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Dar MESMO prioridade à Educação, Prestigiar a Escola e a Profissão Docente

Documento do Secretariado Nacional da FENPROF

18 de fevereiro, 2007

ÍNDICE 

  

I - DA IDEOLOGIA NEOLIBERAL E SEUS REFLEXOS NA EDUCAÇÃO AO PAPEL DO SINDICALISMO

 

II - AS POLÍTICAS DO GOVERNO E DO ME E A ACÇÃO DA FENPROF

 

III - UMA ANÁLISE CRÍTICA AO SISTEMA EDUCATIVO; AS PROPOSTAS DA FENPROF

 

IV - O ROSTO DO PROFESSOR: O SEU PAPEL E PROFISSIONALIDADE NUM QUADRO DE AUTONOMIA DAS ESCOLAS

 

V - A FENPROF E AS SUAS DINÂMICAS

 


Dar MESMO prioridade à Educação

Prestigiar a Escola e a Profissão Docente

 

Documento aprovado e apresentado pelo Secretariado Nacional da FENPROF - Triénio 2007/2010

 

I. DA IDEOLOGIA NEOLIBERAL E SEUS REFLEXOS NA EDUCAÇÃO AO PAPEL DO SINDICALISMO

A. RELANCE PELO QUADRO POLÍTICO INTERNACIONAL E NACIONAL

1. O mundo unipolar que resulta da implosão do bloco socialista, no início da década de 90 do século passado, e do fim da chamada guerra fria, tem-se desen­volvido até hoje num sentido que resulta do facto de a potência dominante se pensar como absolutamente liberta de quaisquer amarras internacionais, se poder apresentar ao mundo como seu líder incontestado e, assim, ter criadas as condições para a generalização do seu modelo político, económico e financeiro. Ao mesmo tempo cuida do reforço do seu poderio militar numa perspectiva de intervenção rápida em qualquer parte do mundo, de que, infeliz­mente, há exemplos recentes e sobejamente conhecidos.

2. Não deixa de ser curioso, e significa­tivo, que, ao invés do que seria previsível após o período da guerra fria - o início de um percurso de desarma­mento progressivo, não só ao nível nuclear como também do armamento convencional -, se tenha assistido ao crescimento da corrida aos armamentos que, no caso dos Estados Unidos da América, atingiu valores orça­mentais nunca vistos e que se traduzem hoje num orçamento militar de uma dimensão superior à soma de todos os orçamentos equivalentes, de todos os países do mundo.

3. O traço mais marcante, ao nível económico, do prosseguimento desta perspectiva hegemónica de fazer política, assenta na generalização de um modelo neoliberal - para o crescimento do qual a potência dominante encontrou muitos e importantes parceiros - que, na sua implantação, apenas varia nos momentos e ritmos de desenvolvimento de cada país, já que a fórmula é invariavelmente a mesma e os objectivos que persegue rigorosamente iguais.

4. O neoliberalismo é um modelo político e económico que visa forçar a liberalização dos mercados, ao nível da circulação de mercadorias, circulação de capitais e produção de serviços; que visa a desregulamentação dos mercados, a nível interno, dentro das fronteiras de cada país, com particular ênfase no mercado de trabalho; que visa a redução do peso do sector público, privatizando os sectores produtivos e de prestação de serviços; que visa colocar um fim, ou proceder a uma redução radical, da gratuitidade dos serviços públicos; que aponta para a redução da progressividade dos impostos e o fim da capacidade autónoma de financiamento por parte de cada Estado.

5. Os efeitos nefastos do alastramento destas políticas têm levado a uma maior concentração da riqueza, a um desnive­lamento ainda mais acentuado entre países ricos e países pobres, ao crescimento acelerado de grandes grupos económicos e financeiros que acabam por se instalar em todo o mundo, à deslocalização das empresas pertença das grandes multina­cionais - sempre visando a exploração de mão-de-obra mais barata e com efeitos  dramáticos no mercado de trabalho, à descaracterização e empobrecimento dos sistemas de protecção social, à exposição dos trabalhadores a lógicas de precariedade dos seus vínculos laborais e de total instabilidade e incerteza quanto ao seu futuro profissional, e, em última análise, à pobreza absoluta e à fome em que vivem hoje muitos milhões de pessoas espalhadas por todo o mundo.

6. Vivemos hoje tempos em que até a guerra é exportada, se instala facilmente, mesmo que sob pueris e falsos pretextos, em qualquer parte do mundo, como forma de imposição dos interesses mais sórdidos da potência hegemónica e ao serviço do contínuo crescimento da sua poderosa indústria de armamentos. A maior parte dos palcos de guerra hoje existentes corres­pondem a países e nações que interessam às grandes indústrias multinacionais, com as petrolíferas em primeiro lugar, e que, por qualquer motivo, escapavam a lógicas de dominação dos grandes impérios econó­micos. Todos os outros motivos, com a imposição da democracia à cabeça, são falsos pretextos destinados a tentar enganar o mundo. O principal sintoma disto mesmo residir no facto de uma ditadura, por mais feroz que seja, ser boa se for amiga do império e ser passível de intervenção armada se for rebelde face aos seus interesses económicos.

7. No entanto, o mentor desta unipo­laridade começa a confrontar-se com situações que já não controla em absoluto e que se revelam até como capazes de se virem a constituir em poderosos obstáculos aos seus desígnios. Países também pode­rosos e em ritmo de crescimento claramente acima da média mundial, de que são exemplo a China e a Índia, vão, principal­mente no caso do primeiro, acrescentando à riqueza interna que vão gerando, ao seu crescimento económico, ao desenvol­vimento tecnológico que vão conseguindo e ao seu gigantismo como países, pers­pectivas de intervenção económica no exterior que, em muitos casos, tendem a ocupar espaços, antes, na mira ou na dependência das grandes e tradicionais empresas capitalistas e dos superiores interesses dos Estados Unidos da América.

8. Por outro lado, a América Latina é hoje um autêntico caldo de cultura para opções anti-neoliberais, de carácter autónomo e assentes na efectiva indepen­dência de um crescente número de Estados. Já não se pode falar hoje apenas de um pequeno país que há quase cinquenta anos vive cercado, da forma mais obstinada, cega e prepotente que se possa encontrar para definir uma perspectiva de bloqueio económico e político. Cuba tem sido um exemplo para o mundo inteiro de que é possível resistir-se ao assédio de uma grande potência, mesmo sendo um país pequeno e de poucos recursos, desde que se tenha um povo preparado para não vender por nenhum preço a sua indepen­dência.

9. Hoje, contudo, outros países per­correm o trilho da sua afirmação autónoma, da defesa dos seus ideários políticos próprios, da sua não sujeição a desígnios externos e interesses do grande capital.

10. Alguns desses países confrontam hoje, com firmeza e soluções alternativas, a instalação da ALCA (Associação para o Livre Comércio nas Américas), um Tratado de enorme importância para os países ricos, com os EUA à cabeça, e que não consegue dar passos bastantes para a sua instalação segundo o modelo original. De tal modo que aquilo a que se assiste hoje é à instalação de TLC (Tratado de Livre Comércio), de carácter bilateral, apenas com alguns países cujo poder ainda gravita na órbita do poder dominante. Um exemplo, a este nível, é o da Costa Rica, com um tratado assinado, mas firmemente combatido por parte da população, com especial relevo para o movimento sindical.

11. Três desses países, não só individual­mente se retiraram dessa órbita, como, entre si, encontraram uma fórmula organi­zativa comum - a ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas). Aí se juntam hoje, a Venezuela, a Bolívia e Cuba, visando a criação de boas e fáceis relações a todos os níveis, desde o económico ao educativo, passando pela cultura, pelo desporto, pela alfabetização acelerada das populações, entre outros domínios. A esses três países fala-se já em se lhes juntar um quarto, a Nicarágua, recém saída de um processo eleitoral que levou ao poder a Frente Sandinista de Libertação Nacional.

 12. Mas, para além destes, vários outros países desenvolvem já linhas políticas próprias e cada vez menos subservientes face ao poderoso vizinho do Norte, como o Brasil, a Argentina, o Uruguai, o Equador, entre outros. Trata-se, efectivamente, de um processo variado mas que contém em si próprio algumas linhas políticas extre­mamente interessantes e de afastamento progressivo, ainda que a ritmos diferentes, do neoliberalismo vigente.

13. No que se refere à Europa, e perante um quadro de alargamento progressivo da União Europeia, a toada neoliberal mantém ainda o seu esplendor, ainda que o seu corolário esteja agora submetido a uma postura de expectativa - a tão falada Constituição Europeia, cujo percurso está sujeito a uma pausa, para recuperar fôlego, depois dos dois "Não" referendados na Holanda e na França. Este documento, absolutamente estruturante do neolibe­ralismo europeu, para além de uma nova diminuição dos poderes próprios de cada país, constituiria também a forma institu­cional de regular um grande mercado, num sentido de instalar as liberdades do capital em detrimento das liberdades funda­mentais, abandonando definitivamente a ideia, astuciosamente enunciada, da Europa social, privilegiando a livre circulação de mercadorias, de serviços e do capital, face ao objectivo de aproximar positivamente os direitos dos trabalhadores e promover um bem-estar social generalizado.

14. Nesse sentido - o do nivelamento por baixo das garantias sociais dos trabalha­dores e as condições de acesso ao emprego - aponta a célebre Directiva Bolkestein, tão duramente contestada pelas organizações sociais da União Europeia ainda a quinze.

15. O rumo aqui apresentado para o quadro europeu marca presença, não só pela determinação legislativa comum aos diversos países que integram a União Europeia, mas também pela forma como cada país define o seu percurso próprio, em parte enquadrado por objectivos centrais mais amplos e, noutra parte, assumido por linhas de intervenção autonomamente delineadas. A cartilha neoliberal é única, mas os ritmos de aproximação são especí­ficos. E para a conjugação deste binómio pesa muito a vontade própria de cada governo, a forma como lhe cabe fazer o seu "trabalho de casa".

16. No caso português, o que se pode dizer do actual governo, dirigido por um partido que se reclama do socialismo, é que se vem revelando um aluno bem mais aplicado e cumpridor das "normas" que o seu antecessor, oriundo de uma área reconhecida como mais à direita no espectro político. Não será caso único na Europa, mas é, seguramente, um caso evidente de como a alternância no poder de forças políticas da área, por muitos designada como do "bloco central", não altera o essencial das políticas neoliberais em desenvolvimento; apenas aparece, quando muito, envolvida noutras roupagens, acompanhada de uma retórica discursiva distinta, mas perfeita­mente engajada nos mesmos conteúdos.

17. Assim, em Portugal, e já com o actual Governo, vimos assistindo ao aumento dos impostos, ao ataque aos direitos sociais (por alguns etiquetados como privilégios absurdos nos dias de hoje), à precarização ainda maior das relações de trabalho, à diminuição drástica da capacidade de resposta de serviços públicos essenciais, com destaque para a Saúde e a Educação, à privatização, clara ou encapotada, de serviços públicos, ao atrofia­mento do sistema de segurança social, tudo isto acompanhado do reforço financeiro e da capacidade de investimento da banca, bem como da instalação, cada vez mais facilita­da, do capital estrangeiro no nosso país.

18. Todo este conjunto de medidas, obedientes a uma política friamente delineada, podem servir os interesses do grande capital, internacional e nacional, mas não respondem, em absoluto, aos anseios da população em geral e dos trabalhadores, nem estão ao serviço de um desenvolvimento harmonioso, muito menos solidário e assente em profundas preocu­pações sociais, do nosso país.

B. REFLEXOS NA EDUCAÇÃO DAS POLÍTICAS NEOLIBERAIS

19. Portugal vive um preocupante período histórico-social, e dos mais complexos desde a Revolução de Abril, em que a precariedade do emprego e o desemprego, a exclusão social, o cresci­mento da pobreza e do número de pobres são alguns dos traços negros de uma sociedade pejada de injustiças.

20. Esta situação resulta, em boa parte, do brutal domínio do poder do capital económico e financeiro que usa, de forma desequilibrada e injusta, as grandes con­quistas científicas, técnicas, tecnológicas e comunicacionais, com a anuência do poder político.

21. Na verdade, o actual Governo aceita que o capitalismo neoliberal tenha, do ponto de vista ideo­lógico, procurado estender, sobre a inteligência dos povos, a ideia de que o presente é um horizonte inultra­passável e a sua substância se projecta, inalterável, no sem-fim do tempo. Tais asserções traduzem o acatamento, no plano político, das determinações estruturais do capitalismo avançado, considerado indes­trutível na sua própria essência.

22. Decretado que foi o fim da história, o fim das ideologias, o fim da luta de classes e as próprias classes, o fim do interesse dos humanos pela política, os promotores do neoliberalismo ficaram de mãos livres para prosseguir uma estratégia política com vista à privatização do que ia restando do chamado Estado providência ou Estado social, à supressão de conquistas dos trabalha­dores, ao desmantelamento de mecanismos de protecção social e à reorientação das funções económicas do Estado, de acordo com as exigências da nova ordem produtiva - é o mercado que deve passar a desem­penhar o papel de instância "providencial". Para isso, é necessário restaurar as "disci­plinas do mercado", encarados como um regulador espontâneo, cujo papel é o de substituir o reformismo "redistributivo" do Estado social. Estamos, assim, perante menos "Estado protector" e mais "Estado modernizador" e também na esteira de menos um "Estado empreendedor" e de mais um Estado ao serviço dos empresários. Aliás, o endeusamento do mercado tem servido para lançar uma falsa ideia, produzida pela ideologia neoliberal, segundo a qual as sociedades humanas poderão atingir a melhor situação económica possível se forem exclusivamente guiadas pelos mercados.

23. A FENPROF, com grande coesão e firmeza, tem vindo, desde sempre, a lutar contra este terrível clima de passividade individualista, gerado por sucessivos governos e que o actual pretende fazer crescer, ao proclamar, ora de um modo discreto ora insolente, o trabalho pernicioso dos sindicatos, secundado por ministros que consideram as organizações sindicais um factor de atraso e os sindicalistas despre­zíveis criaturas (vozes do Ministério da Economia e do Ministério da Educação). Não é exagero dizer-se que no seu património político-sindical há inumeráveis horas de resistência e inapagáveis jornadas vito­riosas, só possíveis com a coragem e a determinação dos docentes, que contri­buíram, inegavel­mente, para os avanços que se verificaram no sistema educativo do Portugal demo­crático.

24. Efectivamente, os trinta e três anos de democracia proporcionaram, apesar de políticas de sinal contrário, evidentes progressos na área da Educação. Entre outras melhorias, é possível assinalar o crescimento dos níveis de escolarização, apesar da estagnação verificada em meados da década de 90, o alargamento da escolaridade obrigatória, o significativo salto na frequência do ensino superior, o aumento do número de licenciados, mestres e doutores, pese embora o desemprego que atinge muita gente com aquelas qualifi­cações académicas, a gestão democrática das escolas, insistentemente atacada pelos últimos governos, o alargamento do parque escolar, insensatamente amputado por este Governo, o aumento do número de docentes profissionalizados e integrados nos quadros, a valorização salarial, posteriormente fustigada pela ausência de aumentos anuais ou por aumentos aquém da inflação.

25. O Portugal de Abril é inequivo­ca­mente melhor do que o Portugal amor­daçado pela ditadura fascista, mas continua um país cheio de contradições e de injustiças, massacrado por políticas de sucessivos governos que quase transfor­maram a nossa democracia numa pungente caricatura. E se a democracia ainda respira, isso se deve, em boa parte, à coragem e à determinação dos trabalhadores e à força de um movimento sindical coerente e consequente, fiel aos princípios que o fundaram.

26. Não obstante não sermos um país do terceiro mundo, só não hipotecaremos o futuro se formos capazes de fazer um esforço inteligente e consistente de aproximação dos padrões dos países do primeiro mundo. Essa aproximação exige políticas educativas que dotem Portugal de uma população qualificada nas áreas cientifica, técnica e tecnológica e simulta­nea­mente culta e dotada dos instrumentos necessários a uma análise crítica da realidade política, económica, social e cultural, de modo a poder transformá-la com o objectivo de se atingir uma sociedade plenamente democrática.

27. Aqui começam as insondáveis contradições das políticas do actual Governo de que a Educação é uma das principais vítimas. A ministra e a sua equipa têm feito esforços inauditos para conven­cerem os portugueses de que tudo que de mau acontece na escola é da responsa­bilidade dos professores, esquecendo-se os "governantes" de explicar que uma aposta verdadeira na melhoria da escola pública não se compagina com políticas assentes em mão-de-obra desqualificada e em baixos salários, ou vice-versa.

28. As recentes estatísticas que mos­tram a subida dos índices de reprovação e abandono escolar, nos diversos níveis de ensino, nos últimos anos, são a prova mais cabal do falhanço político na área da Educação e da falta de vontade política e visão estratégica, impulsionadoras da construção de uma Escola Democrática da mais alta qualidade e simultaneamente atraente para os alunos, realidade prioritária na luta contra a descrença na Escola e na escolarização, fruto de políticas globais que mantêm os espectros do desemprego e da precariedade de emprego perante o olhar amargo dos jovens e de seus pais. Um dos entraves a essa edificação será, com certeza, o ECD, publicado não com o intuito de valorizar a profissão docente, mas tão-só com dois objectivos fundamentais: 1º) reduzir a despesa global com o pagamento dos salários dos educadores e professores dos ensinos básico e secundário, ou seja, aliviar o Orçamento do Estado à custa da degradação dos salários dos docentes e do crescimento do desemprego; 2º) perseguir, em vários domínios, as suas vítimas de estimação (os docentes), penalizando-os com a aplicação de normas iníquas, algumas das quais, eventualmente, feridas de inconstitucionalidade.

29. Ora, ninguém entende que o Governo aposte na melhoria da escola pública e ao mesmo tempo desvalorize profissional e socialmente, por vezes de um modo intole­ravelmente grosseiro e, fre­quen­temente, calunioso, os docentes que nela trabalham.

30. O ponto de partida para essa campanha, que chegou a roçar a infâmia, assentava na avaliação muito negativa que o ME fazia dos professores. Avaliação que, além de falsa, se revestia de uma grande injustiça em relação à grande maioria dos docentes. O "crime" ministerial aprofunda-se quando o Governo, em vez de tomar medidas para elevar o desempenho menos bom de alguns profissionais, decidiu aviltar a imagem de toda a classe docente e dos sindicatos que, na opinião do Governo, defendiam corporativamente a mediocri­dade instalada nas escolas. Porém, saiu-lhe o tiro pela culatra, porque os docentes de todo o país se ergueram contra a injustiça e nenhum sindicato subscreveu o ECD que permaneceu, solitário, nas mãos de quem o gerou.

31. É necessário ainda assinalar que, com o decorrer do tempo, a opinião pública, que a ministra da Educação dizia ter com ela, se foi esclarecendo e percebeu que o professor é uma referência para a sociedade esclarecida e não um ser errático, egoísta e amorfo.

32. Se aos ensinos básico e secundário juntarmos o ensino superior, com a sua pesada história de insucesso educativo e abandono escolar, tragicamente esquecido pelo ministro da tutela que nada negoceia com os sindicatos e mantém estatutos de carreira profundamente desmotivadores dos anseios profissionais dos docentes, todos percebemos que o país está perante um panorama educativo que urge mudar, com a consciência de que tal mudança só é possível com efectivas e profundas altera­ções da política global do Governo cuja primeira decisão terá de ser, obriga­toriamente, a que conduzir à sua libertação das iníquas orientações e estratégias do capitalismo neoliberal.

33. Em termos políticos, o caminho a percorrer é árduo, porque se verifica que, em pleno século XXI, continua a persistir uma triste realidade: segundo o censo de 2001, 36% da população activa continua a possuir apenas o 1º ciclo do ensino básico ou ainda menos; 72% têm o 3º ciclo ou nem isso. Em 2004 só cerca de 25% da população activa tinha o ensino secundário completo, muito longe da média da OCDE - 67%. É indispensável sublinhar que este grave problema das baixas qualificações não atinge apenas a população mais idosa. O mesmo fenómeno se constata na população empregada que fez os seus estudos depois do 25 de Abril. Na verdade, se tivermos em conta os empregados com menos de 35 anos (portanto formados depois de Abril de 74), verifica-se que eles representam 41,5% da população total empregada e que as suas qualificações são precárias (com 6 anos de escolaridade ou menos, no censo de 2001, existiam 851.623 trabalhadores num universo de 2.126.657, isto é, cerca de 40%!). Isto significa que o Portugal democrático, porventura por tão escassa­mente democrático, ainda não conseguiu alterar, de forma radical, a constrangedora realidade dos baixos e insuficientes níveis de escolaridade, o que é tanto mais dramático quanto os actuais 2º e 3º ciclos do ensino básico são claramente insufi­cientes para podermos encarar um futuro de progresso, pois apenas servem a uma política capitalista neoliberal, sordidamente desumana, que manterá, continuada e inexoravelmente, o nosso país na cauda da Europa.

34. Este país de trabalhadores com baixos salários e cada dia mais pobres de direitos vai perfilar-se no tempo, se tivermos em conta que aumentou o peso da popu­lação habilitada apenas com o ensino básico, estagnou a percentagem da fre­quência com o ensino secundário, notando-se diminuições na população do ensino superior. Por tal razão, a FENPROF reforçará o seu empenhamento na luta contra uma política incapaz de arrancar o país de uma situação de baixas qualificações, porque ela constitui um tremendo handicap a qualquer incremento de um modelo de desenvol­vimento e de progresso assente em trabalho qualificado e justamente remunerado.

35. Nesse sentido, a FENPROF tem realizado inúmeras iniciativas com o objectivo de estimular os docentes na defesa e aprofundamento da sua profissionalidade, voltada para a construção de uma escola pública de qualidade para todos, formadora de cidadãos de corpo inteiro, críticos e intervenientes, capazes de olhar e reflectir sobre a sociedade de modo a transformá-la numa sociedade cada vez mais justa e democrática. Ou seja, a FENPROF manterá a sua firme oposição a uma política que se tem mostrado incapaz de dotar o sistema educativo das condições indispensáveis a uma sustentada e eficaz transformação que lhe permita qualificar a população estu­dantil com níveis de escolaridade mais elevados. A continuarmos assim, estamos condenados a manter uma Escola longe daquele desígnio, contribuindo, ao invés, para a manutenção de uma população activa com baixos níveis de escolaridade e, por tal motivo, sujeita a baixos salários. Situação que a FENPROF também rejeita, porque essa é uma forma encapotada de manter a sociedade fortemente estratifi­cada em camadas e classes, situação do agrado do pensamento neoliberal que propala com afinco que os humanos chegaram ao fim do seu percurso histórico, porque nada há melhor do que este capitalismo globalizado.

36. Outra preocupação, que este Congresso não pode deixar de assinalar, reporta-se à política do investimento na investigação. Segundo dados da OCDE, Portugal ocupa os últimos lugares na percen­tagem de investimento do PIB em inves­tigação, para a qual disponibilizou, em 2003, cerca de 0,8% do PIB, menos de metade da média dos países da União Europeia dos quinze (2%).

37. Ultimamente tem-se assistido a uma crescente aposta política no incentivo ao investimento privado em Ciência e Inovação. Infelizmente, tal como em outras áreas estratégicas para o desenvolvimento do país, como a Educação ou a Saúde, esta estratégia não visa aumentar o investimento nessas áreas, mas sim poupar dinheiro ao Estado. Mais dinheiro privado é visto como uma forma de continuar a adiar o aumento das verbas disponíveis para o desenvol­vi­mento das áreas estratégicas com a consequente manutenção do país na cauda da Europa.

38. Se é louvável que o sector privado invista em Ciência, essa condição não é suficiente para incrementar uma verdadeira Política de Ciência e não pode servir de pretexto para o continuado adiamento de um investimento público sério, estruturado e em sintonia com os restantes países do primeiro mundo. Tanto mais quanto o privado só está interessado em investir em Ciência com retorno a curto prazo, isto é, pouco interessado se mostrará em financiar a investigação básica e privilegiará sempre o apoio à investigação aplicada que lhe garanta ser rapidamente ressarcido.

39. Concluindo este breve relance, que o Programa de Acção desenvolverá nas suas páginas, pela situação da Educação no nosso país, ancorada e submetida aos ditames nacionais e internacionais do capitalismo neoliberal, é imperioso reiterar a posição da FENPROF segundo a qual o Estado deve assumir a responsabilidade não pela privatização do ensino e da investi­gação, mas pela expansão duma rede pública de estabelecimentos de ensino da mais alta qualidade para todos, porque é imprescindível a uma estratégia política, que a FENPROF apoia, de superação dos atrasos estruturais do país, só possível com uma mão-de-obra qualificada e respeitada nos seus direitos. A Escola Pública de Qualidade é um pulmão indispensável ao respirar democrático de Portugal e uma das alavancas imprescindíveis na construção de uma, por muitos, sonhada terra sem amos, porventura a mais bela utopia aberta aos portugueses pela Revolução de Abril.

C. UM SINDICALISMO DEMOCRÁTICO E DE MASSAS, DE PROPOSIÇÃO E DE LUTA

40. Nos tempos que correm, e face ao quadro antes descrito, a importância dos sindicatos é cada vez maior e o seu papel cada vez mais relevante. Em primeiro lugar, porque o trabalho não perdeu a sua centralidade e o papel de defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores continua a caber aos Sindicatos enquanto seus legítimos representantes; em segundo lugar, porque as formas de exploração são mais diversificadas e novos problemas se colocam, fruto de políticas assentes já não só na exploração clássica do trabalho, mas em desenvolvimentos sociais que lançam largas camadas da população para as margens da própria sociedade, seja pelo desemprego de longa duração, seja mesmo pela sua exclusão social; mas também porque os equilíbrios do mundo são hoje mais frágeis e obrigam a novas respostas de natureza mais ideológica e de interven­ção mais politizada.

41. Alguns ideólogos do neoliberalismo apregoam que os Sindicatos já não são necessários, porque os trabalhadores são hoje mais instruídos e capazes de fazerem, por si, as escolhas para uma contratação individual. Outros vão mesmo mais longe ao insinuar, ou mesmo explicitar, que os Sindicatos são um estorvo do desen­volvimento e do livre comércio ao continuar a defender interesses que, no entendimento desses ideólogos, são sempre corporativos. São os que negam o direito à negociação colectiva e defendem a desregulamentação das relações laborais e os que querem remeter os trabalhadores para meros espectadores das decisões que afectam todos e, muito em particular, as camadas mais desfavorecidas.

42. Num quadro em que as empresas multinacionais têm uma cada vez maior influência na globalização económica, quer por deterem e dominarem as tecnologias de ponta, quer por exercerem uma crescente influência nos governos nacionais e nas organizações internacionais; num tempo em que o poder do capital financeiro cresceu desmesuradamente de tal modo que é capaz de gerar graves crises de natureza econó­mica só pela capacidade especulativa de que hoje dispõe; numa altura em que os tambores da guerra soam cada vez mais alto e se reduz o papel dos Estados mais pequenos a meros peões de estratégias mais globais dos grandes países; e num momento em que o planeta sofre agressões ao seu ambiente que podem colocar em causa a própria sobrevivência da humanidade, o movimento sindical tem que saber encon­trar novas respostas e desenvolver novas estratégias de acção. Tem que saber equacionar novos problemas e encontrar novos aliados. Tem, também, de ser capaz de globalizar a sua acção de modo a que a sua voz, apoiada pelos trabalhadores, seja um eco maior das aspirações a um mundo onde seja possível viver em paz, em harmonia com a natureza e sem exploradores e explorados.

43. Esta perspectiva é hoje essencial para os Sindicatos de uma forma geral e para os professores de um modo muito particular.

44. Durante algum tempo, os professo­res reflectiram e agiram, essencialmente, num contexto marcado pelo próprio atraso estrutural do Ensino e da Educação em Portugal. Hoje em dia é claro para os docentes e os trabalhadores em geral que aquelas questões já não se podem colocar de um modo puramente sectorial, exigindo-se, na sua tematização, uma visão mais global.

45. Foi assim que, de um modo reflecti­do e seguro, os Sindicatos da FENPROF se foram filiando na CGTP-IN, sempre pre­cedendo esta filiação de consulta directa aos seus associados. Foi a mesma preocu­pação que levou a FENPROF a filiar-se em organizações sindicais internacionais, como a Interna­cional da Educação (IE) ou o Comité Sindical Europeu da Educação (CSEE) dando assim o seu contributo para a defesa de uma Escola Pública de Qua­lidade para Todos. Relativamente à Confederação Sindical Internacional (CSI), recentemente consti­tuída, a FENPROF acompanhará a reflexão e o debate que terão lugar na CGTP-IN, designadamente no âmbito da preparação do seu Con­gresso. É também por entender que o combate é global que a FENPROF tem participado, nos diferentes Fóruns, quer nacionais, quer internacionais, alguns dos quais especificamente sobre Educação. Uma nota, ainda, para a impor­tância de serem aprofundadas relações insti­tucionais e desenvolvidas acções con­juntas entre as diversas organizações sindicais dos países de língua oficial portuguesa, preferencialmente no âmbito da CPLP-SE (Comunidade de Países de Língua Portuguesa - Sindical de Edu­cação).

46. As recentes lutas dos professores em torno das questões da aposentação e do seu estatuto de carreira mostram bem até que ponto hoje a acção é cada vez mais global.

47. No caso das aposentações, a acção governativa tornou bem claro que o que estava em causa não era encontrar uma solução que se enquadrasse nas funções específicas da docência e do seu desgaste, mas retirar direitos adquiridos ao longo dos anos e consagrados na própria legislação. A actuação do Governo foi, no que respeita à sua estratégia, concretizada pelo ataque a sectores específicos, tratando-os como se fossem categorias de privilegiados, apos­tando no isolamento dos professores em relação aos outros trabalhadores.

48. No caso das carreiras docentes, a intenção não foi a sua dignificação, mas a sua desvalorização, através da redução dos salários decorrentes de entraves ilegítimos a uma normal progressão e da funciona­rização crescente da profissão. Neste âmbito, acresce ainda o recrudescimento da instabilidade profissional, o aumento da precariedade do trabalho e o desemprego de longa duração.

49. É, pois, neste quadro que se justificam duas vertentes do sindicalismo que, assentes na acção directa com os trabalhadores e na sua mobilização para a acção em defesa dos seus direitos e legítimos interesses, se mostram cada vez mais evidentes: o estudo e a reflexão de problemas de natureza mais global e até mais política e, em simultâneo, o reforço da unidade no interior dos Sindicatos, projectada na luta mais ampla de todos os trabalhadores, quer no plano nacional, quer internacional.

50. O estudo e a reflexão sindicais não são contraditórios com a acção sindical e a luta dos trabalhadores. São, antes, o alimento essencial para compreender, propor alternativas e mobilizar para a acção. Os poderosos meios de que dispõem os governos para manipularem a opinião pública só são possíveis de combater com posições concretas compreendidas e assumidas por todos os trabalhadores e, também, pela opinião pública em geral.

51. Esta coesão do movimento sindical é hoje uma aspiração dos trabalhadores, confrontados que estão com divisões fomentadas pelas orientações do capita­lismo neoliberal, e surge como uma alavanca indispensável à obtenção de vitórias numa conjuntura que, para os trabalhadores, se revela cada vez mais difícil e complexa.

52. Finalmente, a acção dos Sindicatos deve, no respeito pela sua tradição e pela especificidade da sua actividade, alargar-se a outras questões de natureza mais abrangente, mas não menos importantes: a paz, o ambiente, o desenvolvimento sustentado, os direitos das minorias, as questões de género, as migrações... Para tal deve reforçar o seu envolvimento em acções de convergência com outros movimentos sociais que perfilhem preocupações idên­ticas relativamente àquelas questões e lutem pela alteração das políticas neoli­berais -  com consequências muito nega­tivas na vida dos trabalhadores e dos povos - e se empenhem na construção de um mun­do mais democrático, mais justo e mais solidário.

 

II. AS POLÍTICAS DO GOVERNO E DO ME E A ACÇÃO DA FENPROF

 

A. AS POLÍTICAS EDUCATIVAS

AS POLÍTICAS DE DIREITA DOS ANTERIORES GOVERNOS

1. Quando se realizou o oitavo Con­gresso Nacional dos Professores, em 2004, a FENPROF manifestava grande preocu­pação com o rumo que o país tomava, consequência das políticas de matriz neoliberal do Governo de maioria absoluta PSD/CDS-PP. A ofensiva contra os serviços públicos era evidente, começando a ser tomadas medidas nos domínios da Saúde, Segurança Social e Educação.

2. Na Educação, a Lei de Bases do Sistema Educativo era o alvo preferencial do ataque. David Justino apresentava, na Assembleia da República, uma proposta de Lei que foi aprovada pela maioria de então, apenas travada pelo veto presidencial. A Lei de Bases da Educação, como afirmava Justino em debate promovido pelo CNE, pretendia substituir o paradigma da Escola da Igualdade pelo da Escola da Liberdade. Liberdade de opção, claro está, ou seja, liberdade de escolha entre público e privado, num contexto de desvalorização e degra­dação permanente da Escola Pública e de compromisso em utilizar o dinheiro público para assegurar esse "direito".

3. A Lei de Bases da Educação desva­lorizava objectivamente a Escola Pública que era colocada em pé de igualdade com as respostas privadas, numa efectiva afronta constitucional. Abriam-se as portas à empresarialização da escola, à inevita­bilidade dos gestores de carreira, isto enquanto se preparava no terreno (com o encerramento de escolas e a integração de escolas secundárias nos agrupamentos) uma significativa redução do número das designadas unidades orgânicas ou de gestão, através da constituição de agru­pamentos de maior dimensão geográfica. De referir, ainda, como aspecto negativo, a prevista redução da duração do ensino básico para 6 anos, obrigando os jovens a opções precoces relativamente à via a prosseguir no Ensino Secundário.

4.  Enquanto a Lei de Bases da Educação era debatida, o ME ia tomando medidas para que, de imediato, ela pudesse ser aplicada: agrupavam-se escolas sem respeito pelos preceitos legais, cortava-se financiamento às escolas públicas, alterava-se o regime de concursos de professores e educadores e tinha início uma campanha de desvalo­rização da imagem social dos docentes com o objectivo de, em breve, se iniciar uma revisão de sentido negativo do seu estatuto de carreira.

5. No Ensino Superior Público os cortes de financiamento sucediam-se e a almejada revisão dos Estatutos das Carreiras Docentes não tinha lugar, apesar de alguns compro­missos assumidos pela ministra de então. Os quadros, em algumas escolas, man­tinham-se preenchidos e subdimensionados e em quase todas permaneciam com muitas vagas por preencher sem que fossem abertos concursos. Por essa razão, a precariedade foi-se acentuando. Foi crescendo o número de docentes que, apesar de reunirem as condições de acesso a patamares mais elevados da carreira, continuavam integrados em categorias inferiores e também foi aumentando o número daqueles que eram forçados a aceitar contratos precários como convi­dados ou equiparados, ainda que esti­vessem a exercer funções em regime de tempo integral ou, até, de dedicação exclusiva.

6. No Ensino Superior Particular e Cooperativo, o Governo mostrava uma cumplicidade objectiva com as arbitra­riedades das entidades patronais no que dizia respeito às questões de contratação e de carreira, ao não regulamentar o Estatuto daquele sub-sector de ensino superior, e no que se referia às interferências ilegítimas na autonomia científica e pedagógica das instituições.

7. O Governo dava os primeiros sinais de avançar com a implementação das medidas decorrentes do "Processo de Bolonha" e a FENPROF manifestava preocu­pação perante a previsível redução econo­micista das durações das formações e quanto a uma uniformização imposta dos currículos, atentando contra a autonomia das instituições.

 8. A medida mais visível do Governo de então foi o brutal aumento do valor das propinas, da ordem dos 140%, que muito penalizou estudantes oriundos das classes de menores rendimentos, agravado pelo facto de não terem sido tomadas medidas compensatórias ao nível da acção social escolar, apesar de terem sido anunciadas.

9. Mas os problemas decorrentes das políticas do Governo Durão/Portas faziam-se sentir em outros planos. Na Saúde, eram evidentes os ataques ao SNS e a intenção de provocar a sua destruição; a Segurança Social era alvo de medidas ou de propostas, cujo objectivo era a promoção dos sistemas privados, a mais relevante das quais seria o regime de "plafonamentos" nos descontos para o sistema público, o que levaria à sua gradual descapitalização.

10. No que respeita aos trabalhadores da Administração Pública, notava-se o início de um ataque sem precedentes. A par de uma campanha de permanente desva­lorização do seu profissionalismo e em­penha­mento, tomavam-se medidas e generalizavam-se situações extremamente negativas que mereciam grande contes­tação. Recrudescia a prática de "recibos verdes", a precariedade acentuava-se, a idade para a aposentação aumentava para os 60 anos e vivia-se o tempo do chamado "aumento zero". O Governo não punha em causa as carreiras dos trabalhadores, mas desvalorizava-as através de actualizações salariais que ficavam abaixo da inflação e, por dois anos consecutivos, decidiu que não haveria revisão salarial, sempre justificada com a necessidade de combater o "défice".

11. No plano laboral mais geral, o Governo impunha o Código de Trabalho, desrespeitando a posição dos Sindicatos e dos Trabalhadores e criando uma relação laboral ainda mais precária. Entretanto, o desemprego aumentava e estatísticas nacionais e internacionais davam conta do aprofundamento das desigualdades e do alargamento das bolsas de pobreza e exclusão. Em Portugal atingiram-se níveis muito grandes de descontentamento social, o protesto e a contestação aumentavam e, à medida que a situação social e económica do país se degradava, também politica­mente o Governo começava a perder consistência e apoios. Toda a oposição se unia na contestação às políticas em curso e o PS apelava ao Tribunal Constitucional para intervir, por exemplo, na forma como o Governo aumentara a idade de apo­sentação dos funcionários públicos, ale­gando, entre outras razões, o desrespeito pelos Sindicatos e pela Lei da Negociação Colectiva na Administração Pública.

12. Num primeiro momento de grande pressão para a maioria que governava o país, Durão Barroso "partiu" para a Comissão Europeia. Pouco tempo depois de ter nomeado Santana Lopes para chefiar um novo Governo da mesma maioria, o Presi­dente da República dissolveu a Assembleia da República e convocou eleições legisla­tivas antecipadas.

13. De registar que, apesar de curto, o período em que Maria do Carmo Seabra foi Ministra da Educação, ficou negativamente marcado por uma enorme bronca nos concursos de professores, tendo sido publi­citadas e recolhidas diversas listas de­finitivas de colocação, o que provocou atrasos no início do ano lectivo.

14. Como se esperava, o resultado das eleições de Fevereiro de 2005 expressou a forte vontade de mudança que se instalara na sociedade portuguesa. Todas as forças políticas que se situavam à esquerda dos partidos do Governo se reforçaram, tendo o PS obtido maioria absoluta. Como há muito não acontecia, a esquerda, no seu conjunto, assegurou uma larga maioria parlamentar.

O ACTUAL GOVERNO E AS SUAS POLÍTICAS

15. Cedo se percebeu, contudo, que as políticas do Governo liderado por Sócrates não se distinguiam das que tinham sido seguidas pelos Governos de direita que o antecederam. O Código de Trabalho não foi alterado, nem nos aspectos mais negativos e contestados. Ao mesmo tempo, as primeiras medidas aprovadas contra os trabalhadores da Administração Pública foram o aumento da idade da reforma e da vida contributiva, respectivamente para os 65 e os 40 anos. Em 29 de Agosto de 2005, os trabalhadores da Administração Pública viram o seu tempo de serviço congelado e sem retorno através da aprovação da Lei 43/2005. Essa situação deveria ter cessado em 31 de Dezembro de 2006, contudo, uma nova Lei da Assembleia da República (Lei n.º 53 - C/2006) impôs mais um ano de roubo de tempo de serviço.

16. O ataque aos serviços públicos iniciado pelos governos anteriores, conhece, então, novos contornos. A par da redução dos níveis de financiamento e da aprovação de medidas que tornaram mais difícil o seu funcionamento e contribuíram para a degradação da qualidade das respostas que prestam, é posta em prática uma política de encerramento de serviços, com especial incidência nas zonas do interior do país, já de si mais desfavorecidas. São encerradas unidades de saúde ou alguns dos seus serviços, postos de correio, esquadras de polícia, carreiras de transportes públicos e, claro está, milhares de escolas. O ME anunciou o encerramento de 4.500 escolas do 1.º Ciclo, até 2009, e logo no primeiro ano decidiu fechar 1.500, tendo anunciado mais 900 encerramentos para o ano em curso. As regiões norte e centro são as mais afectadas, encerrando, só nesta última região e em apenas 2 anos, metade dos estabelecimentos existentes. Este forçado reordenamento da rede faz-se à margem da posição de muitos municípios, contra a vontade das populações e, até, ao arrepio das Cartas Educativas existentes ou em fase de aprovação. O acolhimento das crianças deslocadas apresenta graves deficiências, o mesmo acontecendo em relação aos serviços de transporte e de refeições. O Governo acena com verbas do QREN para que os municípios aceitem o encerramento das escolas e, em alternativa, projectem a construção de Centros Educativos de raiz. Um encerramento que, neste momento, ameaça já Escolas Básicas dos 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico. Os projectos existem, os financiamentos é que não, só que, entre­tanto, as escolas já estão a ser encerradas. Os privados vão fazendo contas e começam a vislumbrar um negócio apetecível, agora também em concelhos do interior que antes não estavam na sua mira.

17. Privadas são também muitas das respostas que estão a ser conferidas no âmbito das designadas Actividades de Enriquecimento Curricular. O Governo disponibilizou uma verba às autarquias para a promoção daquelas actividades e estas, na sua maioria, entregaram-na a empresas constituídas para o efeito. Não há controlo da qualidade da actividade desenvolvida, não há articulação com a actividade lectiva, não há regras para a contratação dos profissionais que desenvolvem esta activi­dade.

18. Entretanto, as intenções do Governo vão-se concretizando também neste domínio e passam pela privatização de áreas que deveriam ser curriculares, mas que, aos poucos, vão deixando de o ser. Tal, traduzir-se-á num efectivo empobrecimento do currículo do 1.º Ciclo, começando a perceber-se que, a curto prazo, o mesmo acontecerá com o 2.º Ciclo. É nesse contexto, pelo menos, que se compreendem as alterações recentemente anunciadas no âmbito das habilitações para a docência no 2.º Ciclo. A formação de professores generalistas para as designadas áreas essenciais do currículo e a previsível actividade em regime de monodocência, significarão uma real desvalorização da formação científica dos professores em cada uma das áreas, com consequências na qualidade das aprendizagens no 2.º Ciclo, mas fazem parte deste projecto global que passa pelo encurtamento do ensino básico para os mesmos 6 anos pretendidos por David Justino e pela uniformização dos regimes de trabalho nos 1.º e 2.º Ciclos.

19. A par deste processo surgem diversos movimentos de rede que vão sendo testados aqui e além. É o caso do "movi­mento em cascata" que consiste na transferência de alunos das escolas do 1.º Ciclo para as EB 2.3 e destas para as Secundárias (neste caso, os do 3º Ciclo). Assim se vai consolidando o projecto do ME de reduzir o Ensino Básico a 6 anos, com dois ciclos de 4 e 2 anos, respectivamente, ficando o Secundário com outros dois ciclos de 3 anos cada. Então, os dois níveis de ensino integrar-se-ão no mesmo agru­pamento, unidade orgânica que passará a ter gestão única, pelo menos até à preten­dida municipalização do Ensino Básico.

20. Surgirá, então, um novo conjunto de competências a transferir para as autarquias, com especial incidência no Ensino Básico. Se dúvidas houvesse, dissipar-se-iam com o teor da carta enviada pelo Ministro da Administração Interna ao Presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, em 12 de Dezem­bro de 2006. Nela se garante que o "princípio fundamental deverá ser a plena transferência para os municípios relativa­mente ao funcionamento corrente do ensino pré-escolar e do ensino básico. Tal envolverá a descentralização de competências de investimento, da relação administrativa com os agrupamentos escolares, da defi­nição das necessidades em matéria de recursos humanos e de aspectos comple­mentares como a acção social escolar, os transportes escolares ou as actividades de enriquecimento curricular. A transferência deverá ser gradual consolidando as compe­tências municipais relativamente ao ensino pré-escolar e ao 1.º ciclo, alargando-se progressivamente aos restantes ciclos do ensino básico".

21. Esta política de progressiva desres­ponsabilização do poder central marca o actual momento na Educação. Os processos são os mais diversos: municipalização, alegado reforço de autonomia das escolas/agrupa­mentos, externalização ou priva­tização, caminho que, aliás, é facilitado pelas três vias de desresponsabilização antes referidas.

22. É neste sentido, ainda, que é criada a empresa Parque Escolar - E.P.E., que irá gerir o parque de escolas secundárias, para já apenas seis, e proceder à renovação de equipamentos. A intenção parece ser óbvia: transferir para os municípios o Ensino Básico e para a Parque Escolar - E.P.E. as Escolas Secundárias.

23. Também no Ensino Superior, este objectivo privatizador já começou a ser discutido na sua forma de concretização, com o lançamento do debate em torno de um conjunto de propostas apresentadas pela OCDE que passam pela possibilidade de entregar a Fundações a gestão das Universidades Públicas, nomear ou abrir concurso para o cargo de Reitor e a relação laboral com os docentes a ser estabelecida fora do sistema público.

24. Ainda no Ensino Superior, 2007 fica marcado por um rude golpe no financia­mento das instituições, baixando em cerca de 14% relativamente a 2006, ano já marcado por cortes orçamentais signifi­cativos. Algumas instituições vêem-se confrontadas com situações extremamente difíceis de resolver para manterem um nível de funcionamento razoável e ameaçam com o despedimento de muitos docentes, como aconteceu na Universidade do Minho. Outras, como as Universidades de Coimbra e dos Açores, já anunciaram não enveredar pela via dos despedimentos. Contudo, a situação poderá levar ao despedimento de 2.000 docentes, em 2007, no conjunto das instituições do Ensino Superior, com a agravante de continuar por aplicar aos docentes e investigadores do ensino superior e de outras instituições públicas, o direito constitucional ao subsídio de desemprego apesar do compromisso assumido, nesse sentido, pelo actual ministro, novamente negado em Fevereiro de 2007 pelo Governo e pelo PS na Assembleia da República.

25.  Entretanto, a regulação do Processo de Bolonha pelo MCTES foi realizada de forma atrib­ulada, com a fixação de prazos curtíssimos para a apresentação de pro­postas de adequação dos cursos, criando, dessa forma, problemas e dificuldades à generalidade das instituições de Ensino Superior.

A RELAÇÃO DO GOVERNO COM OS SINDICATOS

26. Uma nota final para a relação que o Go­verno, através dos respectivos minis­térios, tem mantido com os professores e educadores e as suas organizações sindicais.

27. O Ministério da Educação, de Lurdes Rodrigues, Valter Lemos e Jorge Pedreira, tem mantido uma relação de grande conflito com os professores. São inúmeros os discursos que põem em causa o empenha­mento dos docentes, a sua dedicação, a sua assiduidade, o seu profissionalismo, até as suas competências e conhecimentos.

28. Os professores foram acusados de aban­donar os alunos antes mesmo destes abandonarem as escolas e são siste­maticamente considerados como principais responsáveis pelo insucesso dos alunos. Em dia de uma das maiores greves de pro­fessores (18 de Novembro de 2005), o ME tentou virar a opinião pública contra os docentes acusando-os de absentistas por terem dado mais de seis milhões de faltas no ano anterior. Escondia o denunciante que essas faltas correspondiam a tempos e não a dias, que incluíam todas as situações legalmente previstas (doenças, acom­panhamento de filhos menores, formação .) e que, ainda assim, correspondiam apenas a cerca de 5% do total de tempos que os professores deveriam cumprir. Isto é, a taxa de assiduidade dos professores era da ordem dos 95%, só que o ME, fazendo demagogia com os números, procurava induzir conclusões negativas na opinião pública.

29. A frase mais marcante da ministra da Educação surgiu quando, em momento mais forte da luta dos professores, exclamou que perdeu os professores, mas ganhou a opinião pública. como se os problemas da Educação e do Ensino se pudessem resumir a uma guerra mediática, cujas conse­quências no sistema dependessem do sen­tido da opinião pública, sendo indiferente a situação real nas escolas e a motivação e mobilização dos professores para se envolverem nos grandes desafios que a Educação comporta.

30. Esta atitude de permanente desva­lorização dos professores era intencional e tinha por objectivo criar condições sociais para uma revisão muito negativa do ECD, relativamente à qual se esperava uma forte contestação da classe docente.

31. Percebendo que a táctica definida não estava a atingir, em pleno, os objectivos traçados, o ME começou, então, a dirigir os seus insultos e ameaças e a denegrir, em especial, a imagem dos dirigentes sindicais. Lurdes Rodrigues chegou a declarar uma demagógica solidariedade aos professores, dizendo que, se fosse professora, também estaria descontente com algumas das medidas tomadas, mas distinguindo o descontentamento natural do que era provocado pelos Sindicatos e pelos seus dirigentes que acusava de seguirem uma agenda que não era a da Educação.

32. As ameaças e chantagens de vária ordem foram subindo de tom à medida que a revisão do ECD evoluía, ficando célebre o dia 19 de Outubro, dia seguinte à Greve de 17 e 18, em que o ME surgiu, na reunião "negocial" extraordinária de revisão do ECD, disponível para algumas cedências, mas apenas sob compromisso de que os Sindi­catos iriam convencer os professores a deixarem de lutar contra aquele ECD. Perante a recusa indignada da oferta, nessa tarde, em Conferência de Imprensa, os dirigentes sindicais foram ameaçados de serem os primeiros a afogarem-se por se recusarem a ajudar o barco do ME a chegar a bom porto.

33. Outras medidas têm surgido, como a tentativa de impedir a participação dos professores em reuniões sindicais, intenção que acabou por se frustrar por decisão do Tribunal (5 de Maio de 2006) que suspendeu um despacho, nesse sentido, assinado pelo Secretário de Estado da Educação em 1 de Março de 2006.

34. No plano social, estas atitudes dos responsáveis do ME acabaram por ter consequências de sentido contrário à sua intenção. Alguns""opinion-makers" deixa­ram de se colocar, como habitualmente, contra os professores; artigos de opinião, favoráveis aos professores e em defesa da sua profissionalidade, começaram a surgir; a unidade dos professores e educadores, bem como a convergência entre as organi­zações sindicais de docentes, saíram reforçadas.

35. O "ECD do ME" é muito negativo. Pode considerar-se, de facto, como uma verdadeira declaração de guerra aos docentes portugueses, mas, em algumas matérias não essenciais, embora impor­tantes, obtiveram-se avanços face às propostas iniciais e atenuaram-se alguns dos seus aspectos mais negativos. Prova­velmente, o ME gostaria de ter deixado encerrado todo o processo de aprovação do ECD, mas, acabou por ver adiada a intenção para futuras regulamentações. Diversos procedimentos anti-negociais mereceram a correspondente denúncia pública e insti­tucional, quer junto de instâncias nacionais, quer internacionais, designadamente junto da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

36. Já no que respeita ao Ensino Superior a situação foi diferente e o silêncio pareceu ser a regra de oiro, não tendo o MCTES, até agora, revelado vontade de rever os respectivos estatutos de carreira. Os actuais estatutos de carreira dos docentes do Politécnico têm servido, na perfeição, os objectivos economicistas do Governo, o que não tem acontecido tão facilmente com o ECDU que proporciona à maioria dos docentes uma real possibilidade de obten­ção de vinculação estável à carreira.

37. Contudo, o arrastamento da actual situação é insuportável, pelo que a FENPROF continua a exigir a revisão dos Estatutos das Carreiras do Ensino Superior, sendo essa, agora, uma reivindicação comum a todos os sectores e níveis de Educação e Ensino.

O PROJECTO NEOLIBERAL EM CURSO

38. A actuação do Governo na área da Educação traduz-se num conjunto de medidas que se integram num plano mais vasto de liquidação de serviços públicos essenciais aos cidadãos e de desconstrução de relações laborais estáveis, muitas delas só garantidas depois do 25 de Abril de 1974. Medidas que concretizam, na Educação, a aplicação do PRACE, do SIMPLEX, do Código de Trabalho e da designada reforma da Administração Pública que, na verdade, se assume mais como um processo de desman­telamento do sector e da extinção das carreiras e do emprego seguro com direitos.

39. A política neoliberal em curso no nosso país, há vários anos, conheceu um significativo impulso nos governos do PSD/CDS-PP, mas afirma-se, hoje, sob a capa da retórica de um discurso de cariz social, de uma forma ainda mais violenta do que anteriormente. As políticas de direita, naturalmente desenvolvidas pelos dois governos anteriores, são não só prosse­guidas, como aprofundadas pelo actual Governo. Uma política de direita e de cariz claramente neoliberal, confirmado pela ausência de dimensão social. Medidas como as novas regras de cálculo das pensões de aposentação ou de subsídio de desemprego são exemplo disso.

40. Uma política de direita e de matriz neoliberal, confirmada pela cada vez maior concentração da riqueza nos grandes grupos económicos e na banca, com aumentos anuais de lucros verdadeiramente escan­dalosos, se tivermos em conta a situação do país em que o desemprego real não diminui, os salários se desvalorizam, as manchas de pobreza e exclusão alastram e as desigualdades e a injustiça social atingem níveis nunca antes verificados. Uma situação confirmada por sucessivos rela­tórios das insuspeitas OCDE e UE.

41. A FENPROF considera que a situação que se vive na Educação é muito negativa e merece um combate tenaz para que se inverta. Nesse sentido, é indispensável que os professores e os educadores continuem a desenvolver as acções e lutas específicas, indispensáveis para travar ou, até, alterar o rumo de algumas políticas. Mas torna-se, igualmente, necessário o seu envolvimento em outros processos de luta, mais vastos, sejam os promovidos pelo movimento sindical, sejam por um conjunto ainda mais largo de movimentos sociais que se opõem a esta ofensiva do capitalismo neoliberal.

B. Estratégia da FENPROF para a construção de um futuro mais democrático

42. A verdadeira face da política do Governo de "esquerda moderna" com alegadas preocupações sociais está numa cada vez mais desigual distribuição da riqueza, na manutenção de níveis eleva­díssimos de desemprego, na persistente e paulatina retirada de direitos, na degra­dação da qualidade dos serviços públicos, vítimas de ameaças cada vez mais reais de privatização.

43. O quadro actual nos planos econó­mico, social e educativo é causador e potenciador da manutenção e agravamento dos principais problemas estruturais com que o nosso país se debate e exige uma alteração profunda no sentido da cons­trução de um país mais democrático, mais justo e mais fraterno.

44. Em primeiro lugar, exige que se coloque em cima da mesa a necessidade de um projecto alternativo que rompa com o modelo de desenvolvimento que tem vindo a ser seguido. Este projecto terá que passar pela ruptura com políticas obcecadas pelo défice e pela promoção de uma estratégia de desenvolvimento económico e social, assente na evolução da economia para produções mais exigentes, e para serviços de maior qualidade.

45. Como a CGTP-IN tem afirmado repetidamente, é preciso mudar de rumo em relação às tendências dominantes, que vão no sentido do alongamento e intensificação do trabalho, da baixa de custo directo e indirecto do trabalho, reflectida na quebra dos salários reais, num maior recurso a uma imigração desprotegida e no debilitamento da contratação colectiva.

46. Neste quadro, é crucial que o Estado não se desresponsabilize do seu papel central em áreas decisivas para o desenvol­vimento, como a Justiça, a Segurança Social, a protecção do Ambiente e dos recursos naturais, a Educação e a Formação. A garantia de que não haverá desres­ponsabilização em áreas sociais tão fundamentais é uma exigência para que não se acentuem as desigualdades no nosso país e para que haja uma distribuição mais equitativa da riqueza e maior justiça social.

DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA

47. No âmbito da Educação, as dispo­sições neoliberais são visíveis na introdução de um conjunto de normas destinadas a incrementar a competitividade entre as escolas e a transformar o sistema educativo num grande mercado, na aposta em garantir às famílias a liberdade de escolha das escolas, na estandardização do aproveita­mento escolar, o que produz uma cons­trução injusta de rankings de escolas e, como consequência, uma falsa hierar­quização dos professores.

48. Esta estratégia política subtrai às escolas a sua dimensão de instituições políticas, no interior das quais se reflectem dinâmicas muito importantes que contri­buem para a reconstrução, reprodução e contradição das desigualdades que orien­tam a nossa sociedade, em dimensões como a raça, etnia, género, classe social, sexua­lidade, capacidades, crenças religiosas, etc.

49. Aqui chegados, importa (re)afirmar aquela que tem sido a posição de princípio defendida pela FENPROF para alcançar estes desideratos - a necessidade de uma aposta na Escola Pública como opção estratégica fundamental para o desenvolvimento do País, e como garante da igualdade de oportunidades. O ensino público, constitu­cionalmente consagrado, é um direito de todos e uma incumbência do Estado, a quem compete criar e manter uma rede pública que cubra as necessidades de toda a população.

50. A promoção e defesa da Escola Pública não podem ignorar aquela que tem sido uma marca distintiva nos discursos e práticas políticas dominantes nos últimos anos e que é, em si mesma, um dos traços mais identificativos do neoliberalismo - a ideia de que a economia, cada vez mais globalizada, exige reformas na educação que permitam às escolas criar, com mais eficiência, trabalhadores produtivos.

51. O peso da economia é, pois, cada vez mais sufocante e acentua a ideia de que o objectivo fundamental da Escola é formar para o mercado de trabalho. Aquela eficiência seria conseguida através de testes normalizados, de sanções para as escolas com maus resultados e da introdução de lógicas de competitividade e de processos de privatização.

52. A FENPROF considera que não se pode cometer o erro de olhar para a Educação apenas do ponto de vista da empregabilidade. A Educação é muito mais do que isso, e é um erro trágico olvidar que ela é também essencial à promoção de valores da cultura e ao desenvolvimento da formação cívica e humana.

53. Vivemos num contexto marcado pela persistência de discursos que invecti­vam a Escola Pública como sorvedouro de recursos económicos, sem que se vislumbre melhoria nos seus resultados. Na lógica destes discursos, o Estado chegou ao seu limite máximo de investimento na Edu­cação, o que explica a opção feita no Orçamento de Estado para 2007 (ironi­camente num Orçamento que tem como uma das suas prioridades "a qualificação dos portugueses") de um corte de 4,5% em relação a 2006.

54. A FENPROF contesta esta lógica, já que durante décadas Portugal foi o país da Europa que menos investiu na Educação. O pequeno esforço feito num período curto de 4 ou 5 anos, no sentido de um maior investimento, levou a que passasse a ideia de que se estaria a gastar excessivamente na Educação, criando-se, deste modo, um ambiente social desfavorável ao investi­mento público nesta área.

55. Apesar deste esforço, que não teve seguimento depois de 2002/2003, a despesa média por aluno continua a ser das mais baixas da Europa. Por isso, a FENPROF continua a defender que a assunção dos constrangimentos educativos estruturais do País, o défice enorme do seu ponto de partida no que diz respeito ao enfrenta­mento desses constrangimentos, exige, tal como noutros países, um investimento significativo e persistente na Educação e não políticas restritivas no plano orçamental e de desresponsabilização do Estado.

56. Mas o ataque à Escola Pública faz-se, também, quantas vezes, em seu nome. Assim acontece com a política do actual Governo, que pretende fazer passar as suas principais medidas no plano educativo como se fossem ditadas pelo superior interesse da Escola Pública.

57. A FENPROF considera necessário distinguir a retórica e os princípios enun­ciados, com os quais no essencial se pode estar de acordo, com o sentido real da política que tem vindo a ser seguida e as opções que a marcam.

58. Assim, dificilmente uma postura de defesa da Escola Pública se compagina com uma crescente desresponsabilização do poder central e a consequente transferência de competências para os municípios, que, de acordo com as intenções já anunciadas, passariam a ter competências de investi­mento, de relação administrativa com os agrupamentos escolares, na definição das necessidades em matéria de recursos humanos e de aspectos complementares como a acção social escolar, os transportes escolares ou as actividades de enri­quecimento curricular. Esta transferência gradual, que abrangerá a Educação Pré-Escolar e todo o ensino básico, poderá chegar, também, à gestão do pessoal docente.

59. Para a FENPROF, não está em causa o papel das comunidades locais e, em particular, das autarquias no processo edu­cativo. A questão está em encontrar soluções que, garantindo o papel do Estado na consecução dos grandes desígnios da Educação e no assegurar da equidade e igualdade dos cidadãos, possam igualmente descentralizar um conjunto de atribuições que se traduzam na melhoria das respostas educativas.

60. A FENPROF, que sempre defendeu a descentralização como forma de adequar as respostas educativas aos contextos locais e de combater as desigualdades que decorrem das diferenças económicas e sociais entre as diversas regiões, considera que o caminho para a municipalização pode vir a traduzir-se, como noutros países, no acentuar das assimetrias regionais.

61. A experiência do que tem sido a gestão das actividades de enriquecimento curricular, que mostra à saciedade um país com profundas assimetrias, deveria fazer reflectir sobre a pertinência da munici­palização como resposta à realidade do país que é o nosso e não à realidade de países que se pretende erigir como modelos a seguir, mas com percursos históricos, eco­nómicos, sociais, culturais e educa­cionais muito diferentes do nosso.

62. Por outro lado, por que caminhos se faz a promoção e defesa da Escola Pública quando se pretende transferir para uma empresa privada - a Parque Escolar - E.P.E. - a gestão do parque das escolas públicas secundárias?

63. De que defesa da Escola Pública e dos mais altos valores educativos que lhe estão subjacentes se pode falar quando tem prevalecido uma visão administrativa do sistema em detrimento da pedagógica, visível em áreas tão sensíveis como a do reordenamento da rede escolar, onde a lógica concentracionária tem levado ao encerramento de milhares de escolas, num processo imposto muitas vezes à margem das populações e dos parceiros educativos, com reflexos inevitáveis no aprofun­damento da desertificação do interior e do cresci­mento da  litoralização?

64. Finalmente, interessa perguntar como se compagina a defesa da Escola Pública com declarações, intenções e políticas que vão no sentido de agravar as condições de trabalho nas escolas e que têm privilegiado uma visão negativa do trabalho dos docentes, degradando a sua imagem social, que nem a demagogia do "prémio para o melhor professor" consegue fazer apagar.

 

PROPOSTAS DA FENPROF PARA A CONSTRUÇÃO DE UM FUTURO MAIS DEMOCRÁTICO

 

65. A apresentação do que são os princípios e propostas da FENPROF para a construção de um futuro mais democrático tem subjacente a afirmação do papel central da Educação na consecução desse objectivo.

66. Num país que se continua a debater com problemas estruturais e défices profundos ao nível da formação e quali­ficação, factores que marcam decisivamente os fracos níveis de desenvolvimento e acentuam o fosso entre Portugal e outros países, a Educação tem que continuar na primeira linha das preocupações de qual­quer projecto político que pretenda inverter o quadro actual

INVESTIMENTO EM EDUCAÇÃO

67. Por isso, em primeiro lugar, a FENPROF considera desastrosa a ideia de que se chegou ao patamar último do investi­mento em Educação, a qual teve tra­dução no corte, em relação a 2006,  no Orçamento de Estado para 2007.

68. Num momento em que se pers­pectiva a passagem para os municípios de um vasto conjunto de competências, com a agravante de não estar garantida a transfe­rência dos meios necessários, a FENPROF reafirma que a constatação de que per­sistem défices estruturais no nosso sistema educativo deveria ter como consequência, tal como sucedeu em outros países agora apontados como modelos a seguir, um investimento persistente na Educação ajustado às diversidades e desigualdades existentes no País.    

69. Este corte orçamental, que assume particular expressão no Ensino Superior, faz com que paire sobre este sector a ameaça de uma vaga de despedimentos e vai implicar cada vez maiores restrições na vida e organização das escolas.

70. De há longos anos, a FENPROF tem vindo a exigir uma Lei de Financiamento do ensino não superior como condição para a fixação de regras claras e transparentes no apoio às escolas, a fim de lhes possibilitar o cumprimento dos seus projectos educa­tivos. No actual contexto, onde surgem tendências para o alijamento de respon­sabilidades do Poder Central e para a desregulação, a necessidade daquela Lei assume uma importância ainda maior.

DESCENTRALIZAÇÃO

71. A FENPROF tem, de há muitos anos, uma reflexão profunda sobre as questões da descentralização do sistema educativo. A sua reflexão partiu do princípio da sua necessidade como meio para melhorar as respostas educativas nos planos local, regional e nacional.

72. Dando corpo a esta ideia, a FENPROF foi pioneira na defesa da criação de estruturas descentralizadas de admi­nistração educativa - os Conselhos Locais de Educação (CLE) - órgãos de repre­sentação ampla com a participação das escolas, autarquia, serviços descentralizados do ME, acção social escolar, interesses económicos, sociais e culturais, de grande pluralidade de interesses, que procuram a congregação de esforços ao nível local (concelhio ou de dimensão inferior no caso de grandes concelhos), em torno da gestão conjugada de recursos, da elaboração de projectos visando o desenvolvimento local, integradores da comunidade na escola e desta na comunidade, dotados de com­petências próprias e de recursos adequados.

73. O enunciado exaustivo do que seriam estes órgãos, se tivesse havido vontade política para a sua criação, permite, só por si, aquilatar das diferenças entre os CLE e os actuais Conselhos Municipais de Educação, instâncias consultivas das autarquias, e pensar até que ponto os órgãos propostos pela FENPROF teriam impor­tância, no quadro da crescente transferência de competências para os municípios.

74. A FENPROF sempre reconheceu a importância da intervenção dos municípios no quadro das respostas educativas nos planos local e regional, mas também sempre considerou que tal intervenção não pode significar que o poder central alije as suas responsabilidades, porque isso implicará a demissão do Estado na garantia do equi­líbrio e igualdade de todos os indivíduos no acesso a uma Educação e a um Ensino de Qualidade.

AUTONOMIA E GESTÃO DAS ESCOLAS

75. Para a FENPROF, descentralizar implica transferir competências, não só para o nível local, mas também para as escolas, e nestas para órgãos próprios, demo­cratica­mente legitimados e com adequada re­presentação escolar e comunitária.

76. Para o nível escola, a FENPROF defende a existência de uma matriz comum para os diferentes níveis de ensino, assente em três princípios essenciais: a demo­craticidade (traduzido em condições de elegibilidade, colegialidade e garantias de uma participação efectiva), a separação e complementaridade entre direcção e gestão (com a segunda logicamente subordinada à primeira) e a prevalência de critérios pedagógicos sobre quaisquer outros.

77. Neste contexto, a FENPROF sempre defendeu que na gestão de uma orga­nização que tem como missão educar deve estar um educador e que a gestão das escolas é uma função e não uma profissão, rejeitando, por isso, quaisquer tentativas de criação de uma carreira de gestor escolar. A gestão democrática dos estabelecimentos de ensino é, não só a afirmação distintiva do sistema educativo pós-25 de Abril de 1974 face à generalidade dos países europeus, mas, acima de tudo, uma condição essencial à consagração da escola pública como garante da democratização da Educação.

78. No quadro da análise do actual regime de autonomia e gestão das escolas, a FENPROF considera que o triângulo de poderes instituído pelo DL 115-A/98 está desequilibrado a favor do órgão executivo, remetendo o Conselho Pedagógico para um lugar subalterno e deixando à Assembleia de Escola um papel pouco mais que sim­bólico.

79. As propostas da FENPROF preten­dem reforçar a ligação do órgão de direcção ao quotidiano escolar, conferir ao Conselho Pedagógico o carácter de órgão de direcção pedagógica que deve ter e clarificar a relação de separação e complementaridade entre a direcção e a gestão escolares.

80. Sendo os órgãos de administração e gestão instrumentais em relação aos projectos educativos das escolas, consi­deramos que é necessário uma muito maior flexibilidade na definição das estruturas pedagógicas intermédias, como forma de tornar o seu funcionamento menos buro­crático e de reforçar a coordenação pedagógica.

81. Não se pode responsabilizar as escolas pelos resultados que obtêm e simultaneamente impedi-las de se orga­nizarem de forma autónoma, adequando as condições de ensino e aprendizagem às características da sua população escolar. A imposição administrativa do número de alunos por turma é apenas um exemplo da forma como a actividade educativa está condicionada por factores externos, e ilustra bem o desrespeito pela Lei de Bases do Sistema Educativo, que preconiza a preva­lência de critérios de natureza pedagógica sobre os administrativos.

82. Para a FENPROF, a autonomia das escolas tem que ser entendida como a capacidade de tomar decisões (nos planos pedagógico, organizacional, administrativo e financeiro) e não apenas como a possi­bilidade de executar, de forma diversa, decisões centrais. É nesta última acepção que o ME se tem situado, quando usa o discurso da autonomia para passar para os Conselhos Executivos o ónus da aplicação de medidas impopulares da exclusiva responsabilidade dos decisores políticos.

83. Defendendo a autonomia das escolas, a FENPROF tem uma posição contrária à sua contratualização escola a escola. No actual contexto de centralização da administração educativa, as escolas estarão sempre em desvantagem na negociação destes contratos, ficando a autonomia das escolas e as condições do seu exercício dependentes da capacidade reivin­dicativa de cada escola e da discricio­nariedade da administração. Por isso, a FENPROF considera ser mais adequada a aprovação de uma lei de autonomia para a educação pré-escolar e os ensinos básico e secundário, em que os domínios de auto­nomia, depois de consensualmente deli­mitados, se constituam em referentes para todas as escolas.

84. No Ensino Superior, a FENPROF, ao contrário do proposto no relatório da OCDE, defende que as instituições se devem manter no domínio da Administração Pública, com a garantia dos direitos de participação na gestão democrática e a colegialidade das decisões, sem prejuízo do reforço da intervenção de representantes externos e dos mecanismos de prestação de contas, com vista ao aumento da relevância social da sua actividade.

85. Autonomia não é independência. Mesmo em países com tradição de descen­tralização, as experiências autonómicas apresentam aspectos críticos e estão longe de reunir consenso. Por isso, a FENPROF considera que as escolas devem construir a sua autonomia num quadro em que é essencial relevar: a responsabilização do Estado em matéria de educação e ensino; a regulação da oferta pública nacional de educação e ensino; a garantia de equidade e transparência no sistema de recrutamento de professores e o respeito por direitos estruturantes da profissão docente.

AVALIAÇÃO DAS ESCOLAS E DO SISTEMA EDUCATIVO

86. As escolas são organizações com­plexas. Um sistema de avaliação terá que contemplar essa complexidade, envolver todos os actores no processo de análise/avaliação contínua e reflectir as condições de desempenho, as quais incluem o contexto em que a escola se insere, os recursos de que dispõe, os projectos que desenvolve e os seus modos de funcionamento.

87. A avaliação das escolas nunca se poderá resumir a um processo admi­nistrativo que tenha apenas em conta, ou sobrevalorize, a medição estatística dos resultados dos seus alunos, não só porque isso seria redutor em função das finalidades definidas na Lei de Bases do Sistema Educativo para os vários níveis de ensino, mas também porque essa opção envolveria outros riscos - os efeitos perversos dos exames no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem e a seriação das escolas através de comparações simplistas das classificações obtidas pelos alunos, como as que decorrem da elaboração de rankings das escolas secundárias, dos quais a FENPROF sempre se demarcou.

88. A FENPROF reafirma que a avaliação dos sistema educativo e das escolas deve constituir um meio privilegiado de recolha de informação para um maior conhecimento e diagnóstico do sistema educativo, possibilitando a tomada de decisões, a orientação política dos processos de mudança e a implementação de medidas de discriminação positiva em favor das escolas com mais problemas e mais caren­ciadas.

89. Esta avaliação, que deverá incidir sobre todo os sistema educativo, deverá ter em conta não só o desempenho das escolas, mas também da administração educativa aos vários níveis, por forma a comprometer as instâncias responsáveis pelos constran­gimentos identificados na sua superação.

90. O efectivo desenvolvimento da escola passa por modalidades de auto-avaliação ou de avaliação interna, devida­mente articuladas com a avaliação externa, que, tendo como motivação principal o acompanhamento dos projectos de escola, constituam processos colectivos, formativos e construtivos, facilitadores da auto-regulação das escolas e promotores da sua autonomia. É neste contexto que deve ser enquadrado o processo de avaliação do pessoal docente.

91. No Ensino Superior, a avaliação das instituições e dos cursos é de grande importância para o aumento da sua qualidade e relevância social. A FENPROF defende que a avaliação deve recair sobre todas as actividades, evitando-se meto­dologias que facilitem a criação de rankings simplificadores e mistificadores, que têm o único objectivo de forçar a criação de um mercado do Ensino Superior.

ESTABILIDADE PROFISSIONAL

92. Para a FENPROF, o conceito de estabilidade não se prende com qualquer ideia fixista e de aversão à mudança, acusação feita recorrentemente aos professores e às suas organizações re­presen­tativas. Para os produtores de tais acusações, a mudança vale por si e é erigida de forma tão absoluta em valor universal que leva alguns a afirmar que "pior do que mudar para pior é não mudar".

93. Esta concepção tem sustentado um conjunto de alterações que se têm pro­duzido de forma acelerada, em processos precipitados, em que tem predominado uma ausência completa de abertura ao diálogo e à negociação.

94. As mudanças em catadupa vão desde os aspectos curriculares a questões relativas à formação de professores, à organização e funcionamento das escolas, aos horários de trabalho, ao reordenamento da rede escolar.

95. Em todas elas se regista a mesma postura de imposição, da qual está ausente a avaliação rigorosa do que está para trás, da experiência ou experiências que as escolas possam ter realizado, no sentido de corrigir o que não está bem, de potenciar o que seja avaliado como positivo.

96. Contrariando todos os estudos que confirmam que o maior factor de stress na profissão docente se prende com as sucessivas mudanças no exercício pro­fissional e no processo educativo, o Ministério da Educação tem feito alarde de uma alegada "veia reformista" que se tem traduzido essencialmente na acumulação de factores de instabilidade dos professores.

97. No Ensino Superior, o MCTES man­tém 75% dos docentes do Politécnico em contratos precários e no Ensino Particular e Cooperativo nada faz para asse­gurar a existência de corpos docentes próprios.

98. Perante esta situação, a FENPROF reafirma que a melhoria da qualidade das respostas educativas exige do Governo uma atitude de diálogo com os actores no terreno, de disponibilidade para os ouvir, de conhecimento dos seus anseios, de congre­gação de esforços para superar as dificul­dades que todos pretendem ultrapassar.

99. O Governo é o primeiro e o único responsável por desperdiçar esse capital humano fundamental para enfrentar os desafios que se colocam ao sistema educativo, lançando sinais para a sociedade de descrença e desconfiança pelo trabalho das escolas e dos professores.

100. A FENPROF considera que urge inverter este rumo no sentido de que se crie a necessária estabilidade aos vários níveis do processo educativo, para que os professores sejam encarados, não como o problema, mas como parte imprescindível da solução para os problemas que a Educação hoje enfrenta.

VALORIZAÇÃO DO PAPEL DOS PROFESSORES

101. À escola foram atribuídas, ao longo do século XX, um conjunto crescente de missões, num processo que António Nóvoa designa de "transbordamento da escola".

102. Na sua intervenção a abrir o Debate Nacional sobre Educação, o mesmo investigador referia que, a partir da leitura rápida do Diário das Sessões dos últimos meses, era possível elencar um longo rol de papéis que têm vindo a ser atribuídos à escola:

- na educação ambiental;

- na protecção civil e na segurança;

- na preservação do património cultural;

- na educação para a saúde;

- na prevenção da toxicodependência e do tabagismo;

- na educação alimentar e numa correcta aprendizagem de hábitos de consumo;

- na prevenção rodoviária;

- no combate aos maus-tratos, aos abu­sos sexuais e à violência no seio da família;

- na educação para a cidadania, na pro­moção dos valores, na prevenção da delinquência juvenil e na criação de ambientes sociais e familiares seguros;

- no assegurar do pleno desenvol­vimento físico, intelectual, cívico e moral dos alunos;

- na aprendizagem das novas tecno­logias.

103. Este contexto, em que a Escola está esmagada, sufocada por um excesso de missões, exigiria a valorização do papel dos professores como profissionais cujo exer­cício profissional se complexifica e torna cada vez mais exigente.

104. Faz parte deste quadro de comple­xificação e grande exigência igualmente a tendência para o aumento de situações de indisciplina e até violência no contexto escolar, fruto de profundas alterações decorrentes de políticas de agravamento das desigualdades sociais, com consequências no aumento de situações de marginalidade e pobreza no nosso país.

105. É neste quadro que se torna ainda mais inaceitável a estratégia que tem presidido à política do Ministério da Educação de sistemática desvalorização e hostilização dos Professores, apresentados como profissionais pouco empenhados, insensíveis aos problemas dos seus alunos, primeiros e únicos responsáveis pelos males do sistema educativo.

106. O cenário negativo que o Minis­tério criou serviu essencialmente para impor um conjunto de medidas que agravaram o regime de trabalho dos docentes.

107. A FENPROF nunca recusou discutir as mudanças necessárias para que a escola responda melhor aos desafios que se lhe colocam cada vez com mais acuidade. Ao longo dos vários processos ditos negociais, apresentou um conjunto de propostas visando responder àquele objectivo, mas bem cedo ficou claro que o ME não estava disponível para negociar e, por isso, cortou todas as pontes do diálogo, privilegiando a via da imposição, concretizada em nome do combate a alegados interesses instalados e aos imensos privilégios de que os docentes seriam detentores.

108. O resultado desta estratégia é visível na desmotivação que perpassa nas escolas e na forma como os professores se sentem desmoralizados e desvalorizados no plano social.

109. Neste contexto, a FENPROF afirma no seu 9º Congresso que urge inverter o sentido que o Governo tem imprimido ao seu relacionamento com os professores e as suas organizações representativas.

110. Os grandes desafios que se colocam à Educação no nosso país exigem uma atitude clara de valorização dos docentes, que passa por uma afirmação da impor­tância do seu papel, pela sua auscultação per­manente e por uma verdadeira nego­ciação com os seus legítimos repre­sen­tantes.

111. Neste sentido, a FENPROF assumirá, como prioridade estratégica da sua inter­venção, a defesa da dignidade da profissão docente e da necessidade da sua valorização como condição indispensável para uma Educação e um Ensino de Qualidade.

 

III. UMA ANÁLISE CRÍTICA AO SISTEMA EDUCATIVO; AS PROPOSTAS DA FENPROF

 

A. Da educação de infância ao ensino superior

EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA

1. Em 30 anos de rede pública de Educação Pré-Escolar há que registar alterações significativas quer no que respeita à implementação da rede pública quer em relação à produção de legislação específica (nomeadamente a Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar e o perfil do educador de infância, entre outros).

2. No entanto, continua a constatar-se uma sucessiva desvalorização deste nível de educação por parte dos sucessivos governos, com particular ênfase na sua vertente peda­gógica.

3. Nos últimos três anos houve um aumento na taxa de inscrição nos Jardins-de-Infância da Rede Publica do M.E. No entanto, não existe ainda uma real univer­salização da oferta de Jardins-de-infância da Rede Publica do M.E.

4. Neste triénio, a FENPROF desenvolveu uma campanha nacional de valorização da Educação Pré-Escolar pública, gratuita e de qualidade com vários parceiros, chamando a atenção da população para a importância das crianças frequentarem um Jardim-de-Infância, quer no que respeita à sua formação pessoal e social, quer no que se refere ao seu percurso educativo ao longo da vida e às condições de funcionamento dos estabelecimentos.

 0-3 ANOS

5. Ainda que seja também uma reco­men­dação da OCDE (2001) e que o próprio Governo o tenha assumido como uma das suas prioridades, a abertura de estabe­lecimentos públicos para atendimento das crianças até aos três anos de idade continua a não existir. Portugal é um país onde se verifica um número elevado de mulheres trabalhadoras que se vêem obrigadas a procurar locais onde deixar os seus filhos durante o horário de trabalho. Foi desta forma que, aproveitando  a inexistência de creches do Estado e falhas na fiscalização por parte do mesmo, o aparecimento de creches sem condições mínimas de fun­ciona­mento proliferou.

6. É entendimento da FENPROF que o Estado se deve responsabilizar por uma Rede Pública de creches, que se traduza numa resposta social e educativa de qualidade para as crianças e suas famílias, salva­guardando o exercício da supervisão pedagógica por um Educador de Infância, conforme já está previsto na lei.

7. A FENPROF exige que, de uma vez por todas, o tempo de serviço prestado por Educadores de Infância em creches, seja considerado para todos os efeitos como serviço docente.

OBRIGATORIEDADE DE FREQUÊNCIA DA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR

8. A actual taxa de frequência da educação pré-escolar, apesar de continuar a registar um aumento contínuo, situa-se actualmente nos 78,4% (segundo os dados preliminares do ano lectivo de 2005/2006), ou seja, ainda a mais de 20% da taxa de frequência dos 100%, que o 1.º ciclo do ensino básico já atingiu desde o ano lectivo de 1980/1981.

9. Neste contexto, uma vez mais se nos coloca a questão da obrigatoriedade de frequência da Educação Pré-Escolar. Não por ausência de tomada de posição por parte da FENPROF, porque essa foi assumida já em 1998 no 6º Congresso, em Braga, e posteriormente reafirmada, mas porque se torna necessário exigir a sua concretização, e procurar soluções para que a obriga­toriedade de frequência no ano imedia­tamente anterior ao ingresso no 1ºCiclo do Ensino Básico se torne, a curto prazo, uma realidade.

10. Ainda que as motivações tenham sido diversas, vários foram já os países que assumiram esta obrigatoriedade como uma prioridade nas suas políticas educativas É hoje claro que a promoção da igualdade de oportunidades continua a ser necessária e que, precisamente nessa perspectiva, garantir a frequência deste sector de educação, pelo menos no ano anterior ao ingresso no 1º ciclo, é imperioso. Aliás, idêntica posição foi já assumida e ampla­mente divulgada pelo Conselho Nacional de Educação.

11. Por outro lado, é por todos reconhe­cido que a Educação Pré-Escolar é essencial, quer no que respeita ao desenvolvimento global da criança, à detecção de problemas de desenvolvimento, ou no que respeita à aquisição de competências básicas para o ingresso no ensino básico. Por isso, não garantir a todas as criança em idade pré-escolar a frequência neste sector, significa promover a desigualdade.

12. Na verdade, se bem que esteja prevista, no que respeita a matrículas, a prioridade de acesso para as crianças de 5 anos, muitas são ainda aquelas que não frequentam a educação pré-escolar, seja por ausência de oferta, seja, simplesmente, porque as famílias entenderam não ser importante. Neste sentido, é nosso entendi­mento que esta é uma opção que não pode ser deixada apenas ao critério das famílias. O Estado tem necessariamente que assumir a sua responsabilidade neste processo, garantindo a generalização da frequência da Educação Pré-Escolar para as crianças de 3 e 4 anos e a obrigatoriedade para as crianças de 5/6 anos através da rede pública.

13. Em face do exposto, a FENPROF entende exigir que:

- Um claro investimento, por parte do Governo, na construção de equipa­mentos, com vista à expansão da rede de estabele­cimentos públicos de educação pré-escolar, com todas as condições, no sentido de garantir uma oferta educativa e social que promova uma educação de qualidade e combata as desigualdades sociais;

- A existência de uma forte campanha de escla­recimento junto da população portu­guesa, que releve as vantagens da fre­quência da educação pré-escolar enquanto primeira etapa da educação básica;

- A publicação de legislação que dê corpo legal a esta exigência, declarando a educação pré-escolar de frequência obriga­tória no ano imediatamente anterior ao ingresso no Primeiro Ciclo do Ensino Básico.

REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA DE AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR

14. A educação pré-escolar, no cumpri­mento da sua função no processo de ensino/aprendizagem, tem na avaliação uma etapa essencial para a consolidação da sua qualidade educativa/pedagógica. Avaliar as práticas e os seus efeitos é um procedimento essencial e transversal a todos os níveis de educação e ensino.

15. O processo de avaliação na edu­cação pré-escolar tem duas etapas essen­ciais: a da avaliação formativa e a da avaliação sumativa. A primeira tem um carácter contínuo e sistemático. Inclui a observação e registo, o diagnóstico e a reformulação/adequação de práticas. A segunda é periódica. Consiste na sistema­tização da informação no que respeita ao desenvolvimento das aprendizagens e competências definidas nas áreas de conteúdo consubstanciadas nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar.

16. Em 1993 a National Association for the Education of Young Children (NAYEC) determinou as directrizes para a avaliação na educação pré-escolar, afirmando desde logo no ponto 1 que "Currículo e avaliação são componentes integrais do da educação pré-escolar (.)".

17. As Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (Despacho nº5220/97, de 20 de Dezembro) referem no capítulo III - Orientações globais para o educador - que "Avaliar o processo e os efeitos implica tomar consciência da acção para adequar o processo educativo às necessidades das crianças e do grupo e à sua evolução. A avaliação realizada com as crianças é uma actividade educativa, constituindo também uma base de avaliação para o educador. A sua reflexão, a partir dos efeitos que vai observando, possibilita-lhe estabelecer a progressão das aprendizagens a desenvolver com cada criança. Neste sentido, a avaliação é suporte do planeamento."

18. O Perfil Específico de Desempenho do Educador de Infância (Dect-Lei nº 241/01 de 30 de Agosto) refere no ponto 3., do Capítulo III que o educador de infância " Avalia, numa perspectiva formativa, a sua intervenção, o ambiente e os processos educativos adoptados, bem como o desen­volvimento e as aprendizagens de cada criança e do grupo"

19. A Lei nº 31/2002 de 20 de Dezembro (Sistema de Avaliação da Educação e Ensino Não Superior) refere no ponto 1 do artigo 2º que "O sistema de avaliação abrange a educação pré-escolar, os ensinos básico e secundário da educação escolar, incluindo as suas modalidades especiais de educação, e a educação extra-escolar."

20. Recentemente o Ministério da Educação, através da Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, tornou público um documento, datado de 25/11/2005, que define Procedimentos e Práticas Organizativas e Pedagógicas na Avaliação na Educação Pré-Escolar, assu­mindo a importância e a pertinência da avaliação como parte integrante deste nível de educação, nomeadamente quando considera a avaliação "componente inte­grada do currículo", quando refere que a mesma implica "no quadro da relação entre o jardim-de-infância, a família e a escola, uma construção de partilha que passa pelo diálogo, pela comunicação de processos e de resultados, tendo em vista a criação de contextos facilitadores de um percurso educativo e formativo de sucesso" ou quando a assume como "um elemento de apoio estratégico ao desenvolvimento/regulação da acção educativa".

21. Embora com todo este suporte legislativo e pedagógico, na realidade o processo de avaliação na educação pré-escolar nunca foi regulamentado de modo a serem definidos modelos, espaços e tempos de operacionalização da mesma. Na prática, o processo de avaliação é realizado pelos Educadores de Infância mas, não estando instituído/regulamentado, quase nunca é assumido como uma prática obrigatória e essencial tal como acontece para os outros sectores de educação e ensino (à excepção da Região Autónoma dos Açores).

22. Face às evidências expostas, a FENPROF entende que é urgente, porque promotor de uma educação pré-escolar de qualidade, institucionalizar o sistema de avaliação na educação pré-escolar, garan­tindo o seu carácter sistemático e obriga­tório e salvaguardando as condições para a sua concretização, a exemplo do que já acontece na Região Autónoma dos Açores, designadamente através da garantia da consagração de um calendário escolar adequado, fazendo coincidir os momentos de avaliação com os que já se encontram definidos para o restante ensino básico.

1º CICLO DO ENSINO BÁSICO

23. Desde a sua fundação que a FENPROF defende uma profunda renovação do 1º ciclo do ensino básico. A FENPROF apresentou, durante décadas, propostas que, se concretizadas, permitiriam hoje um panorama completamente diferente neste ciclo da escolaridade básica. A partir de 2000, a FENPROF promoveu um largo processo de debate e consensualização de soluções para a construção de uma Nova Escola do 1º Ciclo do Ensino Básico. As organizações repre­sentativas dos pais, as autarquias e muitas outras estruturas sociais construíram propostas e soluções que foram entregues ao Governo em diferentes momentos e conjunturas políticas, pela FENPROF.

24. O Governo ignorou por completo o debate realizado e o resultado desse amplo processo de participação cívica. De forma completamente autista, a actual equipa do Ministério da Educação e outras que a antecederam decidiram avançar com alterações na organização e funcionamento das escolas do 1º CEB. O tempo e a vida encarregar-se-ão de fazer a avaliação das desastrosas medidas do Governo, mas, embora ainda em cima da fase da sua concretização, é possível dizer que o Governo e o ME se assemelham a um "elefante que se movimenta numa loja de objectos de cristal".

25. É lamentável que assim seja, uma vez que as mudanças com resultados positivos operadas neste ciclo da escola­ridade básica resultam exclusivamente do impulso transformador da Revolução de Abril, do empenhamento dos professores e do esforço de algumas autarquias. Impulsos importantes como se sabe, mas que, trinta anos depois, careciam de decisões políticas que permitissem a renovação da Escola do primeiro ciclo da escolaridade básica.

A REDE ESCOLAR E O ENCERRAMENTO DE ESCOLAS

26. O encerramento de escolas, a que, eufemisticamente, o Governo chama reor­ganização da rede escolar está a ser con­duzido unicamente numa lógica econo­micista que ignora por completo a realidade do país e os interesses das crianças e das suas famílias.

27. O Governo está a conduzir este processo ignorando as posições e até o protesto das comunidades e algumas autarquias. Não se ignora a necessidade de encerrar algumas pequenas escolas mas, mesmo nesses casos, importa dizer que tal solução tem que ser construída com as populações e que as crianças têm que ser deslocadas para estabelecimentos de ensino que correspondam, de facto, a uma nova escola e não transferidas para uma outra igual àquela que encerra.

28. Se as preocupações do Governo e do ME se situassem, de facto, na necessi­dade de reorganização de rede escolar, já estaria em marcha o esforço e o inves­timento exigidos para pôr fim às situações de horário de curso duplo que funciona num elevado número de escolas.

29. Caso o Governo consiga concretizar as suas opções, largas regiões, sobretudo no interior do país, ficarão com a escola pública dos seus filhos localizada a dezenas de quilómetros de distância e, muitas vezes a mais de uma hora de viagem, com as crianças a saírem de casa de manhã cedo e a chegarem já quase à noite. Desertificam-       -se inexoravelmente muitas regiões do país e descontextualiza-se o processo de ensino e aprendizagem.

30. Alguns meses depois de o Governo ter encerrado mais de milhar e meio de escolas do 1º ciclo, o balanço que já pode ser feito é simplesmente desastroso:

- na maioria das situações as crianças foram deslocadas para escolas iguais àquelas que foram encerradas;

- os transportes das crianças são, em muitos casos, feitos sem observação de regras mínimas de segurança, higiene e comodidade (a própria legislação sobre esta matéria é frequentemente violada), com percursos longos e muito demorados;

- as refeições, em muitos concelhos, são servidas às crianças sem respeito por elementares regras de higiene e salubridade;

- a deslocação de crianças para as chamadas escolas de acolhimento levou a que nalguns casos estas passassem do regime de horário normal a duplo.

31. Por tudo isto, a FENPROF recusa, em absoluto, o processo de encerramento de escolas  que o ME vem promovendo.

32. Em primeiro lugar, importa afirmar que a escola situada nas pequenas aldeias é aquela que está mais perto das famílias e que, no processo ensino-aprendizagem, o escolar não se pode distanciar do educativo e que este só ganha sentido quando enraizado na comunidade e cimentado nas vivências das crianças. Por outro lado, dada a larga dimensão e dispersão que caracte­riza muitos dos nossos concelhos, a manutenção da escola da aldeia pode contribuir para um saudável desenvol­vimento da criança evitando a permanente deslocação e o desenraizamento cultural.

33. Este é um modelo que vai ao encontro das reais necessidades, expecta­tivas e interesses das crianças, alicerçado na inclusão cultural e comunitária, por forma a rentabilizar o capital de vivências e de conhecimentos que as crianças transportam consigo, transformando, desta forma, o obstáculo em recurso, assumindo-      -se, a escola, como um verdadeiro pólo de desenvolvimento local.

34. Ora, a necessidade de manter uma rede escolar bastante mais dispersa, exigirá maior atenção e investimento no quadro do plano nacional de emergência que a FENPROF reclama desde o seu Congresso de 2001 e que, hoje, mantém actualidade.

35. Mas a FENPROF entende que, em algumas regiões, a renovação do 1º ciclo do ensino básico pode passar pelo encerra­mento de pequenas escolas e pela cons­trução de outras de média dimensão. Este caminho exige que essas novas escolas sejam dotadas de espaços, serviços, equipamentos e materiais que rompam com a situação actual. Cantinas, refeitórios, pavilhões desportivos, campos de jogos, salas específicas de educação musical, expressão plástica, informática, serviços administrativos, equipamentos audiovisuais, biblioteca, mediateca e os materiais e equipamentos pedagógico-didácticos têm que fazer parte desses novos estabele­cimentos de ensino.

36. Do ponto de vista da FENPROF, a reorganização da rede escolar não pode ser encarada apenas como um processo de racionalização de recursos.

37. Sempre que as soluções encontradas sejam o encerramento de pequenas escolas e a consequente concentração de crianças em estabelecimentos de ensino de maior dimensão, a FENPROF exige que sejam observadas quatro condições:

a) o indispen­sável estabelecimento de consensos com as populações;

b) a salvaguarda da razoabi­lidade nas deslocações das crianças nas vertentes do conforto e segurança das crianças, duração dos percursos e distâncias a percorrer;

c) o desenvolvimento de um processo específico de negociação sobre todas as questões profissionais decorrentes do reordenamento da rede escolar. Em causa está a estabilidade profissional de milhares de professores, bem como o vínculo de muitos outros a escolas em concreto. De igual forma, é indispensável proceder à determinação de incentivos à fixação dos docentes em zonas isoladas e desfa­vorecidas;

d) a construção prévia de centros escolares de maior dimensão que, de facto, correspondam a uma Nova Escola.

OS AGRUPAMENTOS DE ESCOLAS E A OPORTUNIDADE PERDIDA NA REORGANIZAÇÃO DO 1º CICLO DO ENSINO BÁSICO

38. Num processo contestado pela FENPROF, professores, pais, autarcas e órgãos de gestão das escolas o Governo de Durão Barroso, com David Justino no ME, impôs a constituição de mega-agru­pamentos de escolas contra a vontade da generalidade das comunidades educativas envolvidas. Na Assembleia da República, este processo foi objecto de grande contestação por parte da oposição, incluin­do a força política que hoje governa o país.

39. Estes mega-agrupamentos são soluções meramente administrativas e economicistas, que, ao contrário do que o próprio Decreto-Lei 115-A/98 estabelece, não resultaram de dinâmicas locais, nem se constituíram a partir de projectos peda­gógicos comuns. São soluções desenhadas pelas DRE na lógica centralista e burocrática que permanece, apesar da retórica em sentido contrário.

40. Como escreveu Licínio Lima, "os agrupamentos de escolas poderão vir a representar um novo escalão da admi­nistração desconcentrada a partir da escola-sede, acima das escolas-outras e entre estas e os "coordenadores educativos", e res­pectivas direcções regionais. Os conselhos municipais de educação completarão o esquema, ou seja, a possível tenaz de maior controlo sobre cada escola, apagada e sitiada por sucessivos níveis administrativos, cada vez mais longe do centro e mais distante de se poder assumir como central."

41. Após a tomada de posse do actual Governo, a FENPROF entregou ao ME um documento com um conjunto de questões que careciam de resolução. Entre estas incluía-se o reordenamento e redimen­sionamento dos agrupamentos de escolas que tinham sido objecto de grande contes­tação pelo partido da actual maioria quando se encontrava na oposição. Inexplicavel­mente o actual Governo ignorou as posições das comunidades educativas e esqueceu as opiniões assumidas no tempo em que a actual maioria combatia as opções de David Justino e Abílio Morgado.

42. Contrariando tudo o que era legítimo esperar, o ME nunca esteve disponível para repensar a constituição dos mega-agrupamentos de escolas e está mesmo a avançar, agora, para o seu alarga­mento, justapondo muitos deles e acrescen­tando-lhe até escolas secundárias.

43. Um tal processo agravaria todos os problemas de que já enfermava a solução imposta por David Justino e Abílio Morgado, exactamente porque na maioria dos casos os agrupamentos constituídos são um mero emparcelamento administrativo de escolas e uma carga de trabalhos para os pro­fessores e para os órgãos de gestão (na feliz expressão de J. Barroso).

44. Paralelamente, as novas tecnologias, nomeadamente a internet, serviram para o Ministério da Educação castrar a iniciativa das escolas. Os fóruns criados nas páginas das DRE, que em vez de servirem de espaço de debate, são instrumentalizados de tal forma que chegam a servir para, de forma absolutamente ilegal, produzir normativos virtuais. Estes fóruns segundo J. Barroso "vieram mostrar o efeito que as novas tecnologias podem ter no reforço das tendências burocráticas e centralizadoras (ao contrário das perspectivas de moder­nização que normalmente sustentam os defensores da difusão das novas tecno­logias)".

45. Os agrupamentos de escolas que foram administrativamente constituídos nada de inovador trouxeram ao funcio­namento das escolas do 1º CEB. A burocracia matou o debate pedagógico e ocupa o indispensável tempo de trabalho individual dos professores. A centralização das decisões dificulta a resolução de problemas do quotidiano. Enfim. a delegação escolar mudou de instalações, há mais papéis, mas nada disto conferiu mais qualidade às escolas.

46. A FENPROF, dando voz aos professo­res do 1º CEB, exige que o ME abra um pro­cesso de reflexão sobre os agrupamentos de escolas, a sua dimensão e funcio­namento.

 

AS MUDANÇAS NO FUNCIONAMENTO DAS ESCOLAS - O CURRÍCULO E A RESPOSTA SOCIAL

47. Primeiro, com a introdução da língua inglesa no tempo não curricular dos alunos do 1º CEB, depois, com o alarga­mento desta solução ao ensino da música e outras expressões artísticas e à actividade física e desportiva, o ME alterou profunda­mente os modos de funcionamento das escolas do primeiro ciclo de escolaridade básica. A tudo isto o ME chama Actividades de Enriquecimento Curricular e prolon­gamento de horário.

48. A solução imposta pelo Governo no domínio da organização das Actividades de Enriquecimento Curricular está muito distante das propostas dos professores, da FENPROF e do debate realizado, nos últimos anos, no seio da comunidade educativa, em torno da necessidade da reorganização deste nível de ensino. O Governo decidiu como se estivesse na posse de toda a verdade, ignorando as opiniões e soluções discutidas, nomeadamente por pais e professores.

49. Em primeiro lugar, a FENPROF entende que aquelas áreas fazem parte do currículo do 1º ciclo do ensino básico. Aliás, essa é a solução adoptada legalmente no Dec-Lei 6/2000 relativo à organização curricular deste ciclo de escolaridade, excepção feita à iniciação à língua estrangeira.

50. Seguindo pelo caminho apontado na Lei de Bases do Sistema Educativo, a FENPROF defende a constituição de equipas educativas que viabilizem o cumprimento das diferentes áreas curriculares, onde os professores trabalham em conjunto, plani­ficam e articulam, num trabalho mais coo­perativo, articulado e sustentado, com ganhos significativos para as aprendizagens dos alunos. No 1º ciclo o ensino deve ser globalizante, da responsabilidade de um professor que integra e coordena uma equipa educativa.

51. As equipas educativas de cada escola ou grupo de escolas devem ser constituídas por um conjunto de professores profissionalizados para a docência neste nível de ensino com formações diferen­ciadas, de forma a dar resposta às necessi­dades de organização pedagógica e de cumprimento do currículo.

52. As alterações decididas pelo ME, nomeadamente quanto à organização curricular, iniciação à língua inglesa, genera­lização das actividades de enriquecimento, exigem um funcionamento diferente da escola do 1º ciclo do ensino básico refor­çando a justeza das propostas da FENPROF quanto á necessidade de institu­cionalização das equipas educativas.

53. A FENPROF tem reflexão feita e exige que o ME inicie negociações sobre esta importante questão, para a renovação do 1º Ciclo do Ensino Básico, por forma a evitar que este se transforme numa colagem de pequenas peças sem ligação e coor­denação.

54. A FENPROF recusa qualquer solução que, descarada ou encapotadamente, conduza à licealização do currículo do 1º CEB e/ou à sua redução ao ler, escrever e contar dos tempos do salazarismo.

55. Por outro lado, a iniciação a uma língua estrangeira, a educação musical, a actividade física e as expressões artísticas não podem ser arrumadas na escola do 1º ciclo do ensino básico como se de ocupação de tempos livres se tratasse.

56. O que o Governo tem em execução está a colocar áreas curriculares e activi­dades de enriquecimento curricular no lugar da ocupação de tempos livres, muitas vezes armazenando crianças nos mesmos espaços onde decorre a actividade lectiva.

57. A FENPROF defende, há vários anos, que a Escola do 1º CEB deve facultar às famílias uma resposta social e de ocupação de tempos livres de qualidade que responda a uma necessidade social reclamada sobretudo pelos trabalhadores portugueses, cada vez mais forçados a horários de trabalho e ritmos de vida impiedosos.

58. A ocupação de tempos livres não pode assumir um carácter escolarizante, devendo, isso sim, possuir uma forte compo­nente lúdica e cultural.

59. Neste domínio, a primeira questão que deve colocar-se é a de que a resposta social que as famílias necessitam não pode obedecer a um modelo nacional único, antes se exigindo a organização de soluções multidisciplinares, social e culturalmente localizadas, que possam utilizar diversos equipamentos comunitários, obedecendo a requisitos nacionais de qualidade, no­meada­mente quanto a: espaços, equi­pamentos, pessoal com formação dife­renciada na área da animação sócio-educativa, horários e número de crianças por grupo.

60. Um modelo de resposta educativa e social de qualidade, para a Escola Pública, é completamente incompatível com aquele que o Governo pretende impor. Esse modelo conduz à privatização de áreas do currículo do 1º ciclo, promove a adopção de lógicas empresariais e mecanismos de mercado e está a levar à violação dos direitos dos profissionais que desenvolvem a sua actividade no domínio das Actividades de Enriquecimento Curricular, ao mesmo tempo que não garante a qualidade do serviço prestado aos alunos.

61. Em simultâneo, com as questões de organização e as opções curriculares feitas pelo ME, novos problemas profissionais estão colocados em torno da extrema exploração e precariedade de que são vítimas os milhares de docentes em exercício nas Actividades de Enriquecimento Curricular (os primeiros números disponíveis apontam para que, por exemplo, na região centro do país estes profissionais signi­fiquem um quarto dos docentes em exercício no 1º CEB).

62. Estão generalizados falsos contratos de prestação de serviços, com recurso abusivo aos chamados recibos verdes, lesando os direitos dos docentes e a segurança social. Conhecem-se contratos de trabalho ilegais, pagam-se salários muito díspares e, nalguns casos, de extrema exploração que engordam os lucros de algumas empresas sem escrúpulos. O Governo nada faz para pôr fim a esta situação.

63. A FENPROF, defendendo conceitos e práticas distintos dos perseguidos pelo ME, jamais pactuará com esta situação e, até que seja negociada uma profunda reorga­nização do 1º Ciclo do Ensino Básico, defende que:

- as actividades de enriquecimento curricular sejam efectivamente facultativas e organizadas, dirigidas e geridas pelos órgãos de direcção e gestão dos agrupamentos de escolas, no quadro das competências e da autonomia que lhe estão atribuídas, no respeito pelo seu Projecto Educativo e com os seus próprios professores;

- ainda este ano lectivo, e até à reorganização de todo o processo das AEC, sejam corrigidas as situações de extrema precariedade e exploração a que estão sujeitos muitos  dos docentes em exercício nas actividades que o ME implementou.

64. A FENPROF reafirma a necessidade de existência de uma resposta social que garanta o acompanhamento seguro e de qualidade dos tempos livres das crianças e dos jovens, pelo que defende que seja criada uma componente social de apoio à família, a qual deverá ser articulada com a escola, mas organizada e desenvolvida pelas autarquias.

2.º E 3.º CICLOS DO ENSINO BÁSICO

65. A taxa de frequência do 2.º ciclo do Ensino Básico era de 86,4%, no ano lectivo de 2005/2006, enquanto que no 3.º ciclo esse valor baixava para os 82,5%. Apesar de se registar uma evolução favorável, na primeira metade da década de 90, devido à obrigatoriedade dos 9 anos de escolaridade, que decorriam da Lei de Bases do Sistema Educativo, de 1986, verifica-se uma preocupante estagnação estatística, em termos da taxa de frequência nestes ciclos, nos últimos 10 anos, que apontam necessa­riamente para a debilidade econó­mica das famílias que, provavelmente, têm necessi­dade de recorrer à ajuda dos filhos, ainda com idade para frequentar a escola, para sustentar com o seu trabalho o agregado familiar.

66. Se as taxas de abandono de 2001 revelaram grandes progressos em relação ao decénio anterior (na população entre os 10 e os 15 anos, desceu de 12,5%, em 1991, para 2,7%, em 2001), mesmo assim continuou a assumir desvios regionais significativos, particularmente nas regiões do Tâmega e do Douro, nomeadamente nos concelhos de Mondim de Basto, de Resende, de Mesão Frio, de Cinfães e de Marco de Canaveses onde, segundo os dados do M. E., pelo menos 8% das crianças em idade da escolaridade obrigatória dos 9 anos, não tinham concluído o 3.º ciclo nem já se encontraram a frequentar a escola, há 5 anos atrás.

67. Quanto às taxas de saída anteci­pada do sistema educativo, nessa mesma altura, aproximadamente 1/4 da população residente no Continente, que tinha entre 18 e 24 anos, não tinha concluído o 3.º ciclo, em 2001, nem se encontrava já a frequentar a escola, verificando-se os melhores resultados nas regiões de Lisboa e do Centro, sendo novamente no Norte, a região do Tâmega, e particularmente nos concelhos de Lousada, de Paços de Ferreira, de Felgueiras, de Cinfães e de Baião, que se verificavam os piores resultados, em que cerca de metade da população dessa faixa etária, abandonava a escola sem ter concluído o 3.º ciclo do Ensino Básico.

68. Quanto às taxas de retenção, os seus valores têm-se mantido sensivelmente semelhantes, nos últimos 10 anos, oscilando entre um mínimo de 12,7% (em 2000/2001) e um máximo de 15,6% (em 2001/2002), para o 2.º ciclo, enquanto no ciclo seguinte esses valores oscilavam entre um mínimo de 17,2% (em 1999/2000) e um máximo de 20,4 % (em 1996/1997).

69. Sucessivas reformas curriculares, nunca avaliadas, têm-se revelado ineficazes no combate ao insucesso e abandono escolares nestes ciclos de ensino. Quanto à última, a última, regulamentada pelo Decreto-lei 6/2001, de 18 de Janeiro, cuja avaliação prometida, à data da sua imple­mentação, nunca se realizou, está hoje descaracterizada pelas sucessivas alterações pontuais introduzidas. Exemplo disso foi a introdução nos currículos das áreas curriculares não disciplinares, inicialmente da respon­sabilidade de um par pedagógico, situação que foi rapidamente abandonada pelos responsáveis do Ministério da Educação, por razões meramente finan­ceiras. Por outro lado, esta revisão curricular trouxe, ao contrário do que preconizava,  particularmente no 3º ciclo, um efectivo aumento da carga horária dos alunos, um aumento de disciplinas e áreas e o retorno às disciplinas com um bloco semanal, provocando nos jovens uma evidente dispersão do nível etário 12/15 anos. Esta realidade e a organização dos horários em blocos de 90 minutos merecem, necessa­riamente, uma reflexão séria por parte de todos os responsáveis.

70. Por outro lado, a introdução dos exames às disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática no 9.º ano, contra toda a lógica do diploma de avaliação dos alunos (que apontava para o seu carácter essen­cialmente formativo), contribuiu deci­sivamente para um agravamento acentuado das taxas de retenção neste ano de escolaridade, em 2004/2005 - 20,3%, quando em 2003/2004 tinha sido de 13,1%.

71. Várias têm sido as tentativas para combater as elevadas taxas de retenção e abandono escolares, muitas vezes tomadas ao sabor de modas ou em função dos financiamentos que estão disponíveis em cada momento. Também os actuais respon­sáveis, pela Educação lançaram algumas medidas:  o programa de apoio ao ensino da Matemática com a aprovação de projectos específicos apresentados pelas escolas; o lançamento do programa Novas Oportunidades, incentivando as escolas públicas a oferecer cursos de cariz pro­fissional que levem à integração/manu­tenção no sistema de jovens que se pensa estarem desmotivados pelos currículos ditos "normais".

A REORGANIZAÇÃO DA REDE ESCOLAR: CONSEQUÊNCIAS NOS HORÁRIOS E NA FORMAÇÃO DOS DOCENTES

72. A extinção e fusão de escolas e a generalização dos agrupamentos verticais, com sede nas escolas do 2º e 3º ciclos, bem como o alargamento dos agrupamentos a escolas com secundário, tem trazido alterações significativas à vida das escolas e, alguma instabilidade à vida dos docentes. Também a alteração dos grupos de docência, imposta pela actual equipa do Ministério da Educação, provocou perturbações, desde logo nos concursos, perturbações que se estenderam à distribuição de serviço e elaboração dos horários dos docentes. A recente divulgação de um novo projecto de modelo de formação de professores para o 2.º ciclo do ensino básico, com a predo­minância de um "professor tutor", está também a provocar perplexidade entre os docentes.

73. Uma primeira consequência da constituição dos agrupamentos foi, para alguns docentes, a transferência ou o destacamento para outras escolas, em resultado da falta de horários nas escolas a cujo quadro pertenciam, e uma diminuição acentuada de horários para contratação. Também as orientações emanadas pelo Ministério da Educação sobre a organização das escolas/agrupamentos e dos horários dos docentes tem imposto a deslocação de docentes da sua escola de origem para as escolas do agrupamento durante parte do seu horário lectivo e, por vezes, no horário não lectivo, para trabalhar com alunos de ciclos de educação e ensino diferentes daquele para o qual o docente tem for­mação. A acção da FENPROF na denúncia de situações irregulares e injustas, apoiando os docentes lesados por medidas sem qualquer enquadramento legal, tem feito clarificar situações e mesmo reduzir os aspectos mais perversos das medidas.

74. Combater o insucesso e o abandono escolar, que ainda persiste em elevado grau no ensino básico em Portugal, não está desligado da satisfação do corpo docente. Estes continuam a ser objectivos que a FENPROF prossegue. Neste sentido entende que deve ser exigido ao governo uma avaliação rigorosa do impacto das últimas reformas curriculares no 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, nomeadamente no que diz respeito aos seguintes aspectos:

- Não cumprimento a 100% da taxa de frequência e a persistência de uma não progressão e, até mesmo, estagnação nos seus valores desde meados da década de 90, a manutenção de uma taxa de aban­dono com algum significado, sobretudo em alguns concelhos do interior e, ainda, a tendência para o crescimento da taxa de insucesso escolar nestes dois ciclos do Ensino Básico, com particular incidência no 9.º ano, sobretudo após a introdução dos exames a Língua Portuguesa e Matemática;

- Que se avaliem seriamente as medi­das/projectos implementados para com­bater o insucesso e o abandono escolares no sentido de construir as melhores soluções;

- Que se faça uma análise séria dos currículos e do regime de avaliação dos alunos e das cargas horárias em vigor, no sentido de encontrar as melhores respostas para os problemas já amplamente proble­matizados;

- Que se estude a possível correlação entre a predominância dos blocos de 90 minutos com o aumento da indisciplina na sala de aula, no sentido de se vir a alterar esta situação;

- Que se avalie o papel das áreas curriculares não disciplinares, depois das alterações que lhe foram introduzidas;

- Que se repense a questão das activi­dades de substituição, que não podem ser entendidas como uma mera ocupação, de qualquer modo, dos tempos livres dos alunos, avaliando os seus benefícios em termos de aprendizagem e de promoção do sucesso escolar;

- Que se  invista  em  medidas   que  conduzam à  estabilidade  e  satisfação profissional dos docentes, criando as condições necessárias a que estes se sintam implicados e ganhos para os projectos e medidas a implementar no âmbito do combate ao insucesso e abandono escolar;

- Que se invista de uma forma séria, coerente  e fundamentada na formação dos docentes, de forma a dotar os profissionais dos instrumentos essenciais ao exercício da profissão.

ENSINO SECUNDÁRIO

75. Apesar da taxa de frequência do Ensino Secundário se ter multiplicado cerca de 6 vezes, entre os 8,7%, de 1977/1978, e os 59,8%, de 2005/2006, verifica-se uma estagnação dos seus valores nos últimos 10 anos.

76. Esta taxa de frequência do nosso Ensino Secundário é muito baixa em relação aos países europeus. Os dados do censo de 2001, apesar de indicarem uma significativa melhoria, relativamente ao decénio anterior, apontavam uma percentagem de população entre os 18 e os 24 anos, que já não se encontrava a frequentar qualquer grau de ensino e que não possuía o Ensino Secundário completo, da ordem dos 45%, contra os 19% da média de então da União Europeia dos 15.

77. Os números de 1999, da Europa, davam uma percentagem média de 71% dos jovens, entre os 25 e os 29 anos, com o Ensino Secundário completo, enquanto que entre os 30 e os 39 anos, esses números baixavam para 67%. Em Portugal, os valores regis­tados, para os mesmos grupos etários, eram de 42% e 29%, respectivamente.

78. Tais discrepâncias devem-se a que, praticamente, a grande maioria dos países europeus começou a investir na massi­ficação da educação há 50 anos atrás (e os nórdicos há cerca de 100), enquanto que em Portugal temos apenas 30 anos dessa opção. Por outro lado, a grande maioria desses países já prolongou a sua esco­laridade obrigatória para os 11 ou 12 anos, enquanto Portugal ainda não consegue cumprir a 100% os 9 anos de escolaridade, que só foram implementados a partir dos anos 90 do século passado.

79. Quanto à procura dos alunos, relativamente às diferentes opções, segundo os dados preliminares relativos ao ano de 2004/2005 do M. E., frequentavam o Ensino Secundário 345 696 alunos, dos quais 82% em escolas públicas e 18% em escolas particulares (que têm uma taxa de frequência de sete pontos e meio superior, neste sector de ensino, em relação ao Básico, onde se fica pelos 10,5%).

80. Destes cerca de 345 mil alunos, 244 904 frequentavam o ensino regular, dentro do qual a maior fatia, cerca de 77%, estava inscrita nos cursos de prosseguimento de estudos, mais conhecidos por "gerais" ou "científico-humanísticos", segundo a novel nomenclatura, ou seja, 189 567 alunos, perto de 3/4 partes do total dos que estavam inscritos no Ensino Secundário regular pretendiam, fundamentalmente, continuar os estudos de acesso ao Ensino Superior.

81. A outra alternativa do ensino regular, os cursos tecnológicos tinham as seguintes taxas de procura: 55 337 alunos, o que equivalia a cerca de 23% das inscrições.

82. O ensino recorrente tinha 64 824 alunos inscritos, o profissional que passou de 33 mil  (em 2004/2005) para 44 mil (em 2006/2007), o artístico especializado 2 317 e o qualificante, 520.

83. Se somarmos o conjunto dos alunos matriculados nos cursos alternativos ao ensino regular e os dos cursos tecnológicos, verificamos que o conjunto de todas essas opções não excede em mais de uma ou duas décimas percentuais os 45% do total dos alunos inscritos no Ensino Secundário.

84. Esta é a primeira distorção do nosso sistema educativo, no que se refere ao Ensino Secundário: o excesso de procura dos cursos gerais, que dão apenas uma forma­ção genérica e o acesso ao prosse­guimento de estudos, mas não uma formação tecno­lógica ou especializada, falhando no seu objectivo fundamental de qualificação dos nossos recursos humanos, através da formação e certificação de quadros de nível médio.

85. Quanto à questão da retenção no Ensino Secundário ela é particularmente significativa no 10.º e no 12.º anos, a que não será certamente alheia, em relação a este último ano, a existência dos exames nacionais no ultimo ano deste ciclo de ensino. Esta situação poderá, ou não, ser modificada, a partir deste ano, com a introdução da dispersão dos exames deste ciclo de estudos pelos dois últimos anos, em vez de se concentraram, como actual­mente, no último.

86. As taxas de transição, no 10.º ano, variaram no último decénio, entre um mínimo de 60,3% (em 1995/1996) e 70,5% (em 2004/2005), enquanto que no 11.º ano se situam em patamares mais elevados, oscilando entre um mínimo de 75,6% (em 2000/2001) e um máximo de 84,1% (em 2004/2005). As mais baixas taxas são, contudo, as de conclusão, que se verificam no 12.º ano, com valores compreendidos entre um mínimo de 47,5% (em 2000/2001) e um máximo de 62,5% (em 1995/1996).

87. A possibilidade de conclusão do 12.º ano, sem a realização de exames, que este último governo introduziu para todos os cursos do Ensino Secundário, com excepção dos científicio-humanísticos, irá, provavel­mente, melhorar os dados estatísticos, embora sem grande significado, dado o peso menor que têm estas opções na procura dos alunos.

88. Demasiadas reformas curriculares, contraditórias entre si, em pouco mais de uma década, bem como medidas avulsas não estão a alterar de modo positivo o Ensino Secundário, que continua distorcido em relação à procura dos alunos, com predominância dos cursos científico-humanísticos, optando os discentes pela continuidade dos estudos, mas a existência de exames nacionais e de "numerus clausus" no acesso ao Ensino Superior faz com que várias dezenas de milhar deles concluam efectivamente o 12.º ano, anualmente, sem qualquer formação específica e sem possibilidade de entrar para a Universidade, transformando-se em mão de obra barata e sem qualquer qualificação. Até quando continuará este estado de coisas?

89. A questão do prolongamento da escolaridade obrigatória para 12 anos é uma das medidas estruturais que devem ser implementadas, tal como a FENPROF já vem exigindo desde o Congresso de Braga, mas é necessário repensar todo o funcio­namento do Ensino Secundário, no sentido de eliminar as suas distorções, melhorar as qualificações profissionais dos alunos e dar-lhe uma identidade própria.

90. A emergência de um quadro comunitário de apoio em que uma parte dos fundos se destina ao Ensino Profissional deve ser uma oportunidade a não desper­diçar pelo Ensino Público, nomeadamente através de uma reestruturação do Ensino Secundário que permita atingir os seguintes objectivos:

- Eliminar a distorção da procura entre os cursos de prosseguimento de estudos e de qualificação profissional;

- Dar igual dignidade às diversas vias do Ensino Secundário;

- Fazer uma diversificação curricular, com ou sem existência de um tronco comum de formação geral;

- Permitir sistemas de avaliação dos alunos que valorizem não só as apren­dizagens cognitivas, mas também  as competências adquiridas nos domínios do saber fazer e da sua utilização prática;

- Dar oportunidades de acesso ao Ensino Superior aos alunos das vias profissio­nalizantes (para além do exame, por exemplo, um x número de anos de vida activa);

- Dar a possibilidade aos alunos da vertente Científico-Humanísticas de concluírem o 12.º ano, sem efectuar exames, se não pretenderem prosseguir estudos, tal como se verifica nas outras opções.

 

O ENSINO PROFISSIONAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS E O PROGRAMA NOVAS OPORTUNIDADES

 

91. Num quadro de coexistência de uma pluralidade de discursos e concepções sobre o papel da Escola importa sublinhar o reconhecimento ideológico - plasmado de senso comum - com que, a via de escola­ridade cuja finalidade é o prosseguimento de estudos superiores se assume como eixo dominante e normativo do conjunto do sistema. Como é sabido, a norma permite a identificação do que está conforme e do que constitui desvio. Ou seja, desvios com tradução perversa no seu reconhecimento social.

92. É neste contexto que, no plano político-educativo, se esgrime o conceito teórico de diferenciação curricular tendo como fundamento maior a consideração pela diversidade dos públicos escolares e como finalidade última a promoção bem sucedida das suas aprendizagens. De modo igualmente desfavorável, é num contexto escolar intrinsecamente uniformista no seu modelo organizacional e curricular que se procura operacionalizar e implementar práticas de diferenciação e resistir ao forte apelo das rotinas institucionais esta­belecidas.

93. O insucesso escolar, de causas múltiplas e diversas, encontra nesta prevalência normativa e organizativa o seu aprofundamento. A participação e a responsabilidade da escola como espaço de reestruturação das relações sociais são, neste contexto, seriamente prejudicadas. Ao acentuar a sua especificidade social, a escola não pode deixar de levar a sério as realidades humanas e sociais estruturadas em torno de desigualdades de índole diversa, redobradas por novas desigualdades de estatuto indeterminado, e ampliadas pela indesmentível assimetria no plano dos recursos.

94. A extensão e a proliferação dos cursos de educação e formação (de jovens e adultos) e dos cursos profissionais na escola pública impõem que o olhar crítico atravesse a espessura da legislação e dos normativos, suspenda a discursividade e se focalize na coerência das práticas e na dinâmica das suas possibilidades de organização. A aceitação do referencial retórico sem efeitos ou consequências práticas na Escola, na sua organização e nos planos da acção curricular e pedagógica, não confronta ou problematiza a lógica uniformista do actual modelo escolar. Por demissão ou omissão, solidifica a soberania dessa lógica e o seu consequente reforço constitui e constituirá uma condição de desvalorização e de segregação do projecto da diversificação enquanto ideia dinâmica e positiva de inclusividade.

95. Em síntese, poder-se-á dizer que o tradicionalismo da forma escolar de educação e da natureza burocrática de organização constituem factores que contribuem para vários disfuncionamentos no domínio educativo e pedagógico, com tradução muito particular na pedagogização dos problemas sociais, e, por arrastamento, no reforço das perspectivas compor­tamen­talistas e psicologizantes da proble­mática da desigualdade e da injustiça social .

96. Pelo que atrás se disse, a FENPROF não pode deixar de participar no amplo debate de definição da educação escolar analisando os principais elementos con­ceptuais que corporizam as orientações diversas reunidas nos conceitos da diver­sificação e da democratização educativas.

97. A modernização constitui uma ideia que atravessa e subordina os conceitos educativos da diversificação e da demo­cratização, impondo os seus imperativos da "adaptação à mudança" e da "qualificação de recursos humanos". Para a concretização do primeiro, sugere-se a expansão do sistema educativo e a elevação do nível educativo da população. Para a realização do segundo, aponta-se a diversificação de cursos, de currículos e, igualmente, de instituições.

98. Grosso modo, poder-se-á inferir que o projecto da diversificação educativa associada à modernização, enquanto processo referenciado à organização económica e ao sistema produtivo, procura tornar o sistema educativo mais permissivo às solicitações de natureza económica e mais sensível politicamente a interesses de grupos sociais particulares, sem que o centralismo estatal deixe de funcionar no que concerne à nobre via de acesso ao ensino superior.

99. A diversificação de cursos e de modalidades de formação, ou seja, a diversificação das oportunidades, como forma de garantir o sucesso educativo, não questiona as condições que arrastam os indivíduos no momento da escolha, mas, outrossim, parece empenhar-se na contri­buição do sistema escolar para a diferen­ciação funcional daqueles, de acordo com a estruturação da vida social.

100. Não menosprezando a força e a complexidade dos processos sociais, importa, ao falar-se de educação escolar e do seu papel, situar a modernização económica num quadro mais amplo de democratização social e política, de modo a criar condições favoráveis à transfor­mação das relações e estruturas sociais. Defender um projecto de desenvolvimento que fortaleça a sociedade democrática implica ter em conta as realidades enrai­zadas nas diferenças de carácter económico, cultural e social, possibilitando à escola que inverta o seu papel na reprodução, quando não na produção, das desigualdades sociais.

101. As formações e os percursos diferenciados implicam uma inovação curricular e uma mudança de cultura escolar que pressupõem a necessidade de formar e apoiar, na Escola, equipas de professores capazes de desenvolver o currículo de forma integrada e adequada às características e necessidades dos diferentes contextos educativos, possibilitando, assim, o sucesso educativo generalizado para todos os alunos.

102. Algumas questões objectivas se colocam; como transformar em realidade algumas propostas diferenciadoras que, devido a factores de diversa ordem, não têm tido o sucesso que se ambiciona? O que deve ser feito para uma diferente concepção de escola, de professor, de aluno e de currículo? Como questionar a existência de práticas, muito arreigadas numa tradição e numa cultura de escola que funcionam como poderosos obstáculos à diversidade, impe­dindo assim a concretização e o desen­volvimento de um modelo curricular inova­dor, efectivamente alternativo e coerente?

103. Num levantamento destes proble­mas ou obstáculos à inclusividade, enqua­drados pelo que atrás se disse, poder-se-á constatar como mais prioritários os seguintes:

- Em relação ao currículo, a sua natureza persistentemente prescritiva, de matérias e conteúdos justapostos e conduzido por práticas uniformes e homogéneas que limitam a sua adequação à diversidade;

- Em relação às aprendizagens, uma visão assente numa perspectiva cumulativa, passiva e linear, onde a função instrutiva dilui a preocupação com o desenvolvimento integral dos jovens e os seus conteúdos, divorciados da experiência, carecem de significado e funcionalidade;

- Em relação à escola, a percepção de uma instituição fechada e descontex­tualizada das necessidades e problemas do meio e, como tal, incapacitante na cons­trução de um projecto formativo próprio e eficiente;

- Em relação aos professores e ao seu desenvolvimento profissional, a constatação de uma cultura pedagógica suportada na recepção de orientações vindas do exterior e na transmissão excessiva de conhe­cimentos e técnicas, de forte apelo ao individualismo e à descontextualização dos problemas da realidade escolar.

104. Em síntese, importa reclamar e desencadear as condições adequadas à praticabilidade da construção de projectos de educação e de formação que funda­mentem, articulem e orientem todas as actividades e experiências educativas realizadas na escola, conferindo-lhes sentido e intencionalidade. Considerar o currículo como um projecto a construir significa aceitar a sua natureza aberta e dinâmica, ressaltando a importância dos processos de decisão, investigação, reso­lução de problemas e reflexão necessários à sua construção.              

105. A introdução dos cursos de educação e formação e dos cursos profissio­nais no ensino público pressupõe mudanças orientadas para a promoção e facilitação de melhorias tendentes a substituir o estado das práticas actuais por outro considerado mais desejável, à luz de determinadas opções de valor, cujos princípios e con­cepções educativas atrás se deixaram transparecer. Em síntese, importa cuidar das condições facilitadoras à melhoria dos processos de "desenvolvimento curricular" com vista a oferecer aos alunos um currículo mais "integrado, significativo e adequado" às suas necessidades de desenvolvimento e de formação.

 

1 Do texto de José Alberto Correia intitulado "A CONSTRUÇÃO POLÍTICA-COGNITIVA DA EXCLUSÃO SOCIAL NO CAMPO EDUCATIVO"inserido em "Perspectivas Sobre a Inclusão - Da educação à Sociedade", organizado por David Rodrigues, nº 14 da Colecção Educação Especial (Porto Editora).

ENSINO PROFISSIONAL

106. Desde o seu 7º Congresso que a FENPROF tem vindo a referir o ensino profissional como um "vector estratégico e decisivo do desenvolvimento dos cidadãos e da sociedade", sublinhando o papel relevante que o ensino profissional e as escolas profissionais têm vindo a desem­penhar na melhoria da qualificação dos recursos humanos e nas políticas de desen­volvimento económico. Paralela­mente, tem vindo a exigir do Estado medidas concretas de valorização, consolidação e dignificação destes cursos, através do aumento da sua oferta pública, bem como da promoção da sua democraticidade e qualidade.

107. Para a FENPROF é fundamental que as diversas vias de estudo existentes no ensino secundário se concretizem em respostas adequadas à diversificação das motivações e vocações dos jovens e que tenham a mesma qualidade e a mesma dignidade, com regras claras quanto à permeabilidade entre os vários cursos e quanto ao acesso ao ensino superior. Por isso mesmo, a FENPROF considera de extrema importância que as vias mais vocacionadas para uma inserção mais imediata no mercado de trabalho sejam suportadas por uma forte e consistente componente de formação geral que forneça aos jovens os instrumentos necessários que lhes permita, por um lado, a aquisição contínua de saberes e a adaptação cons­tante às sucessivas mudanças e inovações tecnológicas e, por outro, a continuação de estudos superiores, se assim o desejarem.

108. Por outro lado, e apesar de defender a abertura da escola pública aos cursos profissionais e às vias qualificantes, pelas razões antes referidas, a FENPROF não pode deixar de mostrar forte preocupação perante a forma e as condições (ou falta delas) em que estão a ser implementados estes tipos de cursos no ensino público, através do programa Novas Oportunidades, tão propagandeado pelo Governo. Segundo o Ministério da Educação, em consequência deste programa mais 11.125 alunos do ensino secundário estão este ano a fre­quentar cursos profissionais e no ensino básico 20 mil alunos frequentam cursos profissionalizantes de nível 2, contra 8 mil do ano anterior. Perante esta situação, várias perguntas se impõem:

a) Estão estes jovens a frequentar estes cursos por simples motivação ou vocação, em consequência de uma escolha delibe­rada, ou, pelo contrário, estão a ser encaminhados para estes cursos em virtude de anteriores níveis de reprovação e insucesso escolar, sendo-lhes, assim, atribuído o estatuto de "excluídos" do interior do próprio sistema"? (José Alberto Correia, 2000)

b) Foram criadas, nas escolas, as con­dições básicas e essenciais à imple­mentação, com sucesso, destes cursos, nomeadamente ao nível do investimento em recursos materiais, da formação de profes­sores, da (re)organização pedagógica e curricular ou da flexibilização de horários?

109. Em consequência do que atrás foi referido, a verdade é que, e ao contrário do que os nossos governantes querem fazer crer, o ensino profissional e qualificante continua a desempenhar a clássica função de reprodução das estruturas sociais e de meio de selecção. Para que esta situação se inverta, é imprescindível haver uma mudança de mentalidade de toda a socie­dade, incluindo do próprio Estado, no sentido de atribuir à formação e ensino profissionais um reconhecimento social tão importante quanto tem, actualmente, por exemplo, o ensino superior. Só desta forma se poderá verdadeiramente valorizar e dignificar esta via de ensino, tão importante para a melhoria das qualificações dos portugueses e para um novo modelo de desenvolvimento económico do país.

110. Por último, mas não menos importante, a FENPROF não pode deixar de referir o importante papel que muitas escolas profissionais privadas têm desem­penhado, e necessariamente continuarão a desempenhar, na valorização e desen­volvimento do ensino profissional, tendo constituído, até há muito pouco tempo, a única alternativa de formação técnica, tecnológica e profissional para muitos milhares de jovens, proporcionando-lhes perspectivas, quer de inserção qualificada no mundo do trabalho, quer ao nível da prossecução de estudos superiores. Mas, apesar do reconhecimento do mérito evidenciado por muitas destas escolas, elas convivem com modelos de financiamento, dependentes na sua maior parte de fundos comunitários, que as estão a estrangular e que ameaçam destruí-las. É, por isso, urgente, que se repense um novo enqua­dramento legal para o financiamento das escolas profissionais, sob pena de, por incompetência, ou falta de vontade política, se destruir um subsistema de ensino que, complementando-se à ainda insuficiente oferta pública, continua a ser relevante para a formação e qualificação profissional de milhares de jovens.

EDUCAÇÃO ESPECIAL

111. Foi com base no princípio da inclusão educativa, que mais de trezentos participantes em representação de noventa e dois governos e vinte e cinco organizações internacionais - UNESCO, UNICEF, BANCO MUNDIAL - se reuniram em conferência em Salamanca em Espanha, de 7 a 10 de Junho de 1994. Daqui nasceu um conjunto de princípios, resoluções e recomendações --a Declaração de Salamanca-- sobre Princípios, Política e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais (NEE), subscrita por todos os participantes (entre os quais Portugal), onde se consagrou a necessidade de actuar no sentido de conseguir escolas para todos, ajustadas a todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais, linguísticas ou outras.

112. No texto da Declaração proclama-se que " (...) cada criança tem o direito fundamental à educação e deve ter a oportunidade de conseguir e manter um nível aceitável de aprendizagem; (...) cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de apren­dizagem que lhe são próprias; (...) os sistemas de educação devem ser imple­mentados tendo em vista a vasta diver­sidade destas características e necessi­dades".

113. A garantia dada pela Comunidade Mundial na Conferência Mundial sobre Educação para Todos de 1990 (Tailândia), bem como as Normas das Nações Unidas sobre Igualdade de Oportunidades para as Pessoas com Deficiência estão subjacentes a estas conclusões. A expressão NEE refere-se a todas as crianças e jovens cujas necessidades se relacionam com deficiências e dificuldades escolares, e a que as escolas devem encontrar formas de educar com sucesso, incluindo os que apresentam incapacidades graves.

114. Cresceu a partir daqui o consenso de que as crianças e jovens com NEE devem ser incluídos nas estruturas escolares destinadas à maioria das crianças. Aparece assim o conceito de Escola Inclusiva. O seu princípio fundamental consiste na inclusão de todos os alunos, sempre que possível, na escola regular, independentemente das dificuldades e diferenças que apresentem, porque se considera que todas as crianças e todos os jovens, mesmo com graves incapacidades, devem ser aceites pela escola regular e nela encontrar as respostas adequadas às suas necessidades educativas específicas.

115. A Conferência de Salamanca de 1994 representa, assim, a convergência e o compromisso político internacional que responsabiliza os estados e os governos pela concretização de medidas necessárias à implementação da integração plena de todos na Escola.

116. No nosso país, na sequência de Salamanca, tem vindo a alterar-se o conceito de NEE que, de uma maneira redutora e simplista durante muito tempo se aplicou aos alunos, crianças e jovens portadores de deficiência e a quem se associa a Educação Especial.

117. Ora, à luz da escola inclusiva, o termo NEE refere-se ao desfasamento entre o nível de comportamento ou de realização da criança e o que dela se espera em função da sua idade cronológica. O conceito de Educação Especial referido às crianças e jovens com deficiência deu lugar ao conceito mais vasto de necessidades educativas especiais que não se circuns­creve a essas situações, antes se alarga a todos os tipos de dificuldades de aprendizagem. Sem dúvida que o aspecto mais complexo da escola inclusiva é o que se refere à integração das crianças com deficiência nas escolas regulares. À medida que os sistemas de ensino se foram desenvolvendo e os anos de escolaridade obrigatória alargando, a grande heterogeneidade social e cultural (que caracteriza a escola de hoje e que tem sido marcada por níveis preocupantes de insucesso e abandono escolares em todos os países), têm colocado à Escola novas situações-problema - os casos das crianças com problemas graves de saúde, de aprendizagem, de comportamento, de socialização, de disfuncionamento familiar, de distúrbios emocionais, de rupturas diversas, de exclusão.

118. Uma das causas poderá ser pela hipervalorização dos saberes conceptuais - os dos exames que dão os rankings - que a sociedade valoriza desde sempre. O Sistema Educativo que temos marginaliza ainda, nalgumas situações, aqueles que fogem ao padrão do aluno médio, mantendo um projecto de educação escolar cuja matriz continua subjugada a uma concepção cumulativa de conhecimentos e ao peso que o ensino liceal ainda exerce, como para­digma de referência, ao nível do ensino não superior. A cultura do sistema educativo tradicional sempre atribuiu aos alunos a responsabilidade pelo insucesso. Ainda se afirma que quando os alunos não aprendem é porque não são inteligentes, ou não são cultos, ou não estudam, ou provêm de meios sociais degradados, ou são portadores de deficiência, ou dificuldades de apren­dizagem. Esta cultura sistémica parece ter esquecido que o papel prioritário e fundador da escola é formar os alunos e que reprovar, reter, excluir é desistir ou ignorar esse objectivo fundamental.

119. Nas primeiras décadas foram escondidos, esquecidos, segregados, institu­cionalizados na perspectiva assistencial, desfrutando apenas de apoio clínico.

120. Após 1981 - Ano Internacional do Deficiente - inicia-se a fase da integração, a caminhada para sair do guetto e assumir a dignidade plena de inserção numa escola, numa sociedade - processo de transição que tem sido lento em Portugal, com avanço e recuos, devido a diversos factores. Importa destacar a importância dos diversos sectores da chamada Educação Especial no apoio a essa integração progressiva, desejável, necessária e imprescindível numa sociedade que se diz democrática.

121. A Conferência de Salamanca, reali­zada há doze anos, veio proclamar o fim da guettização da educação - só em casos muito especiais e quando o processo de integração plena se verifica prejudicial à criança/jovem - afirmando o primado da escola regular, no acolhimento e educação de todas as crianças e jovens, atendendo-se às suas necessidades educativas individuais.

122. A escola inclusiva é essencial para se atingir uma efectiva educação para todos, porque é preciso construir uma sociedade inclusiva combatendo atitudes discri­minatórias, criando, assim, comunidades abertas e solidárias. Mas, para isso, im­portará mudar a forma como são encaradas as dificuldades educativas para que passem a ser vistas como um estimulo à promoção e criação de um ambiente educativo o mais rico para todos, o que passará, necessaria­mente, por um processo social de apren­dizagem, de trabalho de equipa, cooperação, solidariedade e entreajuda. Há que encon­trar formas de organização das escolas e do trabalho das turmas, de modo a que todos os alunos possam aprender com sucesso. A prática do apoio pedagógico, em que se dá mais do mesmo, numa perspectiva compensatória, não será talvez a mais adequada. A escola inclusiva aponta, antes, para o ensino diferenciado no interior da sala de aula, integrando o mesmo currículo. A escola inclusiva defende a aceitação da diversidade e pluralismo, não é dar mais a quem tem menos. Antes partilhar o que cada um tem, a partir do que cada um sabe. É preciso aprender a gerir a heterogeneidade, promover a igualdade de oportunidades de sucesso. Para conseguir diferenciar, é preciso, no entanto, estar atento às diferenças, o que implica se­leccionar métodos de ensino adequado às estratégias de aprendizagem de cada aluno.

123. Quando as crianças chegam à Escola, encontram-se em estádios ope­ratórios diferentes, servem-se de modos de comunicação e expressão diversos, têm idades cronológicas e mentais diferentes, ritmo, imagem de si próprios e dos outros igualmente diversos. Isto não é nem filosofia, nem lirismo! Importa pois privi­legiar o princípio educativo da inclusão e o cortar com práticas selectivas e discri­minatórias (infelizmente ainda tão pre­sentes no nosso quotidiano social e escolar). Muitas vezes a deficiência não está tanto na criança, mas sim na Escola que os diferentes Ministérios da Educação não souberam organizar para dar respostas adequadas e diferentes. Não há nenhuma criança que não seja educável e, em alguns casos, a deficiência que lhe é imputada é uma invenção social para justificar a selectividade, a segregação, quando a democracia não tem a força suficiente para fazer valer os direitos das minorias e das pessoas diferentes.

124. Com a escolaridade obrigatória, cada aluno é diferente do outro, cada caso é um caso, deixa de haver norma, padrão, aluno médio (isso sim, será lirismo). A escola inclusiva é a escola da diferença, mas não a diferença perversa e iníqua dos rankings. É a escola para a diferença, para a diver­sidade, desde os sobredotados aos alunos com deficiência, na maior diversi­dade de estratégias e meios.

125. No nosso país, a educação pública é a herança mais trágica, cuja face mais visível e com marcas mais profundas é o atraso na implementação da escolaridade obrigatória (em tempo de contra-ciclo demográfico e de investimento) - não basta encaminhar as crianças com NEE para a escola regular, é preciso que o Estado desempenhe, com eficácia, o seu papel de Educador e Formador das populações que procuram na Escola a resposta aos seus anseios de promoção cultural, social e, por consequência, de melhoria das suas condições de vida.

126. Não podemos limitar-nos a aceitar que a Escola, tal qual está hoje, esteja com carência de meios a vários níveis e não podemos permitir que se introduzam medidas adicionais para responder aos alunos com necessidades educativas especiais, mantendo o sistema inalterado nas suas linhas gerais.

127. Urge, assim, reflectir: a escola que temos e a sua organização; o papel do Estado na concretização do direito à educação; as orientações e práticas pedagógicas da Educação Especial; os recursos humanos e materiais, para poder­mos, com dados objectivos, repensar os Serviços de Educação Especial.

128. Não os pensar nem os reformar como pretenderam e pretendem os serviços do Ministério da Educação que, no passado ano Europeu da Pessoa com Deficiência (2003), enviaram à Sociedade Portuguesa, através da comunicação social, o Ante­projecto de Reforma da Educação Especial e Apoio Sócio-Educativo. Este projecto do ME para a Educação Especial veio aumentar as preocupações sobre as reais intenções do Governo Português de instituir a Exclusão como regra e a Inclusão como excepção, no quadro de uma Escola mais selectiva.

129. Não tendo sido aceite pela sociedade portuguesa este projecto deixou marcas negativas e perversas: os políticos que se seguiram mantiveram a mesma lógica e, sem terem alterado o dispo­sitivo legal (Decreto-Lei n.º 319/91), alteraram a prestação dos serviços de educação especial, gerando uma real anarquia neste segmento da Educação.

130. Ao Estado Português, enquanto Estado de Direito Democrático, cumpre fazer aplicar as Leis Portuguesas e assegurar o respeito pelas normas e princípios das Declarações e Convenções Internacionais por si aceites e subscritas, aliás, no quadro do Direito Internacional estabelecido pela Organização das Nações Unidas.

131. Num país com uma elevada taxa de insucesso escolar, uma elevada taxa de abandono escolar e uma reduzida taxa de frequência da educação de infância e dos ensinos secundário e superior, é absolu­tamente inadmissível:

- Manter dezenas de milhar de alunos com NEE sem os necessários apoios educativos;

- Não proceder à adaptação de materiais e equipamento;

- Não disponibilizar os necessários recursos humanos (docentes e não do­centes) de apoio para a realização plena de um real processo de inclusão;

- Impor constrangimentos financeiros que dificultam ou inviabilizam o acesso às ajudas técnicas;

- Reduzir os apoios especializados às escolas impondo situações e condições incomportáveis ao efectivo apoio de qualidade;

- Não garantir o acesso à formação especializada;

- Não garantir condições de ensino-aprendizagem, impondo circunstâncias inadequadas e degradantes em muitas situações educativas em geral e de apoio dos serviços de educação especial, em particular.

132. Doze anos depois de Salamanca, a acção do Ministério da Educação denota insuficiências e contradições significativas quando pretende desenvolver uma política educativa que vem tornar a Escola Pública mais selectiva (social e escolarmente), mais competitiva e mais elitista, menos demo­crática e NADA INCLUSIVA.

133. O Ministério da Educação pretende criar duas lógicas: uma para os alunos com necessidades educativas especiais (defi­cientes) e outra para os outros alunos. Como manda a geometria, dois sistemas paralelos nunca se encontram e, assim, ficará de fora um imenso número de alunos com insucesso repetido, dificuldades de aprendizagem e de comportamento, vítimas de exclusão social e discriminação cultural.

134. Os Serviços de Educação Especial, com a publicação dos Decretos-Lei n.º 20/2006, de 31 de Janeiro, e 27/2006, de 10 de Fevereiro, iniciaram um processo de desregulamentação sem precedentes:

- A criação de três grupos de recru­tamento pelas áreas de deficiência (for­malizando o carácter médico em detrimento do pedagógico);

- A criação de vagas de agrupamento para a educação especial, sem respeitar a formação inicial dos docentes com for­mação especializada;

- A brutal diminuição do número de vagas, impeditiva de um serviço de quali­dade, porquanto aumentou o número de alunos por docente e o número de escolas a apoiar, diminuindo o tempo de apoio especializado aos alunos com NEE;

- A não assumpção, pelo ME, de todos os cursos de formação especializada como habilitação para a educação especial;

- A colocação, por convite, de docentes sem formação especializada e sem expe­riência em educação especial, na Inter­venção Precoce;

- A colocação, por convite, de docentes em Unidades de Apoio Especializado;

- A colocação, por afectação de do­centes dos quadros de zona pedagógica, nas funções de educação especial, sem qualquer formação e sem experiência nestes serviços;

- A colocação, no final do primeiro período lectivo, de docentes com turma atribuída, nos serviços de apoio educativo;

- O preenchimento de Mapas com referência à CIF 2001 OMS (Classificação Internacional de Funcionalidade da Orga­nização Mundial de Saúde), contrariando quer o dispositivo legal vigente (Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto), quer as recomendações da própria OMS, que refere o imperativo da formação na CIF 2001, formação que não aconteceu;

- O elevado número de alunos com NEE que continuam sem o apoio especializado de que necessitam.

135. Assim, a FENPROF, defende:

- A criação de vagas de escola para a educação especial, respeitando a formação inicial dos docentes com formação espe­cializada;

- O aumento do número de vagas de escola em função das reais necessidades dos agrupamentos, como forma a implementar um serviço de qualidade;

- A assumpção, pelo ME, de todos os cursos de formação especializada como habilitação para a educação especial;

- O respeito pelos compromissos internacionais e legislação vigente para a educação especial;

- A garantia do apoio especializado a todos os alunos com NEE, por referência a critérios pedagógicos e não critérios médicos;

- A negociação, com as organizações sindicais, de qualquer alteração legislativa na área da educação especial.

ENSINO SUPERIOR E INVESTIGAÇÃO

136. Em resultado do crescente papel que ao Ensino Superior é internacio­nalmente reconhecido, no quadro da globalização neoliberal, como importante factor do desenvolvimento económico e do aumento da competitividade, tudo indica que, proximamente, se irão concretizar uma série de reformas que marcarão inde­levelmente o nosso sistema de ensino superior para a próxima década.

137. Esperam-se alterações signi­ficativas no que concerne à governança das instituições (leis de autonomia), se não mesmo quanto ao seu regime jurídico, bem como no que se refere ao financiamento, às carreiras e ao sistema de avaliação e de acreditação. O Governo aprovou já, para discussão pública, um projecto de legislação sobre a nova Agência de Avaliação e de Acreditação e anunciou um conjunto de outras medidas para os próximos meses.

138. Estas mudanças far-se-ão num contexto de fortes restrições orçamentais impostas pelo Governo que muito reduzirão o alcance que qualquer reforma poderá trazer para a melhoria da qualidade, da relevância social, da eficácia e da eficiência do sistema de ensino superior, em particular para uma sua maior democratização no acesso e na frequência.

139. A FENPROF não nega a necessidade de reformas no ensino superior, sector que esteve, por responsabilidade de sucessivos governos, sem uma direcção estratégica subordinada ao interesse nacional, antes entregue às pressões do mercado dos candidatos ao ensino superior e dos interesses da iniciativa privada, sendo objecto de um desinvestimento prolongado do Estado, em oposição às necessidades do desenvolvimento do país.

140. No entanto, a FENPROF entende que as reformas terão que acautelar princípios essenciais que assegurem e promovam o primado do interesse público, isto é, que garantam o cumprimento da função social do ensino superior, consti­tucionalmente consagrada, e a inde­pendência face ao poder económico e às pressões com vista à sua mercadorização.

141. No capítulo da personalidade jurídica das instituições e das novas leis de autonomia, a FENPROF não aceitará qualquer solução que permita que interesses privados, seja de que natureza forem, possam sobrepor-se ao interesse público, como não aceitará que seja postergada a gestão democrática, entendida como o dever e o direito de participação da comu­nidade académica nas decisões sobre matérias da organização e direcção da sua actividade.

142. Quanto ao financiamento, a FENPROF rejeita os cortes cegos que o Governo tem realizado nos orçamentos de funcionamento das instituições e exige que a anunciada contratualização dos próximos orçamentos assegure a todas as instituições públicas condições dignas para o exercício das suas actividades, tendo em consideração a sua situação particular e os seus planos de desenvolvimento, mas não deixando de ter por base indicadores comuns que garantam equidade e que afastem os riscos de favoritismos de tratamento.

143. A FENPROF não aceitará o au­mento das propinas relativamente aos máximos actuais e opor-se-á a quaisquer tentativas de fixação de propinas do 2º ciclo acima dos valores máximos actualmente exigidos para os 1ºs ciclos. É posição da FENPROF que, num contexto de redução da duração das licenciaturas (1ºs ciclos) e perante a necessidade de aumentar a qualificação dos quadros formados pelo ensino superior, com vista à inovação nos campos económico e social, é indispensável que a frequência dos 2ºs ciclos seja democratizada, não se constituindo como mais um elemento de reforço da selectividade social do nosso sistema de ensino.

144. Os cortes orçamentais, em especial os que foram impostos para 2007, que em média atingem os 14%, têm vindo a levar os responsáveis pelas instituições a enveredar por expedientes, muitos dos quais ilegais e outros de legalidade muito duvidosa, com vista a reduzir a massa salarial. Muitos docentes são enviados para o desemprego (sem qualquer protecção social) e outros têm visto reduzidos os direitos salariais dos seus contratos. O regime de dedicação exclusiva é recusado a muitos deles, ou por imposição contratual, ou por conversão dos contratos de tempo integral em tempo parcial, aumentando, assim, a precariedade de emprego. A nomeação definitiva chega a ser perversamente encarada como uma forma de ema­grecimento do corpo docente, dificultando-se, para além do razoável, a sua concessão.

145. Esta tendência para o aumento da precarização das relações contratuais ofende gravemente os direitos dos docentes, em particular o direito a uma carreira, bem como as condições necessárias para o exercício da liberdade académica que é um pressuposto básico para o cumprimento das missões de interesse público confiadas ao ensino superior.

146. Para a FENPROF importa lutar para que as alterações às carreiras não acolham, mas antes invertam, as actuais tendências para o aumento da precariedade e para a redução dos salários e das condições para o exercício de funções com liberdade de criação, de crítica e de expressão da opinião, incluindo sobre as instituições em que os docentes prestam serviço.

147. Isto implica, em especial, no ensino superior privado, que o MCTES legisle no sen­tido de garantir um regime de con­tratação e de carreira em correspondência com aqueles princípios, designadamente, com os que constam da Recomendação da UNESCO sobre a condição dos docentes do ensino superior, pondo termo às arbitra­riedades das entidades patronais e à reduzida qualificação dos corpos docentes das instituições.

148. O regime de dedicação exclusiva, sem prejuízo da sua adequada fiscalização e regulação, deve continuar a ser de opção livre da cada docente e a ser encarado, por excelência, como o regime de prestação de serviço dos docentes do ensino superior.

149. A limitação das oportunidades de promoção, devida aos cortes orçamentais e ao total preenchimento dos quadros, que se verifica em muitas instituições, é um factor de negação do direito a uma carreira e constitui um desincentivo à aquisição de mais qualificações e melhores desem­penhos. A FENPROF terá por objectivo, na revisão das carreiras, encontrar soluções para este grave problema de estagnação que tolhe a iniciativa, a autonomia profissional e a eficácia da actividade de um grande número de docentes.

150. As questões da avaliação e da acreditação das instituições e dos cursos são fundamentais para a melhoria da qualidade do sistema do ensino superior e para a sua regulação, reduzindo factores de opor­tunismo e de concorrência desleal que a actual situação tem permitido. Importa, contudo, que o sistema seja de facto independente do Governo e das instituições e que não se oriente por critérios de exclusiva obediência às leis da economia e do mercado.

151. A avaliação dos docentes em provas e concursos deverá, no entender da FENPROF, ser revista tendo por objectivos o aumento da sua pertinência, idoneidade, transparência e equidade, eliminando arbitrariedades e reduzindo discricio­narie­dades. Em particular, os processos de fixação prévia de critérios de avaliação e de nomeação de júris são questões de grande sensibilidade que deverão ser reguladas, tendo em atenção as capacidades das instituições, individualmente consideradas, para o exercício autónomo de tais compe­tências.

152. No campo da Ciência e da Tecno­logia, persistem os atrasos nos finan­ciamentos das unidades de investigação que provocam grande instabilidade na sua actividade, designadamente no que se refere à continuidade dos contratos de muitos dos investigadores que neles trabalham de forma precária.

153. O crescimento de investimento nesta área é fundamental, bem como o aumento do emprego científico, de modo a criar as condições para evitar a fuga de cérebros e para aproveitar, em benefício do desenvolvimento do país, o esforço que o Estado tem feito na formação avançada de quadros científicos.

154. Importa ainda que os investi­mentos na Ciência, recentemente publi­citados com grande espalhafato mediático, venham a apresentar uma relação bene­fícios/custos elevada, o que está longe de ser, à partida, evidente.

ENSINO PARTICULAR E COOPERATIVO

155. O ensino privado em Portugal assenta em três subsistemas que repre­sentam realidades diversas e ocupam espaços diferentes: o Ensino Particular e Cooperativo (EPC), de natureza empresarial, as Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS), de cariz mais assistencial, e as Misericórdias e Mutualidades que, apesar de juridicamente serem IPSS, têm particu­laridades que as diferenciam das anteriores.

156. O ensino privado está claramente definido como supletivo do público, mas a evolução política dos governos tem sido no sentido de se desresponsabilizarem pelo desenvolvimento do ensino público e de atribuírem ao ensino privado um papel de maior relevo, num primeiro momento na expansão da educação pré-escolar e do ensino superior, mas, agora, já nos restantes sectores e níveis de ensino através do financiamento dos próprios estabe­leci­mentos de ensino privado com dotações orçamentais sempre crescentes, ao abrigo de diversos protocolos de associação e cooperação.

157. Relativamente ao quadro legal em vigor que estabelece as regras de contra­tualização do Estado com os colégios privados (contratos simples, contratos de associação, entre outros), a FENPROF não reivindica a alteração dos seus termos, mas exige que estes sejam escrupulosamente respeitados. Nesse sentido, torna-se necessário reforçar a fiscalização e, sempre que se justifique, agir em conformidade. Recorda-se que, há cerca de 7 anos, a Inspecção-Geral de Educação desenvolveu uma importante acção inspectiva de que resultou a instauração de mais de duas dezenas de processos de averiguação e/ou disciplinares. Apesar de, por diversas vezes, junto de vários Governos, ter sido solicitada informação sobre as conclusões finais desses processos, estas continuam por conhecer, como desconhecidas continuam eventuais sanções disciplinares aplicadas.

158. A tentativa de integrar o ensino privado numa designada rede nacional da educação vai no sentido de subverter os próprios conceitos de público e privado. Com o argumento de que a educação é um serviço público que tanto pode ser prestado pelas escolas "estatais" (com a preocupação de utilizar a palavra estatal para inculcar uma certa nota depreciativa junto da opinião pública) como pelas escolas privadas e, ainda, alegando uma designada "liberdade de escolha", conceito neoliberal pelo qual se procura colocar em pé de igualdade a resposta pública e a privada, e o respectivo financiamento do Estado, os governos reduzem o investimento no ensino público, onde persistem graves lacunas estruturais. Ao mesmo tempo, assiste-se ao aumento dos valores dos financiamentos ao sector privado por parte do Estado, entre­gando-lhe milhões de euros, cuja aplicação não é devidamente controlada. Simulta­neamente, o Estado celebra novos contratos de associação com estabelecimentos de ensino privado situados em locais onde existem escolas públicas, muitas vezes com carência de alunos.

159. Esta teoria, completamente enraizada na ideologia neoliberal, levou a um crescimento desmesurado do sector privado em detrimento do público, com o correspondente financiamento através do Orçamento de Estado.

160. Todavia, este crescimento con­fronta-se hoje com alguns problemas provenientes da queda demográfica da população portuguesa, a mais elevada da União Europeia a par da Itália, que começou a atingir também o ensino privado e, mais especificamente, o ensino particular e cooperativo. É hoje um fenómeno conhecido a diferença que existe, ao nível dos lucros e das dificuldades financeiras, entre os pequenos e os grandes colégios privados. E este não é um problema menor quando se tem que negociar Contratos Colectivos de Trabalho.

161. Não é o caso dos estabelecimentos de natureza assistencial, pois aqui o Estado paga por inteiro toda a componente educativa através do Ministério da Edu­cação, enquanto o Ministério do Trabalho e da Segurança Social paga a componente social. De uma forma geral, as IPSS e as Misericórdias saíram muito beneficiadas com os acordos celebrados com o Governo, pois, além de gerirem os dinheiros como muito bem entendem, têm uma capacidade negocial enorme, ao deterem uma boa parte da rede de educação pré-escolar e a quase totalidade da rede de creches, que podem usar como arma de arremesso, uma vez que não têm obrigação jurídica de darem continuidade ao processo.

162. Quando acima se referiu a exis­tência de três subsistemas com realidades distintas no sector do ensino privado, pretendeu-se desde logo adiantar que as relações laborais são também distintas.

163. O Ensino Particular e Cooperativo tem uma longa tradição de negociação colectiva, pois sempre teve um Contrato Colectivo que é obrigatoriamente negociado entre patrões, organizados numa Associação Patronal (a Associação dos Estabe­leci­mentos de Ensino Particular - AEEP) e trabalhadores representados pelos seus Sindicatos e que não se diferencia de um CCT de qualquer outro sector.

164. Por sua vez, as IPSS organizaram-se em Associação Patronal com capacidade para negociar acordos de natureza laboral, a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social - CNIS, cuja tradição negocial é, além de débil, profun­damente deficitária. Estribados na sua natureza assistencial, sempre procuraram introduzir a ideia de que aos trabalhadores também cabia a tarefa de fazer caridade. Foi, por isso, muito difícil conseguir chegar a um CCT, o que só aconteceu em 1998, e, no geral, as negociações só se concluem após conciliação no Ministério do Trabalho. As dificuldades negociais não advêm dos salários, uma vez que estes dependem de verbas atribuídas pelo Ministério da Educação, mas das condições e organização do trabalho.

165. Finalmente, as Misericórdias não têm uma Associação que juridicamente as represente, pelo que a União das Mise­ricórdias apenas pode chegar a um acordo que não passa de um referencial para cada uma das instituições. Quer isto dizer que cada uma delas é livre de aplicar, ou não, o acordo negocial feito com os Sindicatos, pelo que a acção sindical se tem que realizar em dois planos: no negocial, procurando chegar a acordo com a União das Mise­ricórdias, e no terreno, procurando que cada Misericórdia aceite e assine esse mesmo acordo.

166. Assinale-se que dois sectores ainda não têm qualquer regulação laboral, pelo que os seus trabalhadores, docentes e não docentes, vivem ao sabor da arbitrariedade patronal: o ensino superior e o ensino profissional. Neste último, contudo, estão a ser dados alguns passos positivos no plano negocial que se esperam decisivos para que, finalmente, seja aprovado um CCT espe­cífico.

167. O ensino privado é uma realidade e a acção da FENPROF, neste domínio, não pode ser desvalorizada, quer porque se deve reivindicar que o ensino nele ministrado tenha níveis de exigência elevada e se integre nos objectivos gerais da Educação, quer porque nele trabalham milhares de docentes.

168. Na verdade, se o ensino privado é legal, se nele aprendem e se educam milhares de crianças e jovens, a FENPROF não pode deixar de se preocupar com os valores que nele são ministrados. Natural­mente que cada estabelecimento de ensino pode ter o seu ideário, o seu projecto pedagógico próprio, mas não pode deixar de ter em conta os valores a que toda a Escola é obrigada pela Constituição da República e pela Lei de Bases do Sistema Educativo, valores como os da tolerância, do respeito pela diferença, pela paz, pela integração e coesão social, de modo a formar cidadãos críticos e intervenientes numa sociedade democrática e plural.

169. A FENPROF continuará a intervir no sentido de defender os direitos dos docentes que trabalham no ensino privado, porque são docentes e porque, como tal, merecem o respeito e a consi­deração devidos, seja qual for o local onde exerçam a sua profissão. E hoje, mais do que ontem, esta acção é fundamental porque a exis­tência de muitos milhares de professores no desemprego constitui uma bolsa de mão-de-obra qualificada e disponível, capaz de gerar a tentação de agravar as condições de trabalho e de reduzir os níveis salariais.

B. Divulgação da Língua e da Cultura Portuguesas no Estrangeiro

170. A expansão da língua e a divul­gação da cultura portuguesa no mundo está intimamente relacionada com a afirmação de Portugal enquanto nação com história e identidade. Neste sentido, a Constituição da República consagra o direito ao ensino, à igualdade de oportunidades no acesso à escolaridade obrigatória e à divulgação da nossa cultura junto dos portugueses residentes no estrangeiro e dos luso­descentes.

171. Do quadro constitucional infere-se que o Governo legislaria de modo a cumprir-se a intencionalidade política expressa na Constituição da República Portuguesa.

172. A passagem do tempo tem sido acompanhada por legislação contrária ao que está estabelecido na Constituição, como demonstra o actual regime jurídico do Ensino Português no Estrangeiro, estabe­lecido pelo Decreto-Lei 165/2006, de 11 de Agosto.

173. Apesar da persistente atitude das comunidades portuguesas no estrangeiro, que reivindicam o apoio a que têm direito e da insistência das posições e propostas da FENPROF, os sucessivos governos reduziram progressivamente as verbas para apoiar este subsistema, tendo o actual decidido pôr termo à colocação dos professores dos quadros na Europa e na África do Sul em regime de destacamento, optando por mecanismos de contratação, sem que antes tenha avaliado o trabalho até então realizado. Nesta decisão pesou inequi­vocamente a cruzada economicista em curso, que tudo sacrifica, incluindo a afirmação de Portugal no Mundo, através da negociação do acesso ao estudo da língua e da cultura portuguesas no estran­geiro. Deste modo também não se facilitam os desejáveis percursos tendentes a que o Português seja assumido como língua de opção nos sistemas educativos dos países de acolhimento.

174. A FENPROF exige que o Governo respeite a Constituição da República que jurou cumprir e que, neste contexto, assuma o ensino português no estrangeiro e a divulgação da cultura portuguesa como prioridades políticas. Com esta finalidade, a FENPROF defende:

- a afectação dos meios materiais e humanos adequados à promoção e à divulgação da língua e da cultura portu­guesa;

- a actualização das tabelas salariais dos professores, tendo por referência o custo de vida de cada país e as necessárias condições de dignidade inerentes à pro­fissão docente;

- a atribuição de subsídio de refeição aos professores contratados na rede do Ensino Português no Estrangeiro;

- uma cobertura social idêntica para todos os professores ao serviço deste subsistema.

C. Educação ao Longo da Vida

175. No 8º Congresso ficaram registadas as grandes apreensões dos Professores quanto ao modelo de desenvolvimento do Ensino Recorrente e quanto à perspectiva que se adivinhava de novas concepções a introduzir na Lei de Bases da Educação, no que dizia respeito, quer a este subsistema de ensino, quer a uma política pública de Educação de Adultos. As medidas aprovadas pelos governos, desde essa altura, vieram confirmar os receios da FENPROF. A de mais longo alcance foi apresentada pelo Pri­meiro-Ministro José Sócrates, no Debate Mensal na Assembleia da República, realizado em meados de Setembro, a Iniciativa Novas Oportunidades, enquanto tentativa de resposta ao desafio recorrente da qualificação dos portugueses, consi­derado aí como "o problema crítico para a competitividade" do país.

176. Mais recentemente, também o Primeiro-Ministro na apresentação do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) e a Ministra da Educação na apresentação das 50 medidas de política (que diz) para melhorar a escola pública, voltaram a anunciar o referido programa.

177. Fala-se de indicadores e referem-se números, revelando que estes últimos "não enganam" e aqueles reflectem a "dimensão do desafio que temos à nossa frente". Afirma-se, convincentemente, a necessidade de "uma nova ruptura mobi­lizadora", fazendo diferente, mais e mais rápido, no que à "batalha da qualificação" diz respeito.

178. Anuncia-se que (até 2010) vão triplicar os níveis do 9º e 12º anos, a oferta de cursos técnicos e profissionais para a educação e formação de adultos, multiplicar por cinco a actual rede dos Centros de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (400 novos centros RVCC) e, de imediato, "alargar até ao nível do 12º ano o processo de reconhecimento de competências adquiridas ao longo da vida. Estabelece-se a meta de 650.000 novas certificações.

 179. Sem negar a relevância de instituir metas para os níveis de qualificação dos portugueses, importará referir que este discurso político se contextualiza no que sobre a Educação se tem afirmado, ao longo de vários anos, desde o chavão da qualidade do 2º ciclo da governação cavaquista, até à paixão pela educação de Guterres, com os resultados conhecidos: as maiores taxas de abandono da Europa, as menores taxas de frequência e de conclusão de estudos e de qualificação da população activa. Para dar mesmo prioridade à Educação, importará alterar esta triste realidade.

180. A FENPROF enunciou, pelo menos desde o último Congresso, duas questões fundamentais: evitar que os jovens aban­donem a escola (com a fasquia no 12º ano) e melhorar a educação e formação dos adultos. O Governo, através da Iniciativa Novas Oportunidades, propõe-se contribuir para melhorar efectivamente as quali­ficações dos portugueses. Algumas questões se levantam desde já. Onde está o sistema de acompanhamento e avaliação das ofertas até agora realizadas? As metas de 2005 e 2006 foram cumpridas? Com que sistema de verificação de resultados? A ausência de resposta a estas questões alimenta as especulações que se fazem sobre a quali­dade das várias ofertas, de que estas medidas mais não visarão do que provi­denciar, artificialmente, indicadores de aumento das qualificações, considerando as metas instituídas como irrealistas ou, pior, mera propaganda!

181. Recorde-se que os centros RVCC e os respectivos processos de certificação foram criados no ". sentido de acolher e orientar os adultos maiores de 18 anos (.) para processos de reconhecimento, valida­ção e certificação de competências, tendo em vista a melhoria dos seus níveis de certificação escolar e de qualificação profissional, bem como para a continuação de processos subsequentes de formação contínua, numa perspectiva de apren­dizagem ao longo da vida".

182. Reconhecendo as potencialidades do processo RVCC, a FENPROF defendeu, desde o início, a manutenção do Ensino Recorrente nos Ensinos Básico e Secundário, com as necessárias correcções.

 183. Mas, mais uma vez, o ME, noutro furor reformista, no final do ano lectivo passado extinguiu abruptamente o Ensino Recorrente ao nível do Ensino Básico, na quase totalidade das escolas, sem qualquer negociação com as estruturas sindicais, sem discussão com os agentes educativos envolvidos, de uma maneira apressada, sem período transitório, sem acautelamento dos interesses dos jovens e adultos que frequentavam esta modalidade e esque­cendo os direitos profissionais dos docentes envolvidos. Não teve em conta que a aprendizagem escolar e a valorização da aprendizagem da e pela vida são, inevitavel­mente, processos distintos, mas ambos de relevante importância, tendo na sua complementaridade maior significado, enquanto resposta à heterogeneidade da população jovem e adulta.

184. Neste momento aguarda-se com preocupação a extensão do modelo RVCC ao ensino secundário, dado o actual reconhecimento escolar para prosse­guimento posterior de estudos. Tanto mais que a clivagem existente entre uma lógica assente nas competências e uma outra assente nos saberes escolares, marca­damente académicos, formais e disci­plinares, poderá constituir um obstáculo sério à concretização de posteriores certificações escolares e, como tal, um obstáculo ao desenvolvimento de projectos pessoais e profissionais dos adultos.

185. Este processo, mais do que um modelo de certificação de adquiridos, deve ser entendido no seu horizonte como um projecto de educação permanente, alicer­çado na construção da identidade de cada um, no desenvolvimento da cidadania e na capacidade de aprender ao longo da vida, para uma real promoção pessoal e social numa economia e numa sociedade mais solidárias.

186. A democratização da Educação e da Cultura, condição necessária à coesão social, apresenta óbvias lacunas e indes­mentíveis fraquezas. A ausência de políticas integradas e as dificuldades no âmbito da dimensão social da Educação e do Ensino, quer na criação de condições de efectiva aprendizagem dos que são culturalmente desfavorecidos, quer em assegurar o êxito dos que entram na escola sem as disposições necessárias para valorizar o que lá se ensina e aprende, constituem algumas das razões de forte poder explicativo para o drama dos graves percursos de exclusão educativa e profissional.

187. Não há um consenso generalizado sobre o fenómeno da educação e da formação cuja tradução reflecte uma intensa sobredeterminação dos seus problemas a uma lógica de mercado. Como referiu Rui Canário, num seminário orga­nizado pelo Conselho Nacional de Educação, dedicado à educação e formação ao longo da vida, é necessário construir um pensa­mento prospectivo e estratégico em relação à educação, evoluindo de uma concepção de "aprender para trabalhar" para uma outra concepção de""aprender pelo tra­balho". O argumento sugere em si a transposição da visão funcionalista e utilitarista dominante para um olhar indagador que dê nova vida a um projecto necessário e desejável de educação permanente.

188. Esta linha argumentativa foi também desenvolvida por Licínio Lima no Encontro de  Educação de Adultos, realizado pela FENPROF em 26 de Novembro de 2004. Reclamou uma visão integrada e global da Educação de Adultos e a necessidade de a individualizar no Sistema Educativo Portu­guês. Criticou as políticas educativas dos últimos anos, considerando-as como paradoxos (a própria referência à educação de adultos nos articulados deixou de existir). Questionando aquilo que é considerado um modelo neoliberal da educação de adultos sustentado num "novo" conceito - o da Aprendizagem, que se opõe ao "velho" conceito - o da Educação, no paradigma da formação profissional ou da formação-"vocacional", na lógica da "emprega­bilidade", na adaptação ao mercado de trabalho.

189. Para que os grandes problemas sócio-educativos do país possam ser encarados frontalmente, na perseguição do bem comum e de modo a serem ultra­passados o mais rapidamente possível, a FENPROF exige:

- Um conceito de educação de adultos que não se restrinja à formação para sustentáculo do mercado de trabalho (tão caro às políticas neoliberais), que assente em políticas públicas em que a escola tenha um papel fundamental. Políticas públicas essas que não deixem esquecidas as vertentes de educação popular, a eliminação do analfabetismo literal, e os problemas dos novos imigrantes;

- A implementação de um sistema de promoção e acompanhamento das várias ofertas educativas que possibilite avaliar as dificuldades, corrigir estratégias, verificar os resultados, no sentido de uma verdadeira conferência da qualidade - que a nova Lei Orgânica do ME veio eliminar;

- A reforma do actual processo de Acreditação de Entidades Formadoras, sujeitando-as a um rigoroso sistema de avaliação e certificação de qualidade;

- O alargamento substancial das possibilidades de formação em horário pós-laboral, tendo em vista privilegiar o acesso à população empregada;

- A reposição do Ensino Recorrente no Ensino Básico, com o sistema modular experimentado nos últimos anos;

- A revisão e melhoramento do funcio­namento das várias modalidades (sistema RVCC, Cursos EFA; E. Recorrente .) caminhando no sentido da articulação entre elas;

- Uma efectiva permeabilidade das várias ofertas de Educação de Adultos permitindo a escolha da oferta mais adequada às diversas intenções e aos vários momentos em que os jovens e adultos resolvem voltar a estudar;

- Um plano de organização educativa e de gestão pedagógica que responda às novas valências, em que as estruturas fun­cionais adquiram uma flexibilidade su­portada numa progressiva colegialidade;

- A garantia das condições de trabalho que estas modalidades de ensino exigem, designadamente o trabalho de acom­panhamento, coordenação e regulação e de formação que implicam tempo acrescido, estruturas adicionais e grupos/turma de dimensão adequada;

- O acautelar dos direitos profissionais dos docentes na construção dos horários lectivos semanais, face às novas exigências;

- Um investimento forte na formação pedagógica e científica dos professores.

190. É também necessário por fim a aposta dos últimos anos em modelos avulsos e experiências inconsequentes, bem como a importação de sistemas, rapida­mente generalizados entre nós, que em nada se adequam à realidade portuguesa.

191. As soluções deverão ter coerência política, com interligação entre elas, sustentadas em metas realistas, com a preocupação de uma verdadeira qualifi­cação dos portugueses que substitua a mera lógica da certificação.

192. Para que o RVCC, os cursos EFA, o Ensino Recorrente, etc, possam acrescentar mais valia no domínio das qualificações dos portugueses, factor necessário mas não suficiente para o desenvolvimento do país, no sentido de uma real promoção pessoal e social, numa economia e numa sociedade mais solidárias, impõe-se um debate político generalizado sobre as questões levantadas e, sobretudo, trabalhar com as equipas de profissionais que no terreno vivem e sentem estes problemas. Das suas experiências, práticas e reflexões, muita informação pode ser recolhida e trabalhada. Problematizar os processos e os meios de trabalho e iden­tificar as questões críticas por eles colo­cadas permitirá, aos políticos e responsáveis da administração educativa e formativa, entrever os caminhos possíveis da criação das condições mais propícias à concre­tização de uma aprendizagem para todos e ao longo da vida.

 

IV - O ROSTO DO PROFESSOR: O SEU PAPEL E PROFISSIONALIDADE NUM QUADRO DE AUTONOMIA DAS ESCOLAS

 

A. UM TEMPO DIFÍCIL, MARCADO PELA IMPOSIÇÃO DO "ECD DO ME

1. O 9.º Congresso Nacional dos Profes­sores tem lugar num momento extre­mamente complexo e difícil para os docentes portugueses. Os Educadores de Infância e os Professores dos Ensinos Básico e Secundário viram desfigurado o seu Estatuto de Carreira, substituído por outro regime legal em que não se revêem, que lhes foi imposto e que, por isso, designam de "ECD do ME". Um ECD que se encontra em fase de regulamentação, relativamente à qual não recaem quaisquer expectativas, uma vez que as traves mestras, em que assenta, estão contidas no Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro (Dia Nacional de Luto dos Professores e Educadores Portu­gueses), diploma legal que consagra o "ECD do ME".

2. A imposição do "ECD do ME", fruto da prepotência e arrogância do Governo, que se recusou a ouvir o protesto da esma­gadora maioria dos professores e a perceber o significado de lutas de grande dimensão, como a Marcha Nacional, realizada em 5 de Outubro de 2006 (Dia Mundial do Professor), a Greve Nacional de 17 e 18 de Outubro, a Vigília de mais de 48 horas consecutivas junto ao ME e o Abaixo-Assinado que reuniu mais de 65.000 assinaturas, o maior alguma vez subscrito apenas por docentes. O ME também se recusou a compreender o profundo signi­ficado político da constituição da Plata­forma Sindical que integrou e uniu todas as organizações sindicais de docentes. A teimosia dos responsáveis ministeriais em impor as suas regras de exercício da profissão docente e de carreira - que desfiguram a profissão, cerceiam espaços de autonomia e procuram reduzir os docentes a simples executores de ordens e aplicadores de normativos, sem dimensão reflexiva - ultrapassou, em alguns aspectos, os limites do razoável.

3. Essa intenção de controlar os profissionais é ditada pelo projecto político em curso há muitos anos no nosso país, que o actual Governo tem vindo a concretizar, procurando criar um contexto social favorável às medidas que, dispondo de uma maioria absoluta, facilmente pode impor.

4. A tal projecto subjaz a intenção de promover uma alteração profundamente negativa da escola. O ex-ministro David Justino, aquando da discussão da Lei de Bases da Educação, defendera que a "escola da igualdade" deveria dar lugar à "escola da liberdade" (entre o público e o privado, considerados em pé de igualdade), princípio fundamental do neoliberalismo. O enorme ataque que essa lei representava para a Escola Pública foi travado, então, pela contestação da FENPROF e de largos sectores da sociedade portuguesa, bem como pelo veto presidencial e, poste­riormente, pela dissolução da Assembleia da República. Hoje, o Governo, agindo de forma inversa, vai alterando, no terreno, os fundamentos da actual Lei de Bases do Sistema Educativo, através da imposição de alterações avulsas, postergando o respeito pelo diálogo institucional e pela Assembleia da República.

5. São reflexo desta estratégia política, medidas tomadas pelo Ministério da Educação no âmbito da organização e funcionamento das escolas, da sua auto­nomia, da formação de docentes, dos concursos para professores, e outras já anunciadas, como, por exemplo, a direcção e gestão das escolas ou a transferência de novas competências para os municípios. É, igualmente, neste contexto que deverá ser entendida a aprovação do "ECD do ME".

6. Vive-se, pois, um período de grande complexidade para os professores e educa­dores. De um lado, um Governo que, através de medidas gravosas, como as contidas no ECD e os cortes orçamentais no Ensino Superior, acentua a precariedade, a insta­bilidade, a funcionarização o que, entre outras consequências, está a provocar insegurança e intimidação nas escolas e introduz factores de conflitualidade entre pares (a criação de duas categorias hierarquizadas, bem como a imposição de cotas de avaliação e de uma dotação de vagas para acesso aos escalões de topo, estarão, a par de outras causas, na origem dessa conflitualidade). De outro, a necessi­dade de promover a estabilidade e de reforçar a profissionalidade docente, o que apenas será possível se o professor for reconhecido como um profissional autó­nomo e reflexivo, apto para, em qualquer momento, assumir decisões pedagógicas, partilhar experiências e desenvolver projectos educativos em cooperação com os seus colegas. E, também, para decidir sobre aspectos organizacionais da sua escola e sobre projectos abertos à comu­nidade, ou por esta propostos, intervindo em órgãos de direcção e de gestão da escola/agrupamento e nas suas estruturas intermédias, no quadro de uma verdadeira autonomia.

7. Imposta a revisão do ECD como medida prioritária do Governo, para os professores e educadores tornou-se, desde logo, evidente que se tratava de um processo que não respeitaria regras elementares de negociação, desde o momento em que, contrariando a Lei n.º 23/98, o ME se limitou a informar a FENPROF, em 31 de Julho de 2006, por mail, sobre qual seria o calendário e o conteúdo das negociações.

8. A atitude anti-negocial do ME, o teor profundamente negativo das suas pro­postas, o recurso a processos de revisão parcelar do ECD para acelerar a aplicação de medidas profissionalmente gravosas e o acentuar do processo de desvalorização social dos professores (assente, essen­cialmente, em discursos de responsáveis do ME e de alguns comentadores políticos e na divulgação, manipulada, de dados estatísticos), levaram a que as 14 organi­zações sindicais de docentes se reunissem, constituíssem uma plataforma de trabalho e acção, aprovassem contrapropostas e lutas convergentes, tendo, mesmo, diversas reuniões extraordinárias do processo de revisão decorrido em Mesa Negocial Única.

9. Mas, apesar de discordar da proposta de revisão do ECD apresentada pelo ME, a FENPROF não entrou no processo de forma defensiva, bem pelo contrário. Consciente do perfil de professor necessário à afirmação da Escola Pública e à consolidação de uma Educação e um Ensino de Qualidade, a FENPROF aprovou, em Junho, o seu projecto de revisão global do ECD, assente em critérios cuja concretização não era compaginável com as intenções econo­micistas e penalizadores do Ministério da Educação e do Governo. As propostas da FENPROF apontavam para a aprovação de um ECD que, através da valorização e dignificação dos profissionais docentes, valorizaria a Escola Pública e contribuiria para reforçar a qualidade do ensino.

10. Porém, o ME decidiu apresentar e impor um documento que não acautela os interesses da Escola Pública, desvaloriza a função dos professores e educadores e levará a uma redução efectiva do seu número. Mais de 5.000 professores con­tratados ficarão no desemprego já em 2007/2008 e calcula-se que muitos mais serão abrangidos pelas regras do designado regime de mobilidade especial (supranu­merários). Esta redução do número de professores nas escolas decorre do aumento dos horários de trabalho, da subversão das componentes lectiva e não lectiva da actividade docente, do encerramento de muitas escolas, da fusão de outras e de diversas alterações na rede escolar. Todas estas mudanças têm como consequência a degradação das condições do exercício da docência e um inevitável prejuízo para a qualidade do ensino e da educação.

11. No momento em que o 9º Congresso Nacional dos Professores se encontra em preparação, vêm a público novas intenções do Governo relativas à Administração Pública. Intenções que confirmam o rumo neoliberal das políticas em curso. Ao fazer saber que pretende limitar os vínculos públicos às áreas da defesa, segurança, diplomacia e justiça (ponderando juntar-lhes, apenas, as inspecções, polícia municipal, guarda florestal e serviço de estran­geiros e fronteiras), o Governo assume, com clareza, uma intenção desrespon­sabili­zadora relativamente às que deverão ser algumas das suas funções sociais funda­mentais, designadamente em áreas como a Educação ou a Saúde. As sucessivas decisões tomadas, ou propostas apresentadas, que visam tornar mais instáveis os vínculos laborais e, assim, precarizar o emprego público, terão consequências gravíssimas no âmbito da qualidade do serviço prestado, o que, a acontecer, abrirá portas à sua privatização.

B. UM ECD PARA OS PROFESSORES QUE DEFENDA A ESCOLA PÚBLICA

12. A FENPROF pretende, para os docentes, um Estatuto de Carreira e Profissional completamente diferente, e por ele lutará, ganhando os professores para se insurgirem contra o "ECD do ME" e se unirem em torno do seu projecto alter­nativo, que se apresenta mobilizador, pois defende a profissionalidade docente, os direitos dos profissionais e os interesses da Escola Pública. Uma alternativa que assenta no reconhecimento de que a profissão de professor obriga a um desgaste diário bastante acentuado e exige um esforço de permanente actualização e formação, ainda mais, num momento em que a sociedade do conhecimento evolui a um ritmo acelerado.

13. Reconhece-se que há um conjunto de novas respostas e exigências que se colocam à Escola Pública, em consequência de profundas alterações sociais que têm lugar. Contudo, é necessário clarificar quais as missões da escola e as responsabilidades dos docentes. A ausência de regras na concretização de respostas sócio-educativas e o recurso a profissionais docentes para tarefas que saem do seu conteúdo funcional são factores de desvalorização dos pro­fessores e da escola.

14. O projecto que a FENPROF conti­nuará a defender parte do pressuposto de que o profissional reflexivo, autónomo e intelectualmente apetrechado, preparado para agir de forma contextualizada e responsável principal pela condução de complexos processos de ensino e apren­dizagem, não pode ser substituído por um conceito de professor há muito ultra­passado, à imagem e semelhança do missionário abnegado reproduzindo velhos ensinamentos que, assim, passavam de geração para geração. Ou por um agente educativo, simples funcionário apetrechado de conhecimentos e saberes, que limite o seu desempenho ao domínio da cognição e não assuma responsabilidades no plano dos valores, das atitudes, da moral e da ética. Como a FENPROF referiu na apresentação do seu projecto de revisão do ECD, em Junho de 2006, "a acção educativa desenvolve-se num contexto de especificidade humana que torna inconcebível a redução da função docente a uma dimensão meramente técnica ou instrumental" (Isabel Batista).

15. Neste início de século XXI, com o acentuar das políticas neoliberais e a pressão cada vez maior que exercem sobre a escola e os professores, as medidas que visam funcionarizar os profissionais docentes e, sobre eles exercer um controlo apertado, vão-se sucedendo. Medidas que recaem em domínios como o da formação de professores, que tentam desvalorizar, mas também sobre o próprio desempenho profissional, procurando descaracterizá-lo e expô-lo à apreciação de olhares estranhos ao contexto específico em que se desen­volve.

16. Os professores não alijam as suas responsabilidades e assumem que podem e devem trabalhar melhor, mas recusam ser considerados os causadores de todos os males do sistema. Por essa razão, reafirmam a necessidade de uma avaliação rigorosa do seu desempenho, que não se compagina com um modelo que tem como objectivos seriar, punir, penalizar e não, como seria desejável, aperfeiçoar.

17. A FENPROF continuará a sustentar as suas propostas numa declaração rigorosa e minuciosa de direitos e deveres profissio­nais que configurarão a profissão e se assumirão como balizas éticas e deon­tológicas que orientarão o desempenho profissional dos docentes. Tal, exigirá a correcção do conjunto de direitos e deveres que o ME acrescentou ao ECD, alguns tendo como ponto de partida as propostas da FENPROF, mas só aparentemente próximo delas. O ME, na verdade, desvirtuou essas propostas suprimindo-lhes aspectos impor­tantes, transformando em simples deveres funcionais um conjunto de deveres pro­fissionais e que, simultaneamente, esta­belecia com rigor outras obrigações sociais de diferentes parceiros educativos e do próprio Governo, a quem cabem respon­sabilidades decisivas na promoção e valorização da Escola Pública.

C. A SITUAÇÃO DE IMPASSE NO ENSINO SUPERIOR

18. Já em relação ao Ensino Superior, a FENPROF há muito que exige a revisão dos respectivos Estatutos de Carreira Docente, tanto Universitário como Politécnico, mas, até agora, sem resultado. A FENPROF defende a estabilidade do corpo docente do Ensino Superior, pelo que considera urgente a alteração da actual situação, caracte­rizada por um elevado índice de preca­riedade, com cerca de 75% de docentes do Ensino Politécnico contratados a prazo. Os cortes de financiamento impostos pelo Governo têm levado algumas instituições a optar pela solução mais fácil: despedir docentes.

19. A revisão destes Estatutos de Carreira deverá orientar-se de forma a que sejam garantidas as condições indispen­sáveis ao exercício das liberdades acadé­micas, essenciais ao cabal desempenho de funções no ensino superior e a assegurar um modelo de avaliação do desempenho assente em regras de efectiva transparência e orientado por critérios formativos e idóneos, capazes de contribuir para a efectiva qualificação dos docentes.

20. É necessário, ainda, que da revisão dos actuais estatutos das carreiras resulte a consagração de mecanismos que permi­tam a abertura dos quadros, de acordo com as reais necessidades das instituições, alterando a situação de bloqueamento imposta, principalmente, por um finan­ciamento deficitário.

D. A LUTA POR UMA PROFISSÃO MAIS VALORIZADA

21. Nos contextos antes descritos se irá desenvolver a luta dos educadores e professores por Estatutos de Carreira que valorizem e dignifiquem os profissionais e o exercício da sua actividade e corres­pondam, também, às necessidades das escolas e do sistema educativo, na certeza de que o sucesso educativo dos alunos corresponderá, sempre, ao êxito profissional dos professores.

22. Os Educadores de Infância e os Professores dos Ensinos Básico e Secundário têm uma tarefa difícil pela frente, que passa por conseguirem a alteração de um quadro legal ainda muito recente, mas não podem deixar de eleger esse como um dos grandes objectivos da sua acção.

23. Outros desses objectivos serão a eliminação das categorias hierar­quizadas, impostas com o intuito insofismavelmente economicista de impedir 2/3 dos docentes de irem além de um patamar salarial intermédio e de privilegiar uma relação hierárquica e não de cooperação entre pares.

24. Assume, ainda, particular impor­tância a luta pela recuperação de todo o tempo de serviço retirado aos professores, tanto pela aplicação de duas leis que anularam o tempo de serviço prestado entre 29 de Agosto de 2005 e 31 de Dezembro de 2007, como pela imposição de um regime transitório previsto no "ECD do ME", e, ainda, pela duração dos novos escalões da carreira, sempre mais prolongada do que a dos actuais.

25. Outros aspectos muito negativos do actual ECD merecerão, também, forte contestação dos professores e educadores, designadamente a prova nacional de ingresso na profissão, as cotas para atribuição das menções mais elevadas no âmbito da avaliação do desempenho, bem como todo o regime de avaliação imposto que, no essencial, se traduz na fixação de um conjunto de procedimentos que visam penalizar os professores. A sua construção obedece a princípios de carácter punitivo, relegando para plano secundário as preocupações formativas.

26. Mas também a eliminação dos quadros de escola, o aumento dos horários de trabalho ou as restrições impostas aos regimes de faltas, férias, licenças e dispensas serão objectivos da luta para que a FENPROF mobilizará os professores. No que concerne a esta matéria específica do ECD, deverá continuar a ser procurado entendimento entre as diversas organizações sindicais, em torno de objectivos concretos e de acções e lutas convergentes.

27. Profundo significado político teve a imposição ministerial de retirar do ECD o direito à negociação colectiva. Esta eliminação de um direito fundamental diz bem da prepotência e da arrogância de um Governo que, no plano da Educação, deixou de ouvir os professores, bem como outros importantes parceiros educativos, consa­grando em lei uma prática anti-democrática que já desenvolvia. Para a FENPROF, este autismo político do Governo não é novidade, razão pela qual a eliminação deste direito do ECD não levará a que diminua a exigência de negociação e a participação efectiva na aprovação de todas as medidas de política educativa. A FENPROF não aceitará reduzir a negociação às questões sócio-profissi­onais e continuará a intervir, nos mais diversos domínios, como a formação de docentes, organização e funcionamento das escolas, financiamento, rede escolar e respostas sociais, autonomia e gestão, questões curriculares e avaliação dos alunos... em suma, em tudo o que à Educação disser respeito.

28. Face à situação descrita, o 9º Con­gresso Nacional de Professores decide:

29. Eleger a revisão global do "ECD do ME" (Decreto-Lei 15/2007, de 19 de Janeiro) como objectivo primacial da acção e luta reivindicativas, o que, em muitos momentos, exigirá a adequada articulação e conver­gência de acções com os demais sectores da Administração Pública, tendo em conta a ofensiva global desencadeada pelo Governo que, mais uma vez, ganha visibi­lidade com o anúncio da desvinculação à função pública da esmagadora maioria dos seus trabalhadores;

30. Manter a intervenção no processo de regulamentação do ECD, com o objectivo de atenuar, na aplicação, alguns dos efeitos mais negativos dos princípios consagrados no Decreto-Lei 15/2007 sem, contudo, perder de vista o essencial: conseguir um outro Estatuto da Carreira Docente que dignifique e valorize a profissão;

31. Exigir a revisão urgente dos Esta­tutos das Carreiras do Ensino Superior (Universitário e Politécnico), com especial ênfase nas alterações que visem resolver o bloqueamento das promoções e reduzir a instabilidade e a precariedade dos vínculos laborais.

32. Alterar as actuais regras de aposen­tação dos docentes e aprovar um novo regime que assente no reconhecimento do elevado desgaste físico e psicológico a que estes estão sujeitos e, simultaneamente, assegurar o indispensável rejuvenescimento do corpo docente;

33. Exigir que os contratos a celebrar com os educadores e professores voltem a obedecer, apenas, a critérios universais de selecção e sejam, na globalidade, de natureza administrativa;

34. Rever o actual regime de concursos e colocação de educadores e professores dos ensinos básico e secundário, garantindo o seu carácter anual, expurgando-o de mecanismos que distorcem o princípio da graduação profissional para efeitos de selecção e assegurando o recrutamento de contratados pela via das colocações cíclicas enquanto houver candidatos ordenados na lista nacional;

35. Exigir o respeito pela Lei de Bases do Sistema Educativo em todos os domínios, designadamente no que concerne à forma­ção de professores para o 2.º Ciclo do Ensino Básico e, de uma forma geral, defender uma formação científica e pedagógica dos educadores e professores adequada a um exercício da profissão com a mais alta qualidade;

36. Pugnar pelo aprofundamento da democracia na escola através da apre­sentação de propostas que defendam a gestão democrática, valorizem as estruturas intermédias da sua organização pedagógica e apelem ao envolvimento de todos os professores, bem como de toda a comu­nidade educativa, estabelecendo com clareza os níveis adequados da sua inter­venção.

E. FORMAÇÃO DE PROFESSORES

37. O estatuto de exercício da activi­dade do docente é hoje uma das questões em debate ao nível europeu e mundial. Neste quadro podem identificar-se vários aspectos, como: o grau de autonomia e de responsabilidade do docente, a sua condição laboral, as condições de recrutamento - incluindo as formas de acesso, selecção, etc. - e as condições de trabalho, que envolvem, além dos aspectos organizacionais, nomea­damente, número de horas de trabalho, nas várias componentes, número de alunos, formas de controlo externo, supervisão e acompanhamento, formação contínua e dinâmica de grupo - as características do próprio local de exercício - implantação, instalações e apetrechamento, etc.

38. A evolução recente da sociedade provocou uma alteração radical do papel tradicional da escola e do professor, processo em que, a par de um crescendo das responsabilidades atribuídas, se tem verificado um progressivo decréscimo da credibilidade do sistema.

39. Um dos vectores principais desta credibilidade é, sem dúvida, o da formação inicial dos docentes. Importa questionar, não só a adequação do nível de formação e das suas componentes, mas também o relacionamento das instituições que a fornecem, entre si e com o sistema. Quanto ao primeiro aspecto referido, é essencial ponderar igualmente o equilíbrio entre as vertentes disciplinar e das ciências da educação, assim como a relevância da prática e da experiência individual. Final­mente, o controlo dos saberes profissionais, a que o texto do estatuto da carreira docente recentemente publicado veio acrescentar novos focos de polémica.

40 A FENPROF continua a defender, a propósito, uma formação dinâmica, capaz de propiciar o desenvolvimento das com­petências básicas e específicas necessárias, e considera determinante uma formação com a duração de cinco anos, incluindo o estágio pedagógico - correspondente aos 1º e 2º ciclos do ensino superior, segundo a nomenclatura decorrente do processo de Bolonha - com um elevado grau de exigência na formação dos docentes para todos os graus e níveis de educação e ensino.

41. Aliás, esse mesmo princípio é defendido pela Comissão Europeia no texto "Common European Principles for Teacher Competences and Qualifications", dirigido, sob a forma de recomendação, aos governos nacionais. A conferência de Berlim, em 2003, apontava mesmo para a inclusão de um terceiro ciclo, ao nível do doutoramento.

42. Uma sólida formação inicial não pode considerar-se auto-suficiente, pelo que a Fenprof reputa de imprescindível um sistema de formação ao longo da vida, essencial ao desenvolvimento da profissio­nali­dade docente, ligada à prática, sus­tentada pela reflexão crítica e impul­sionadora da inovação.

43. A recente legislação aprovada sobre as habilitações para a docência, sem qualquer consulta aos sindicatos e não respeitando o período de "discussão pública", introduz profundas alterações na formação dos educadores e professores, mormente ao nível das formações dos docentes dos 1º e 2º ciclos do ensino básico, à revelia da Lei de Bases do Sistema Educativo.

44. A FENPROF discorda das medidas que constam do quadro legal aprovado pelo Governo para a formação de professores, manifestando grande preocupação com o que considera uma efectiva desvalorização da formação de educadores e professores, particularmente os do 2º ciclo do ensino básico, que passará a ser a de um docente generalista que desenvolverá a sua acti­vidade em regime de docência coadjuvada, assumindo a leccionação das áreas disci­plinares curriculares de Língua Portuguesa, História e Geografia, Matemática e Ciências da Natureza.

45. A FENPROF exige ser ouvida em matéria de tão grande relevo na vida dos docentes e continuará a trabalhar com as Associações Profissionais, no sentido da defesa de uma formação que sirva uma Escola da comunicação entre quem aprende e quem ensina, para todos.

46. A FENPROF defende:

- A valorização equilibrada das culturas das Instituições de Formação Inicial, das Escolas e dos Profissionais do Ensino;

- A necessidade de uma sólida Formação de Formadores, que o ME tem negligenciado totalmente, o que implica a concepção e implementação de um modelo coerente de formação;

- A valorização das competências profissionais, durante e após a Formação Inicial;

- A exigência da definição do perfil adequado às múltiplas funções hoje presentes na função docente;

- A exigência de um sólido saber científico em todos os ciclos de ensino (não há didáctica nem pedagogia da ignorância).

47. A identidade profissional docente não é um conceito vazio. Inseparável de um dado conteúdo funcional, desenvolve se sobre um eixo de valores de que emana um conjunto de direitos e deveres onde, entre outros, se inclui o da formação contínua.

48. A Formação Contínua deverá conferir aos docentes uma adequada preparação para poder intervir, além da área científica da especialidade, nos domínios da ética, dos valores e da cidadania. Isso pressupõe uma formação de um elevado grau de exigência e  qualidade, capaz de proporcionar aos docentes uma cultura geral abrangente, de estimular um esforço permanente de actualização ao longo de toda a carreira profissional e conferindo â experiência o lugar que esta deve ocupar na aquisição das necessárias competências para educar.

49. É neste contexto que a FENPROF tem vindo a defender uma Formação Continua assente nos seguintes princípios:

a) A Formação Contínua é um direito e um dever de todos os educadores e professores. Neste sentido, a Formação Contínua tem de possibilitar a actualização pedagógica, cientifica e tecnológica, o acompanhamento do ritmo e da evolução da sociedade e contribuir para uma identificação profissional e uma maior afirmação da dignidade e do valor da carreira docente. Não pode ser considerada, por conseguinte, exclusivamente como uma obrigação a cumprir para progredir na carreira, nem tão pouco como uma simples actualização ou complemento da formação inicial;

b) A Formação Contínua  é um factor fundamental de valorização pessoal e profissional dos docentes, na medida em que contribui para uma crescente especia­lização e para uma maior segurança na intervenção em contextos educativos cada vez mais complexos e problemáticos e para uma renovação e inovação efectivas das práticas pedagógicas;

c) A Formação Contínua deve ser centrada na escola e ter por base planos de formação elaborados de acordo com as reais necessidades do sistema, dos agru­pa­mentos/escolas, dos professores e edu­cadores e das comu­nida­des onde estão inseridas;

d) A Formação Contínua deve ter meios financeiros ade­quados, de modo a ser garantida a sua gratuitidade;

e) A Formação Contínua deve ter presente (da sua concepção à sua realiza­ção) a organização quotidiana da vida escolar e as condições materiais necessárias a um trabalho cooperativo (horário dos professores, condições de funcionamento nas escolas, etc.);

f) Deve ser considerada, para fins do cômputo das horas definidas de formação, para além das modalidades de formação contínua já previstas no respectivo Regime Jurídico, a participação em congressos, seminários, conferências, colóquios e encontros profissionais, cujos programas sejam relevantes para o exerício da actividade docente, mediante parecer do Conselho Científico-Pedagógico da Forma­ção Con­tínua (CCPFC);

g) O desempenho profissional deve ser entendido também como espaço de for­mação, razão pela qual, as escolas poderão acreditar (através dos Centros de Formação de Associações de Escolas   CFAE), projectos desenvolvidos pelas suas estruturas peda­gógicas e intermédias, numa perspectiva de investigação/acção.

50. A FENPROF considera, em suma, que a Formação Contínua é uma das principais condições para a elevação da qualidade da educação/ensino e para a revalorização material da função docente. Importa ainda ter presente que a Formação Contínua é uma face da Educação ao Longo da Vida que, segundo a UNESCO (Relatório Delors, Educação Para o Sec. XXI, 1996) "deve assentar em quatro pilares fundamentais e intimamente ligados: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e a viver com os outros e aprender a ser", concebendo se assim a formação como um todo, sem esquecer que qualquer sistema educativo é um subsistema do sistema sócio-cultural.

51. Ora, a realidade actual da formação tem-se caracterizado por:

a) Um forte condicionamento por medidas, ora avulsas, ora destituídas de qualquer sustentação na realidade das escolas;

b) Um claro alheamento de qualquer processo de desenvolvimento pessoal, social e profissional e da qualidade da educação, pela lógica perversora dos próprios créditos;

c) Um divórcio claro das necessidades de formação dos professores e educadores e das escolas, já que o Ministério da Educação apenas está a financiar cursos de formação de informática e bibliotecas escolares, partindo do principio de que todos necessitam desta, e só desta, formação;

d) Uma completa ausência de coerência interna no sistema, concretizada em directrizes que impõem, de forma exclusiva e arbitrária, determinada formação, quando os docentes se encontram obrigados ao cumprimento de dois terços da sua for­mação na área da especialidade - onde a oferta é inexistente.

52. Sendo portanto, necessário, dar uma nova perspectiva e dinâmica à Formação Continua, com o objectivo de valorizar esta modalidade de formação dos docentes, a FENPROF defende:

- A vinculação dos Planos de Formação de Agrupamentos/Escola aos seus Projectos Educativo e Curricular, para que as ofertas de formação correspondam efectivamente às necessidades detectadas;

-  A assumpção dos Planos de Formação pelas estruturas de Gestão e Administração (Conselho Pedagógico e Assembleia de Escola);

- A articulação das propostas dos diversos Agrupamentos / Escolas que deverá corresponder ao Plano de Formação dos CFAE, discutido e aprovado na respectiva Comissão Pedagógica;

- A responsabilização do Ministério da Educação (estruturas central e regional) pelas iniciativas que decorrem de alterações do Sistema Educativo que deverá, em estreita articulação com os CFAE, encontrar os espaços/tempos oportunos, operacio­nalizando, na prática, o principio da formação centrada na Escola.

53. A afirmação de uma escola de qualidade passa obrigatoriamente pelo reforço da autonomia dos estabelecimentos de educação e ensino e da sua integração nos respectivos territórios educativos e depende, naturalmente, da criação das condições para o exercício dessa autonomia, designadamente através da realização de formações acrescidas para o desempenho de cargos e funções pedagógicas e admi­nistrativas.

54. A qualificação de docentes para o exercício de outras funções educativas necessárias ao desenvolvimento do sistema educativo está expressamente prevista na Lei de Bases do Sistema Educativo, nomea­damente no seu Artigo 33.º.

55. A formação especializada dos docentes traduz-se na aquisição de com­petências e de conhecimentos científicos, pedagógicos e técnicos, bem como no desenvolvimento de capacidades e atitudes de análise crítica, de inovação e de investigação em domínios específicos das ciências da educação.

56. Assim, a formação especializada e/ou qualificante para outras funções ou actividades educativas é essencial para servir de suporte à existência de docentes que façam a gestão pedagógica intermédia nas escolas.

57. A complexidade destas funções ou actividades, implicando conhecimentos aprofundados do currículo, da formação e supervisão pedagógica e da gestão de recursos humanos, não se compadece com improvisações e soluções de recurso.

58. Os docentes devem ser capazes de desempenhar uma multiplicidade de papéis no domínio da educação ao longo da vida, da animação cultural, da produção de materiais pedagógico-didácticos, em projectos de desenvolvimento curricular, comunitário, na formação profissional, da educação especial, mas também em matérias que tenham a ver directamente com a sua área profissional.

59. Este tipo de formação, sendo sempre de carácter pós-graduado, deve ser obtida por docentes profissionalizados, nas instituições de ensino superior (universitário e politécnico), em cursos com uma duração nunca inferior a dois (2) anos lectivos, com estágio na área da especialização, obe­decendo aos critérios legalmente esta­belecidos para este tipo de formação (Decreto-Lei n.º 95/97, de 23 de Abril).

60. Num período transitório, esta modalidade de formação deverá ser facul­tada aos docentes que desenvolvem e/ou desenvolveram outras funções e/ou acti­vidades educativas.

 

V. A FENPROF E AS SUAS DINÂMICAS

 

A. REPRESENTATIVIDADE SINDICAL

1. A FENPROF é, inquestionavelmente, a maior estrutura de representação dos educadores e professores portugueses. Os 67897 associados com que contava em 31 de Outubro de 2006 são a prova da sua vitalidade e evidente representatividade.

2. Apesar  das dificuldades crescentes com que vivem os trabalhadores portu­gueses e da paulatina campanha contra os sindicatos que atravessa a opinião pública, há ainda um largo campo de crescimento que é necessário explorar. A sindicalização é uma condição para o fortalecimento das organizações sindicais e para o reforço da sua influência.

3. Por outro lado, no que ao movimento sindical docente diz respeito, nos anos que mediaram entre o 8º e 9º congressos, acentuou-se a já de si excessiva pulve­rização de organizações sindicais de professores.

4. Independentemente da convergência na acção que foi possível desenvolver com essas organizações durante o processo de revisão do ECD, a FENPROF continua a avaliar de forma muito negativa esta pulverização, que enfraquece o movimento sindical no seu conjunto. As diferenças de opinião e de projecto, por vezes profundas, que existem entre as diversas organizações sindicais de docentes nos planos educativo, laboral e social, tornam evidente a necessi­dade de um processo transparente e fidedigno de medição da representatividade, que permita clarificar por quem se sentem os professores representados e que tenha consequências no plano negocial.

5. Em 2006, foi, pela primeira vez, feita a aferição da representatividade dos vários sindicatos, para efeitos de atribuição de créditos sindicais. Embora esse processo tenha demonstrado algumas fragilidades na avaliação da fiabilidade dos meios de prova, a FENPROF reforçou o seu peso percentual relativamente à utilização de créditos sindicais: quando havia mais de 1200 dirigentes a tempo inteiro, a FENPROF tinha 15%, quando o número foi reduzido para 450, tinha 40% (180) e, neste ano lectivo, a FENPROF obteve 48,6% dos 300 (146). É, por isso, hoje ainda mais claro, quer para os muitos sindicatos existentes, quer para o Ministério da Educação, que regulou este processo de aferição, que a FENPROF é a organização largamente mais re­pre­sentativa dos professores.

B. Frentes de intervenção sindical

 

DEFESA DOS DIREITOS SINDICAIS

6. Uma das faces que caracteriza a política do actual Governo prende-se com as crescentes dificuldades colocadas à actividade sindical.

7. Por um lado tenta limitar o campo de intervenção dos Sindicatos, procurando afastá-los da negociação de questões relevantes para a sociedade e, no caso da FENPROF, das questões de política edu­cativa. Por outro lado, tenta impor "leituras" restritivas da legislação sindical existente, de modo a impedir que os docentes discutam colectivamente os problemas educativos e profissionais com que se confrontam. Nesta campanha contra a actividade dos Sindicatos, não raro recorreu a ilegalidades, intimidações, desrespeito por decisões de Tribunais, etc. Particularmente grave é o que se tem passado na Região Autónoma dos Açores, onde a SREC (Secretaria Regional de Educação e Ciência), nos últimos dois anos, reduziu significa­tiva­mente os créditos sindicais do SPRA (5 horários em 2005/06 e 6,5 horários em 2006/07).

8. O 9º Congresso exige que o Governo e, em particular, o Ministério da Educação ponham termo a esta atitude e respeitem o direito dos Sindicatos a uma actividade livre, legalmente sustentada e interventiva.

9. A FENPROF não deixará de denunciar, junto das instâncias competentes, as atitudes intimidatórias e apela a todos os professores e educadores que participem de forma activa, empenhada e organizada nas iniciativas que a FENPROF e os seus Sindicatos organizam: esta é a forma mais incisiva de defesa dos direitos democráticos de associação e de participação.

DIREITO À NEGOCIAÇÃO

A RELAÇÃO NEGOCIAL COM O ME

10. O ano de 2006 foi intenso no que respeita a processos negociais com o Ministério da Educação.

11. Foram desencadeados processos ne­gociais relativos à revisão da legislação de concursos, do ECD, do regime de con­tratação e das habilitações para a docência.

12. Tais processos decorreram num contexto muito complexo, marcado pela arrogância e prepotência de um Governo que encara a maioria absoluta como a legitimação de uma postura autocrática que, inclusivamente, dispensa a observação de regras elementares, algumas legais, de relacionamento institucional, em contexto democrático e no âmbito de processos negociais. Também em 2005 aconteceu o mesmo com a imposição do primeiro roubo de tempo de serviço (quase ano e meio), a mudança das regras de aposentação e as diversas alterações avulsas ao Estatuto da Carreira Docente.

13. A FENPROF tudo fez para que estes processos fossem efectivamente de nego­ciação, tendo apresentado diversas pro­postas. Mas o Ministério da Educação limitou-se a entender este período como a obrigação de cumprir alguns procedimentos no plano formal e legal. Uma eventual revisão da legislação sindical para a Administração Pública deve garantir um real direito à negociação, consagrando, nomea­damente, a obrigatoriedade de um acordo com as organizações representativas.

ENSINO PARTICULAR E COOPERATIVO

14. Esta articulação de posições e convergência na acção de diferentes sindicatos e federações teve também reflexos muito positivos em sede de revisão do Contrato Colectivo de Trabalho dos Ensinos Particular e Cooperativo, dificul­tando a imposição, pela AEEP, de soluções de carreira muito negativas para os docentes e possibilitando acordos em pontos importantes para os trabalhadores.

ENSINO SUPERIOR

15. No Ensino Superior têm-se concre­tizado acções convergentes, essencialmente com o SNE-Sup, sendo desejável que, em momentos relevantes, possam atingir um espectro sindical ainda mais alargado.

16. Nunca houve, desde o último Congresso, verdadeiras negociações com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior que, apesar das insistências da FENPROF, não deu seguimento às propostas apresentadas, designadamente as relativas às carreiras.

PROMOÇÃO DA UNIDADE E CONVERGÊNCIA

17. Diferente foi, pela primeira vez, a relação entre todos os Sindicatos em sede de negociação. De acordo em relação às questões essenciais do ECD, convergentes nas formas de acção e de luta e conscientes da relação de representatividade existente entre si, foi possível articular posições entre as quatro mesas negociais constituídas pelo ME e, em diversos momentos, intervir em Mesa Negocial Única. As tentativas ministeriais de quebrar a convergência e a unidade frustraram-se e, no essencial, as 14 organizações que constituíram a designada Plataforma Sindical dos Pro­fessores continuaram a partilhar uma visão comum sobre as propostas, rejeitando-as, mantendo-se disponíveis para continuar a promover a luta dos educadores e pro­fessores, contribuindo desta forma para uma derrota política do ME que não conseguiu que algum sindicato desse o aval ao ECD, legitimamente baptizado como o "ECD do ME".

18. O 9º Congresso reconhece as van­tagens, para a luta dos docentes, das pla­taformas de unidade conseguidas entre diferentes organizações sindicais nos diversos processos negociais, política que pretende continuar a valorizar.

19. Na defesa intransigente dos direitos dos professores e da escola pública, a FENPROF continuará a procurar enten­dimentos que facilitem a unidade na acção, avaliando em cada momento as vantagens e inconvenientes que dela decorram.

C. A luta comum com todos os trabalhadores

COM OS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - A FRENTE COMUM

20. A Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, importante espaço de articulação e coordenação das dinâmicas dos Sindicatos da Administração Pública, em defesa dos direitos e dos interesses dos trabalhadores dos diversos sectores e categorias profissionais, é, pelo conjunto das organizações que integra, a mais represen­tativa estrutura sindical do sector e um interlocutor que se mantém como necessário e imprescindível para garantir uma maior eficácia no plano negocial e potenciar a luta reivindicativa do conjunto dos trabalha­dores da Administração Pública.

21. Num tempo em que o Governo ataca a Administração Pública no seu todo, retirando direitos aos trabalhadores dos diferentes sectores, mas também às populações - tentando reduzir, não só na qualidade, mas também na quantidade, muitos serviços públicos prestados, num claro desrespeito pelo consagrado na Constituição da República Portuguesa, necessário se torna assegurar, por parte de cada uma e do conjunto das estruturas sindicais da Frente Comum, nomeadamente da FENPROF e dos seus sindicatos, uma atitude positiva no sentido de garantir o empenhamento e a cooperação indis­pensá­veis a uma maior e melhor intervenção na prossecução dos objectivos comuns.

22. O combate às políticas extrema­mente gravosas do governo passa por acções e lutas específicas de cada um dos sectores que compõem a Administração Pública que, obviamente, só reforçam a justeza da luta no plano mais geral. Mas ,se a ofensiva a todos visa, a luta deve conjugar as forças de todos porque a raiz dos problemas é comum. Este esforço é tanto mais necessário quanto, no momento presente, a ofensiva se amplia com o agravamento das condições de aposen­tação, a destruição das carreiras, a liquida­ção do vínculo público de emprego, o aumento da precariedade, a generalização do contrato individual de trabalho, os despedimentos pela via da mobilidade especial.

23. A Frente Comum tem um percurso que é de unidade na luta e na reclamação de uma Administração Pública moderna, prestadora de serviços de qualidade, com trabalhadores respeitados e valorizados. Sendo um espaço de convergência de objectivos e acções, a procura da unidade e da acção comum, alicerçada na permanente necessi­dade de encontrar consensos, não está isenta de dificuldades e até de erros, só possíveis de ultrapassar com o perma­nente apro­funda­mento do seu funciona­mento democrático. A convergência de objectivos e de acções, implica também e naturalmente, que, no seio da Frente Comum, sejam assumidas como enrique­cedoras as diferentes estratégias, objectivos, ritmos e capacidade de mobilização das organizações e sectores da administração pública. Há, por isso, que garantir a par­ticipação cada vez maior e mais frequente de todas as organizações sindicais de forma a melhorar a intervenção, a acção e a luta da Frente Comum.

A PARTICIPAÇÃO NAS LUTAS DE TODOS OS TRABALHADORES - A CGTP

24. Num tempo em que já não restam dúvidas sobre a natureza do ataque que tem sido desferido contra os trabalhadores portugueses, do seu carácter global e das suas consequências extremamente nega­tivas - em que releva o recrudescimento de flagelos sociais como a pobreza, o desem­prego, a exclusão. - torna-se ainda mais importante que os trabalhadores e as suas organizações sindicais assumam e reforcem respostas de uma forma também global e articulada. É nesse quadro que a FENPROF reafirma a importância do envolvimento dos Sindicatos de Professores na CGTP-IN.

25. No momento em que se realiza o 9º Congresso Nacional dos Professores, SPGL, SPN, SPRC, SPZS e SPRA já se filiaram na CGTP-IN, na sequência de consultas democráticas efectuadas junto dos seus associados que, de uma forma inequívoca, legitimaram a decisão. Também o SPM se encontra em fase decisiva de reflexão com vista à sua filiação. A participação dos professores nos órgãos da Confederação também se reforçou, tanto ao nível da sua Comissão Executiva como, principalmente, do Conselho Nacional, sendo, aí, muito significativa a participação de dirigentes dos Sindicatos de Professores.

26. A constituição de uma Comissão Específica da Educação, dentro da CGTP-IN, com a participação de professores e de outros trabalhadores, contribuirá, não só, para que se reforce o trabalho da Central nesta área, como permitirá alargar perspectivas na abordagem dos diversos temas.

27. Reforçar esta ligação e este tra­balho, aumentar os níveis de participação e envolvimento dos professores e educa­dores na acção global da CGTP-IN e reforçar o enquadramento político global da inter­venção do movimento sindical docente, continuarão a ser prioridades para a FENPROF.

COMISSÃO DE IGUALDADE

28. O elevado sucesso escolar das raparigas não se tem traduzido num equiva­lente sucesso social, como o demonstram as estatísticas relativas ao emprego, à participação política, às carreiras acadé­micas, à tomada de decisão. As mulheres continuam a ser menos reconhecidas profissionalmente do que os homens, o que se reflecte, nomeadamente, na desvalo­rização social de profissões com elevada taxa de feminização, como é a profissão docente, atingida recentemente por uma desconfiguração total da sua carreira.

29. Com este ECD do ME, vão ser criadas novas situações de discriminação que se traduzem em constrangimentos acrescidos para professoras e educadoras na conju­gação das suas múltiplas funções. O direito à maternidade/paternidade não aparece claramente salvaguardado, nem plenamente consagrada a manutenção de todos os direitos em caso de gravidez de risco e licenças de maternidade/paternidade, nomeadamente quanto aos efeitos na avaliação do desem­penho e progressão na carreira.

30. A temática da igualdade de género não tem estado presente na organização do sistema educativo, ao nível dos programas, dos materiais pedagógicos (que continuam a veicular representações sexistas do mundo desfasadas da realidade social), das práticas pedagógicas e da organização escolar. A universalização na escola portuguesa da educação sexual, como uma componente essencial das aprendizagens, continua longe de se concretizar. A formação inicial e contínua de professores e educadores mantém enormes carências quanto às temáticas da igualdade de género. O tratamento das temáticas de género, reconhecendo o seu carácter transversal, tem de constituir um dos objectivos essenciais do sistema educativo português, para que a escola se possa transformar num espaço de aprendizagens que valorizem a pessoa humana, independentemente do género, um espaço de práticas de cidadania, em que a inclusão e a paridade se apresen­tem como valores fundamentais. 

ACTIVIDADE INTERNACIONAL

31. Uma das faces da FENPROF tem sido a sua presença no plano internacional.

32. Toda a sua actividade neste âmbito, tem-se orientado em torno de alguns objectivos centrais, tais como a promoção da solidariedade, a defesa de uma escola pública de qualidade para todos, a luta pelo reconhecimento social da profissão docente, o combate por uma educação democrática e libertadora e a unificação de esforços na luta contra o neoliberalismo e as suas consequências na Educação.

33. Assumindo as filiações interna­cionais dos sindicatos de professores existentes antes da criação da FENPROF, pode-se afirmar, com rigor, que a presença do sindicalismo docente português, repre­sentado pela FENPROF, na cena interna­cional tem sido uma constante, tendo sido mesmo uma das organizações fundadoras da Internacional de Educação (IE) em 1992.

34. No plano exclusivamente europeu a FENPROF participa no Comité Sindical Europeu da Educação (CSEE), participando de novo no seu Bureau Executivo.

35. Nas relações bilaterais, a FENPROF mantém contactos regulares com os Sindicatos da área geográfica mais próxima (organizações da zona do Mediterrâneo, em particular com Espanha, França e região magrebina), mas erigiu como objectivo estratégico as relações com as organizações sindicais de professores dos países que têm o português como língua oficial. Foi na decorrência deste objectivo que impul­sionou a criação da CPLP-Sindical da Edu­cação que já hoje é uma realidade presente, sobretudo nos países africanos de língua oficial portuguesa, e cuja coordenação é assegurada, neste momento, pela FENPROF.

36. No plano internacional, ainda, a FENPROF continuará a participar na Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos, cujo órgão executivo integra, por eleição. No quadro desta participação, assumiu particular relevo o "Simpósio Internacional - Ciência, Conhecimento e Mercado", reali­zado em Lisboa, em Outubro de 2004.

37. O caminho percorrido pela FENPROF tem-lhe granjeado prestígio internacional, sendo reconhecida como a mais importante e influente organização sindical de profes­so­res de Portugal.

 

D. Serviços, apoio aos sócios e organização e finanças

 

INSTITUTO IRENE LISBOA/FORMAÇÃO DE PROFESSORES

38. O IIL tem prosseguido o objectivo de actualização científica e pedagógica dos docentes, através de acções de formação contínua, explorando as várias temáticas ainda possíveis e diversas modalidades de formação.

39. A FENPROF defende uma maior intervenção do IIL, como decorre dos seus estatutos, nas áreas de estudo de temas relativos ao Ensino e à Educação, bem como à cooperação ao nível da investigação. A título de exemplo, o IIL poderá, num futuro próximo, dar corpo à necessidade premente de contribuir para uma avaliação do impacto real do actual processo de forma­ção contínua nas práticas das escolas.

INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

40. A afirmação da FENPROF como a organização mais representativa dos professores também se realiza através de uma estreita ligação aos professores e educadores aos núcleos sindicais das escolas, aos associados de cada sindicato e às comunidades educativas. Uma ligação que se estabelece através de um aturado e profícuo trabalho no plano da informação e da comunicação.

41. Da relação entre estes dois conceitos resultam para a FENPROF preocupações essenciais:

- Divulgar as iniciativas e os planos de intervenção que são aprovados nos seus órgãos;

- Dar visibilidade ao envolvimento da Federação na procura de soluções para os problemas que afectam o país, a sociedade portuguesa, o sistema de ensino e inves­tigação, a economia e a cultura, bem como às iniciativas que promove nos planos da reflexão e da acção reivindicativa.

42. Para tal, a Federação conta com ajustados meios de comunicação que deve utilizar e explorar, de forma a aproximar o mais possível os momentos da reflexão da decisão e da acção. Esta deve ser a principal preocupação do trabalho de informação e propaganda. A melhoria da qualidade da informação produzida no Jornal da FENPROF e no seu suplemento para o Ensino Superior, bem como na sua página e através da utilização de correio electrónico, não deve estar dissociada da procura constante de soluções organizativas e técnicas. Estas devem melhorar a prestação do serviço de informação da FENPROF e da formação dos seus quadros, sejam eles dirigentes, delegados ou activistas sindicais. Daí que o próximo triénio deverá ficar marcado, neste âmbito, pela optimização dos recursos e pela capacidade de os utilizar.

 43. A aposta na melhoria da qualidade nos planos editorial e organizativo, tanto do Jornal da FENPROF, como da página electrónica, adaptando os diversos suportes às crescentes exigências que se colocam à Federação, deverá ser uma constante.

 44. Deverão também ser prioritárias a realização de estudos e sua divulgação; a publicação de opinião especializada, com recurso à colaboração de uma bolsa de colaboradores sobre diversas matérias relacionadas com a intervenção da FENPROF; a diversificação dos públicos através da criação de centros de interesse que motivem o aumento da leitura dos materiais infor­mativos; a publicação de dossiers temáticos e a divulgação de propostas e pareceres com recurso aos Cadernos da FENPROF.

APOIO E SERVIÇOS AOS SÓCIOS

45. A existência de apoios e serviços a prestar aos professores e educadores associados é, também, uma importante vertente da acção sindical. Desde logo, o apoio jurídico, cada vez mais solicitado e exigente, mas também um conjunto de outros apoios (seguros, serviços médicos, protocolos com entidades bancárias e empresas, descontos diversos em bens e serviços diversos) que resultem em bene­fícios para os sindicalizados. Aspecto importante neste domínio será estabelecer alguma unidade nos apoios e serviços prestados, alargando o acesso de todos os associados dos Sindicatos aos serviços prestados em cada um.

46. O conjunto de associados dos Sindicatos da FENPROF constitui uma importante bolsa a ter em conta em negociações com entidades e empresas prestadoras de serviços.

47. A obter-se uma significativa unificação de serviços e apoios estudar-se-á a criação de um cartão da FENPROF, que não substituirá o de cada Sindicato, mas será utilizado para acesso a serviços e apoios gerais.

CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO DA FENPROF

48. O Centro de Documentação prosse­guiu durante este triénio os trabalhos de reorganização, nomeadamente de migração dos registos para um programa informático mais intuitivo e de maior capacidade. Estes trabalhos revelaram-se pela sua extensão mais demorados do que o previsto. Simulta­neamente iniciou-se o processo técnico que permitiu já o acesso à base de dados do Centro de Documentação na página electrónica e que num futuro breve permitirá uma maior facilidade na requi­sição e consulta das espécies.

SITUAÇÃO FINANCEIRA

49. As políticas de "aumento zero" ou abaixo da inflação impostas aos docentes e à generalidade da Administração Pública, o aumento do desemprego, a aposentação de muitos professores (grande parte sócios dos SP's) tenderão a ter naturais consequências financeiras nos Sindicatos cujas receitas são, na sua quase totalidade, provenientes das quotizações recebidas. Estas dificul­dades não deixarão de reflectir-se na vida financeira da FENPROF, sendo, porém, de sublinhar que os Sindicatos têm conseguido elaborar e cumprir orçamentos que se ajustam à realidade.

50. O 9º Congresso sublinha a necessi­dade de um grande rigor nesta matéria, com um enorme esforço no respeito pelos Orçamentos anuais e uma política de redução de despesas, principalmente através do combate aos desperdícios e de rigoroso estudo de custos de materiais a produzir e das iniciativas a desenvolver, salvaguardando sempre o princípio de que a actividade reivindicativa deve ter sempre a prioridade na actividade (e despesas) da FENPROF.