concurso que determinará o futuro profissional de milhares de docentes.

 

Lisboa, 29 de Maio de 2007

A Plataforma Sindical dos Professores