Actualidade
FENPROF em conferência de imprensa (4/03/2008)

Governo provoca acentuada recessão no Ensino Superior Público

29 de fevereiro, 2008

Em conferência de imprensa realizada na manhã de 4 de Março, em Lisboa, o Departamento de Ensino Superior e da Investigação da FENPROF, além de apelar à participação dos docentes e investigadores na Marcha da Indignação entretanto realizada no dia 8 de Março  com mais de 100 000 participantes, anunciou o lançamento de acções específicas de mobilização dos docentes e investigadores, preferencialmente em conjunto com outras organizações sindicais. O objectivo é "a afirmação junto do Governo e do MCTES das reivindicações dos docentes e investigadores, designadamente no que se refere à salvaguarda do direito à carreira e à estabilidade profissional, e, em especial, à abertura de lugares do quadro e ao desbloqueamento da progressão nos escalões, congelada desde 30/8/2005".

"O Governo provoca uma acentuada recessão no Ensino Superior Público", sublinhou João Cunha Serra no encontro com os profissionais da comunicação social, no qual a FENPROF alertou para as consequências dos problemas de financiamento no sector, apontando, entre outras, as situações causadas pela imposição de "contratos de saneamento económico e financeiro" a quatro universidades: Évora, Trás-os-Montes e Alto Douro, Algarve e Açores.

"Todas as instituições estão depauperadas por violentos cortes orçamentais, sobretudo as do interior do País que revelaram ser um motor do desenvolvimento regional", destaca a nota de imprensa apresentada e comentada pelo coordenador do Departamento e membro do Secretariado Nacional da FENPROF.

"O Governo obriga as instituições que estão mais afectadas a "emagrecer", por estarem a gastar acima dos orçamentos reduzidos, violando direitos de carreira dos docentes", afirmou João Cunha Serra, que estava acompanhado de outros elementos do Departamento de Ensino Superior e Investigação da FENPROF: Mário Carvalho (Instituto Politécnico do Porto), Rui Salgado (Universidade de Évora) e Carina Carmo (Universidade do Algarve).

"A gestão destas instituições (mais afectadas) está a ser determinada ou imposta pelos serviços do Ministério, ofendendo gravemente a sua autonomia, num inaceitável "regresso ao passado", alerta a FENPROF.
Depois de referir que "os custos do Ensino Superior são cada vez mais transferidos para os estudantes e suas famílias, através de propinas crescentes, prejudicando a democratização do sector", a síntese da nota de imprensa apresentada aos jornalistas realça que "a avaliação dos cursos, após a paralisação do CNAVES imposta pelo Ministro, mantém-se no domínio do aparelho burocrático do Ministério, permitindo grande arbitrariedade nas decisões sobre a aprovação ou a rejeição dos cursos".

Respondendo a questões colocadas pelos jornalistas, João Cunha Serra sublinhou que "temos propostas para ultrapassar esta crise que se vive no Ensino Superior" e lembrou que o responsável do MCTES não reúne com os Sindicatos desde o Verão do ano passado. Recorde-se, a propósito, que Mariano Gago tinha prometido apresentar um documento orientador para a revisão dos estatutos das carreiras e, nesse sentido, ouvir as organizações representativas dos docentes, o que ainda não aconteceu.

No documento divulgado aos jornalistas, são apresentados em primeiro lugar os traços mais salientes da "política de asfixia financeira do Ensino Superior Público e as suas consequências":

Múltiplas razões para a indignação

Aos docentes do Ensino Superior e aos Investigadores não faltam razões de Indignação:

1. O Governo realizou, em 2007, e mantém, em 2008, cortes nominais violentos (cerca de 15%, em 2007, e 8%, em 2008) nos orçamentos das instituições, tripudiando sobre a fórmula de financiamento, que transformou numa ficção;

2. O Ministro, entretanto, não honrou os contratos de desenvolvimento assinados entre as instituições e a anterior Ministra, subtraindo-lhes, deste modo, muitos recursos financeiros

3. O Governo compeliu, assim, em 2007, quatro instituições a ficarem deficitárias. Esse número aumentará substancialmente em 2008, com graves prejuízos para a garantia da qualidade, da relevância social e da eficiência das suas actividades;

4. O Ministro está agora a aproveitar as dificuldades financeiras que criou para coagir as instituições mais vulneráveis, via contratos de saneamento financeiro, a reduzirem custos pelo não cumprimento dos direitos de carreira dos seus docentes, nomeadamente recusando sabáticas e dispensas de serviço docente para doutoramento;

5. O Ministro, depois de depauperar estas instituições, está a ofender também a sua autonomia, humilhando-as com o envio de controladores financeiros e com a exigência de relatórios com detalhadas justificações de despesas, como se fossem incapazes de se governar a si próprias. As instituições de ensino superior têm efectuado uma gestão de recursos, a vários títulos exemplar, pelo que não se compreende nem se justifica esta medida que viola a Lei da Autonomia;

6. O Governo vai, assim, impelindo as instituições a fixarem as propinas das licenciaturas e de alguns novos mestrados nos valores mais altos que a lei permite e a subirem, até onde o mercado permitir, as propinas dos mestrados antigos, dos doutoramentos e de outras pós-graduações, agravando assim as desigualdades no acesso e na frequência no ensino superior;

7. O Governo contribui também, com a asfixia financeira das instituições, para bloquear um dos principais procedimentos com vista ao reconhecimento e recompensa do mérito. De facto, as vagas nos quadros estão globalmente por preencher a cerca de 35%. Entretanto, as progressões nos escalões estão congeladas desde 1 de Setembro de 2005;

8. O Ministro, para além disto, anunciou já aos Reitores que irá rever o ECDU de modo a retirar, aos assistentes e a outros docentes universitários, a garantia de prosseguirem na carreira após o doutoramento, contrariando as expectativas que lhes foram criadas no momento em que foram contratados;

9. Os concursos públicos -  forma típica de avaliação e reconhecimento do mérito nas carreiras - encontram-se em vias de extinção, devido aos cortes orçamentais. O discurso político do Governo a favor da avaliação do desempenho e da recompensa do mérito está, no Ensino Superior, posto à prova. A asfixia financeira impede a realização da avaliação.

10. O Governo vai, entretanto, mantendo e agravando os enormes atrasos na aprovação e no financiamento dos projectos de investigação financiados pela FCT;

11. Para além destes atrasos, o Governo não disponibiliza um quadro geral e um calendário dos concursos a financiamentos. Não se sabe, por exemplo, quando vão existir novos concursos para projectos de investigação em todos os domínios científicos, nem nunca são divulgados os montantes globais envolvidos

12. Os Centros de Investigação avaliados e financiados pela FCT, a maioria dos quais sedeados em instituições do ensino superior, desconhecem se terão e quais serão os seus orçamentos para 2008, no âmbito do financiamento plurianual. Estes orçamentos estão dependentes de um processo de avaliação da responsabilidade do próprio Governo, que deveria ter sido efectuado durante o ano de 2007 e que está longe de estar concluído, havendo ainda painéis de avaliação por definir.

13. O Ministro não transfere para as instituições milhões de euros de gastos gerais com projectos de investigação, devidos desde 2001, que podiam contribuir para aliviar as dificuldades financeiras de algumas instituições, contrariando na prática, o discurso de que o investimento na Ciência iria compensar os cortes nos orçamentos de funcionamento;

14. O Governo transfere anualmente, para universidades norte-americanas, ao abrigo de parcerias, verbas superiores às que transfere para algumas universidades portuguesa, encontrando-se por fazer o balanço dos respectivos custos/benefícios. Os financiamentos disponíveis no âmbito destes programas internacionais não são atribuídos através de concurso aberto o que tem impedido um grande número instituições do ensino superior de concorrer;

15. O Governo cativou, em 2006, verbas do OE e até receitas próprias, desrespeitando a programação da gestão das instituições e o seu esforço de angariação de financiamentos alternativos aos do Estado que, nos discursos, o Ministro diz querer incentivar;

16. O Governo mantém a disposição iníqua, aprovada em 2003, que impede as instituições de transitar de ano com um saldo inferior ao do ano anterior, criando-lhes com isso graves dificuldades de gestão, em especial, no final de cada ano;

17. O Governo força as instituições a pagarem do seu orçamento, no essencial, as despesas de saúde do seu pessoal. De facto, tudo indica que as instituições estarão a ser contribuintes líquidos da ADSE, pois os gastos em medicamentos - únicos gastos de saúde que não são pagos pelos seus orçamentos - são estimados como sendo inferiores aos descontos de 1,5% nos vencimentos de docentes e restante pessoal, que vão para a ADSE;

18. O Ministro mantém, desde que tomou posse, um sistema governamentalizado de avaliação de cursos, tendo paralisado a acção do CNAVES e estando a atrasar a entrada em funcionamento da Agência de Acreditação e Avaliação, permitindo decisões discricionárias e de idoneidade duvidosa sobre aceitação ou a recusa da aprovação de cursos no novo figurino de Bolonha (com repercussões nas capacidades de captação de alunos), ao mesmo tempo que faz crer à opinião pública que as instituições não se preocupam com a empregabilidade dos seus cursos, nem com o nível da procura dos alunos.

É possível sair da crise

Mais adiante, o documento sindical sintetiza as "reclamações e propostas da FENPROF":

  1. Reforço dos orçamentos de funcionamento das instituições para 2008 para garantir a sua solvência financeira, sem prejuízo da qualidade, da eficácia, da eficiência e da relevância social, bem como dos direitos do pessoal docente, investigador e outro;
  2. Conversão dos contratos de saneamento económico e financeiro em contratos programa e contratos de desenvolvimento, de forma a evitar que os primeiros assumam um carácter economicista e de modo a viabilizar planos estratégicos que se integrem nos processos de desenvolvimento regional e nacional;
  3. Eliminação imediata das condições exigidas pelo MCTES para a elaboração dos contratos de saneamento económico e financeiro, que violam o estabelecido no ECDU (sabáticas e dispensas de serviço docente para doutoramento), e respeito pela autonomia das instituições;
  4. Fim do congelamento dos saldos transitados. No mínimo, aceitação por parte do Governo do princípio de que o limite de saldo transitado a não ultrapassar seja igual ao que se verificou no ano em que pela primeira vez foi imposta essa medida às instituições, descontadas as reduções já autorizadas para pagamento das contribuições extraordinárias para a CGA;
  5. Transferência imediata, para reforço dos orçamentos de funcionamento das instituições, das verbas em dívida da FCT relativas a gastos gerais dos projectos (20% do total aprovado para estes);
  6. Respeito efectivo pelas expectativas criadas aos actuais docentes e investigadores, nos estatutos das carreiras em vigor, em particular, aos assistentes e assistentes estagiários, quanto aos efeitos contratuais da obtenção do doutoramento e do mestrado, respectivamente;
  7. Arranque urgente da Agência de Acreditação e de Avaliação, pondo termo a este longo período (três anos) de avaliação burocrática, governamentalizada, feita na Direcção Geral do Ensino Superior.