Nacional
Os Sindicatos não se vendem. A dignidade dos docentes não se abate

20 de Outubro: declaração da Plataforma Sindical apresentada em conferência de imprensa

02 de janeiro, 2007

Nos dias anteriores à greve de 17 e 18 de Outubro os responsáveis pelo Ministério da Educação não se cansaram de propagandear uma 4ª versão do projecto de revisão do ECD a apresentar no dia 19. A expectativa, se alguma havia, foi completamente gorada: a tal versão definitiva (que aliás se traduziu num mero documento político e não em uma proposta no sentido real do termo) era "condicionada": só existiria se os sindicatos dos professores aceitassem "o compromisso de pôr termo à conflitualidade que nas últimas semanas se tem desenvolvido e de criar um clima de serenidade que possibilite a sua efectiva aplicação nas escolas", como se lê no texto entregue à Plataforma dos Sindicatos dos Professores. Ou seja, o Ministério propunha aos sindicatos que estes se transformassem em instrumentos do governo e negassem a sua essência desistindo de denunciar medidas e propostas altamente lesivas dos interesses dos professores e das escolas portuguesas. E que propunha o ME em troca de tão execrável proposta? A proclamada "4ª versão" apresentava, como medida emblemática, a extinção dos quadros de zona pedagógica com a consequente integração dos docentes em quadros de agrupamento, "de modo a reforçar a estabilidade do corpo docente".

É estranho que tal proposta surja neste contexto. Se tal situação era viável, por que razão não foram estes docentes colocados nos quadros de escolas/agrupamentos no último concurso? E não concorrerá esta medida para a proliferação de horários-zero, transformando-se pois não em uma medida de estabilidade, mas em medida de aumento da instabilidade para os professores? De facto quando actualmente existe um elevadíssimo número de docentes sem serviço lectivo distribuído (a quem teve de ser atribuída uma afectação administrativa), a redução tão drástica da área geográfica de colocação dos docentes, ainda mais divididos em duas categorias, poderá ter um impacto extremamente negativo, fazendo disparar de forma brutal o número dos que se tornariam alvo fácil da mobilidade especial/supranumerários. Mas sobretudo, se o Ministério está convencido que tal medida é útil para os professores e para as escolas, por que razão a faz depender da posição dos sindicatos, quando relativamente a outras, não hesita em impô-las contra a vontade dos professores e dos seus representantes?

Já no que concerne aos supranumerários, são curiosas as palavras do ME. Até agora, em sede negocial, justificou um conjunto de medidas (quotas de avaliação, categorias, congelamento do tempo de serviço) com regimes legais superiores que se aplicam a todos os trabalhadores da administração pública. Agora pretende passar a ideia de, nesta matéria, ser possível um regime de excepção para os professores. Se tal for possível, saúda-se, mas então exige-se que essa alegada abertura abranja outras matérias. A não acontecer conclui-se que as palavras do ME são não apenas de conveniência mas principalmente de intolerável chantagem.

 É óbvio que o ME pretende usar estas medidas, aparentemente benéficas, como forma de chantagem sobre os professores e os seus sindicatos!

 A lógica da "governamentalização" dos sindicatos atravessa de resto todo o texto apresentado aos sindicatos no dia 19. Só assim se entende que o ME "convide" os sindicatos para integrarem grupos de trabalho sobre matérias que legalmente são objecto obrigatório de negociação: a regulamentação da avaliação de desempenho, a regulamentação das provas de ingresso na profissão e acesso à carreira de titular, a definição de quadros de agrupamento e a situação dos docentes sem componente lectiva atribuída. Que sentido faz propor aos sindicatos que integrem grupos de trabalho de matérias que terão de negociar?

Jorge Pedreira, Secretário de Estado Adjunto e da Educação, parece não ter percebido que os sindicatos são pilares de uma sociedade democrática desde que cumpram o seu papel, mas que não fazem qualquer sentido se se transformarem em instrumentos do poder. O restante texto da propalada "derradeira versão" limita-se a repetir as pequenas alterações que foram sendo introduzidas ao longo do processo, a acrescentar algumas outras ou, numa hipocrisia lamentável, fazer "concessões" que mais não são do que o reconhecimento de direitos que inevitavelmente teriam de ser consignados: que as faltas equiparadas a serviço efectivamente prestado não podem prejudicar a avaliação dos professores, clarificar direitos e deveres inerentes ao exercício da função docente, abandonar a absurda exigência de que para efeitos de certificação das acções de formação contínua os docentes não pudessem dar uma única falta. Mas mantém sem qualquer alteração essencial as questões que os professores têm vindo a recusar, nomeadamente a criação de duas carreiras hierarquizadas, contingentação do acesso aos últimos escalões da carreira, quotas máximas para atribuição das classificações de Excelente e Muito Bom.

A reunião do dia 19 e as declarações públicas que Jorge Pedreira, Secretário de Estado, proferiu posteriormente tiveram como único objectivo um ataque tão insano quanto ilógico aos professores e aos seus sindicatos representativos. Aos primeiros por se atreverem a resistir `de forma decidida à destruição do seu Estatuto, da sua dignidade profissional, e à degradação da Escola Pública; aos segundos por organizarem a luta dos professores que representam em vez de serem meros instrumentos da vontade do poder. E numa metáfora tão infeliz quanto confusa, diz que se não acabarem as ondas se afundará "o barco". O barco da Educação não vai ao fundo com a luta dos professores pelos seus direitos nem com a intervenção firme dos sindicatos. O que levaria "o barco" ao fundo, como a nossa história recente nos ensina é a inexistência de sindicatos fortes e intervenientes e o desinvestimento afrontoso na profissão docente.

Os sindicatos que constituem a Plataforma Sindical dos Professores não hesitam em denunciar este comportamento anómalo de um Secretário de Estado a quem a raiva causada pela luta dos professores parece ter obnubilado a dignidade que deve ser apanágio de quem exerce tão elevadas funções políticas. E nesse sentido vão solicitar a intervenção dos órgãos de soberania porque não podem ficar impunes declarações que objectivamente põem em causa o papel do movimento sindical numa sociedade democrática.

Lisboa, 20 de Outubro de 2006
A Plataforma de Sindicatos de Professores