Gestão Democrática das Escolas
Seminário nacional "Democracia na Escola Pública: que futuro?" reuniu em Lisboa mais de 250 participantes

Direcção e gestão das escolas: interessante debate confirmou propostas da FENPROF

25 de janeiro, 2008

"Quanto ao projecto aprovado pelo Governo, assentamos as nossas posições críticas em cinco aspectos principais: a imposição, a todas as escolas, de um órgão de gestão unipessoal; a concentração de poderes no director; a desvalorização do conselho pedagógico; o fim do processo de eleição directa do órgão de gestão escolar; e a redução da participação e influência dos docentes na direcção e gestão das escolas".

A síntese é de Mário Nogueira, na intervenção de abertura do seminário "Democracia na Escola Pública: que futuro", que decorreu na sexta-feira, 25 de Janeiro, no auditório do Montepio, na Rua do Ouro, em Lisboa.

Educadores
, professores, estudantes, dirigentes da FENPROF, da CGTP-IN e da Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública (FNSFP), representantes do movimento associativo de pais e encarregados de educação, técnicos, especialistas e investigadores da área da Educação foram unânimes nas críticas ao projecto que o Governo aprovou e colocou em consulta pública até final deste mês de Janeiro, visando alterar o actual regime de direcção e gestão escolar.

A iniciativa da FENPROF reuniu mais de 250 participantes, oriundos de todas as regiões do País, do Norte ao Algarve, passando pelas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, e proporcionou um interessante e enriquecedor debate, como sublinharam à nossa reportagem vários dos intervenientes.

O encontro foi organizado em dois painéis, com espaço para intervenções dos elementos da mesa e da assistência: o primeiro no período da manhã, com apresentação e moderação de Manuela Mendonça, da Direcção do Sindicato dos Professores do Norte (SPN) e membro do Secretariado Nacional da FENPROF, em que se registaram as intervenções de Mário Nogueira, secretário-geral da Federação; Santana Castilho, docente da Escola Superior de Educação (ESE) de Santarém; e Virgínio Sá, docente da Universidade do Minho/Instituto de Educação e Psicologia (IEP).

No painel da tarde, o debate foi dinamizado pelos expressivos depoimentos de três docentes com responsabilidades na gestão de estabelecimentos de ensino: Luís Braga, do Agrupamento Vertical de Escolas de Darque (Viana do Castelo); João Belém, do Executivo da Escola Secundária Amato Lusitano, de Castelo Branco; e Conceição Crispim, do Executivo da Escola Secundária Sebastião da Gama, de Setúbal. Esta sessão foi dirigida por Francisco Almeida, da Direcção do SPRC e membro do SN da FENPROF.

"A FENPROF não fica de braços cruzados a aguardar a decisão final do Governo", garantiu Mário Nogueira, na intervenção de abertura. "Pelo contrário", acrescentou,  continuará a dinamizar a recolha de assinaturas em apoio ao documento (abaixo-assinado) que será entregue no ME, continuará a dinamizar a tomada de posições pelas escolas, não desistirá de lutar por uma escola que apele à participação de todos, uma escola que seja verdadeiramente democrática".

"Há que encontrar maneiras eficazes e criativas
de dizer não, de resistir"

Santana Castilho sublinhou que o documento do Governo não tomou em consideração qualquer avaliação da situação e da dinâmica actual da gestão nas escolas portuguesas, não tendo dados que permitam justificar as mudanças que o Executivo de Sócrates quer impor. 
Além de destacar que a negociação com os Sindicatos, tal como o ME a interpreta, é uma mera formalidade ("isto não é sério!"), o antigo secretário de Estado da Educação no Ministério de Fraústo da Silva referiu que o projecto em causa  "não serve a organização-escola, mas serve uma organização : a que tomou de assalto a escola pública", a partir dos gabinetes da 5 de Outubro.
"Ninguém, seriamente, propõe mudar seja o que for, sem uma avaliação daquilo que se quer mudar, fundamentando as razões pelas quais se propõe uma mudança. Nós não encontramos uma só razão para esta alteração. Porque muda? Porque sim, porque decidiram mudar...Não se encontra qualquer argumento nem no discurso do Primeiro Ministro na Assembleia, nem naqueles 69 artigos e naquele diploma que está agora à discussão."
O documento governamental, observou noutra passagem, não considera a heterogeneidade dos estabelecimentos de ensino e não estabelece condições para o real e necessário exercício da autonomia.
"Dum ponto de vista de teoria pura de gestão", prosseguiu, "é impossivel gerir a nossa rede de escolas com uma visão centralista, até agora dominante e que pretendem ampliar com esta proposta. Não é possivel obter os resultados que o País necessita com esse modelo de gestão. Consignar uma verdadeira autonomia às escolas é um imperativo para obter resultados  de qualidade nas escolas portugueses".
O que se prevê, alertou o cronista do "Público", é uma atitude, ampliada, de seguidismo, de amorfismo, de divisão, de clivagens e de desistências, que conduzirão as escolas para caminhos negativos e situações de instabilidade. "Há que encontrar maneiras eficazes e criativas de dizer não, de resistir", concluiu.

"Uma discriminação (negativa) cujos insondáveis
motivos escapam ao comum dos mortais..."

"O professor sob suspeita" foi um dos temas centrais da comunicação apresentada por Virgínio Sá, que afirmaria a dado passo:
"Propõe-se um "novo" órgão colegial de direcção agora designado "Conselho Geral". A sua composição e competências não apresentam, num primeiro nível de análise, diferenças significativas em relação à "velha" assembleia instituída pelo Dec.-Lei 115-A/98. Há ,contudo ,alguns "pequenos" pormenores. Se os corpos sociais aí representados são os mesmos, o seu peso relativo é agora diferente".
E especificou: "Por exemplo, o número de representantes dos professores não pode ser superior a "40 por cento da totalidade dos membros do Conselho Geral". O que antes era uma possibilidade (dependente da própria escola), torna-se agora uma imposição externa. Mais surpreendente: pelo menos 25 por cento dos candidatos à representação dos docentes têm que ser professores titulares. Este requisito faz o mesmo sentido que exigir que pelo menos 25 por cento dos candidatos a representar os pais estejam filiados no partido do Governo, ou que pelo menos 25 por cento dos candidatos a representar os alunos tenham olhos azuis, ou ainda que pelo menos 25 por cento dos candidatos à representação dos funcionários sejam destros. Mais notável ainda: o presidente do Conselho Geral não pode ser um professor! Até se poderia compreender que o presidente do CG não tivesse que ser um professor, impor que o não possa ser envolve uma discriminação (negativa) cujos insondáveis motivos escapam ao comum dos mortais..."

As "lideranças fortes", as manipulações
e o direito à indignação

Luis Braga criticou a desvalorização que é dada no projecto do ME aos múltiplos exemplos de "lideranças fortes" que têm decorrido em escolas e agrupamentos de todo o País e alertou para as  limitações do documento, por exemplo em matéria de "escolha"de professores para os cargos.Segundo o docente de Darque  a selecção dos directores por concurso poderá estar envolvida numa teia de ilegalidades.Acrescentou que a concepção de autonomia é pura retórica.

Para João Belém o projecto anunciado por Sócrates, entre outros aspectos negativos, marginaliza o enquadramento pedagógico da vida escolar. O docente de Castelo Branco criticou também a divisão artificial da classe docente em duas categorias hierarquizadas e alertou para o perigo das manipulações que o projecto governamental deixa adivinhar.

"A escola portuguesa tem que continuar a ser democrática", realçou Conceição Crispim, que chamou a atenção para a necessidade de "eficácia na nossa acção para nos libertarmos deste pesadelo". A docente de Setúbal alertou para "a hostilidade do projecto do Governo", que é um ataque  frontal à escola pública. "O professor quer ter o direito de eleger e de criar projectos e dinâmicas construtivas", observou Conceição Crispim, que afirmaria noutra passagem: "A indignação em grupo tem outra força. Temos que desmascarar o discurso que o Governo faz sobre a escola e sobre os professores. O professor não é a última peça de uma engrenagem caduca que nos querem impor". / JPO