Nacional

GREGOS E TROIKANOS*

30 de junho, 2015

Se a Homero fosse dada a possibilidade de escrever sobre a relação entre gregos e troikanos poderia inspirar-se na Ilíada e adaptá-la aos tempos atuais. Dessa história devemos esperar que, como então, os gregos saiam vencedores, sabendo-se que, para derrotar o inimigo que hoje enfrentam, será necessário um pelotão de cavalos.

Longe vão os tempos em que o romance animava as disputas, pelo que, desta vez, o doce perseguido não será a bela Helena, mas toda a riqueza que possa ser sugada à Grécia, pois é isso que anima estes violadores do século XXI, DC. Ocupam-se com a apropriação de bens alheios, quer para seu gáudio, quer para aumentar a dimensão do seu império, subjugando os povos que pretendem transformar em escravos destes tempos. Escravos que só não serão alimentados nas caves escuras das casas senhoriais, com os restos da comida não tragável, porque é muito mais simples empurrá-los para os andares superiores das grutas que Saramago descreveu.

De acordo com Homero, aos gregos impôs-se capacidade de organização e uma dose elevada de criatividade para recuperarem a mulher roubada a Menelau. O cavalo enganou os troianos e os navios transportaram os que ajustaram contas com os κλέφτες.

Porém, os tempos são outros, os troikanos não dormem em serviço, nem tão pouco arriscam por dá cá aquela paixão e, até relativamente à satisfação desse tipo de “sentimento”, como se pôde confirmar por exemplo passado de diretor-geral do FMI, recorrem à contratualização de serviços externos.

Pela comunicação nacional, propriedade dos troikanos e seus simpatizantes, temos sido informados que os gregos, se não pagarem o que devem aos senhores, serão severamente castigados com medidas que não irão esquecer. Ainda não se disse que acabarão a comer pedras da rua, mas já se ameaçou com a falta de liquidez para pagar salários e pensões, como também para manter serviços públicos que lhes são essenciais. Para manter essa liquidez, avisam os troikanos, é necessário cortar salários e pensões, como também destruir serviços públicos que são essenciais aos gregos.

Curiosa, mas não estranhamente, o BCE deu há dias luz verde para transferir mais 60 mil milhões de euros para os bancos gregos, valor que daria para pagar quase 40 tranches iguais às que se exige que, com o dinheiro roubado a trabalhadores, reformados e utentes dos serviços públicos, os gregos paguem aos credores liderados por FMI e União Europeia, confirmando que, para tais agiotas, a vida das pessoas vale menos que a de qualquer banco.

Estes castigos com que os gregos são ameaçados por – e agora avançamos um pouco na história – se recusarem a pagar corveia, banalidades, ajudadeira, formariage, fossadeira e algumas miúnças são também parte de um “sério aviso” a outros povos para que não arrisquem imitar os gregos, desafiando o poder de quem manda. E, nesse aspeto, os portugueses fazem parte dos avisados e Portugal é um exemplo que os troikanos gostam de dar: um país com os cofres cheios que, assim, poderá continuar a alimentar o seu inesgotável apetite.

Aos trabalhadores gregos, onde se incluem os professores, que mais pode ser imposto que não seja imposto aos portugueses? Cortes salariais? Também temos desde 2010! Carreiras congeladas? Sabemos o que é desde janeiro de 2011! Uma enorme carga fiscal? Continuamos com a herança do desaparecido Gaspar que goza de um emprego dourado oferecido por aqueles que serviu. Desemprego, precariedade, medidas do tipo “mobilidade especial”? O FMI mandou cortar mais 173 milhões de euros em funcionários públicos. Encerramento de serviços públicos que servem funções do Estado? Conhecemos bem a prática. Municipalização ou privatização de serviços? São estratégias que estão aí em força.

Então, concluir-se-á, o que de essencial nos distingue dos gregos é a postura do seu governo face ao que os troikanos lhes querem impor. Enquanto eles recusam ceder Helena, o subserviente governo português entende que, para além de Helena, lhes pode também oferecer, Conceição, Gisela, Maria, e, se estiverem interessados, acrescentará Zulmira na cedência.

Por vezes afirma-se que é uma questão de honra ou de coluna vertebral e que isso faz toda a diferença entre os governos grego e português. Também é isso, claro, mas, na verdade, a questão principal é que os governantes portugueses reveem-se no que lhes é exigido: por razões de ordem ideológica (é aquele o caminho que querem percorrer) e também porque, saindo da cadeira do poder, sabem que, aos colaboracionistas, será oferecida uma cadeira onde se poderão refastelar.

Antes que seja tarde, é preciso agora, com eleições à vista, acentuar a luta contra quem impõe estas políticas em Portugal e, no momento adequado, levar a luta até ao voto.

* Mário Nogueira, Editorial do JF, edição Junho 2015