Revisão dos Estatutos de Carreira
"Transição justa, vínculo estável" - mensagem em destaque na concentração realizada na tarde de 3 de Junho, em S. Bento

Ensino Superior protesta frente à AR

02 de junho, 2009

3 de Junho de 2009 fica assinalado por uma expressiva acção de protesto e luta do Ensino Superior no nosso País, condenando as propostas de Estatutos de Carreira (Universitário e Politécnico - ECDU e ECDPESP) que o Ministro Mariano Gago divulgou recentemente e que mantêm pontos que desde o início do processo de discussão foram considerados inaceitáveis pelos docentes e pelas organizações sindicais envolvidas nas negociações com o MCTES. A luta contra a precariedade e a instabilidade estão no centro das preocupações. A concentração nacional frente à Assembleia da República, a mobilização nos Institutos Politécnicos com a recolha de um Abaixo-Assinado (Engenharias paralisadas no Porto, Lisboa e Coimbra ) e uma reunião sobre a situação dos Leitores, realizada na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,  ao fim da manhã, foram os pontos altos desta jornada convocada pela FENPROF e pelo SNESup.

João Cunha Serra, coordenador do Departamento de Ensino Superior e Investigação e do Secretariado Nacional da FENPROF, interveio na concentração realizada pelos docentes do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL) (em que participou, também, o Secretário-Geral da FENPROF, Mário Nogueira)  e nas outras iniciativas na capital, tendo alertado a comunicação social para as graves situações de precariedade e de injustiça que, no plano profissional, se continuam a sentir no Ensino Superior, envolvendo docentes, investigadores e leitores.

Assembleia da República
Política do MCTES não faz sentido...

Frente às escadarias principais da Assembleia da República, centenas de professores do Ensino Superior, oriundos de várias instituições do País, concentraram-se para demonstrar descontentamento e indignação perante as alterações que o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior pretende fazer nos estatutos de carreira. "Pela estabilidade contratual, pelo direito à carreira", exigia um dos panos presos às grades de separação das escadarias de São Bento.

"No processo de revisão dos Estatutos de Carreira Docente do Ensino Superior há ainda questões a negociar mas é já evidente que no que respeita ao regime transitório que para muitos dos actuais docentes será decisivo, se verifica um impasse e um largo desacordo", sublinha a moção aprovada pelos docentes concentrados em S. Bento.

"Como deDesde o início das negociações com o MCTES, tanto a FENPROF como o SNESup, vêm defendendo que a vinculação estável dos actuais docentes com contratos precários, em regime de tempo integral ou em dedicação exclusiva, se deve basear na natureza das funções exercidas (necessidades permanentes) e na antiguidade da relação contratual (da duração do contrato), conforme decorre da lei geral, bem como na qualificações e no mérito individual comprovado. Esta posição dos sindicatos, que parte de um conhecimento profundo das realidades sócio-laborais e académicas das várias instituições e do seu dever de representação dos colegas em situação precária, tem suscitado sempre da parte do Ministro, mais interessado em pôr os seus postos de trabalho a concurso como se de descartáveis se tratasse, uma clara e peremptória rejeição", regista a moção.

Particularmente em foco  nesta jornada de 3 de Junho esteve a situação do ensino politécnico, onde a precariedade é mais acentuda. O MCTES pretende obrigar  que todos os docentes passem a aceder aos cargos por concurso (ver subtítulo mais adiante).

Particularmente em foco  nesta jornada de 3 de Junho esteve a situação do ensino politécnico, onde a precariedade é mais acentuda. O MCTES pretende obrigar  que todos os docentes passem a aceder aos cargos por concurso (ver subtítulo mais adiante).

"Os professores estão aqui a protestar em primeiro lugar pela forma como estão a ser tratados pelo Governo e pelo ministro que querem obrigá-los, após muitos anos de trabalho nas suas instituições com uma avaliação positiva, a passarem por concursos, no fundo porem os seus lugares à disposição, precarizando assim a sua relação laboral", sublinhou João Cunha Serra.

Como realçou o dirigente do SPGL e da FENPROF, "não faz nenhum sentido" que a tutela queira a "estabilização do corpo docente" criando ao mesmo tempo "novas instabilidades"...

Politécnico
Submissão a concursos


"No caso dos Politécnicos", lembra o referido Abaixo-Assinado, de entre os docentes que aí leccionam a tempo inteiro, "cerca de 60 por cento encontram-se na situação de equiparados e/ou assistentes, isto é, em situação de trabalho precário". 

"Estas condições de precariedade (renovações de contratos a termo certo, por um número sucessivo e indeterminado de vezes), mantidas pelos vários governos nas últimas décadas, são chocantes quando comparadas, por exemplo, à aplicação da lei nas empresas privadas. Nestas, se num período não superior a três anos, o colaborador demonstra competência para ocupar o lugar, ingressa nos quadros da empresa, adquirindo os direitos inerentes ao desempenho das suas funções", observa o Abaixo-Assinado que circulou nas instituições de Ensino Superior Politécnico.

A todos esses docentes, em condições precárias, independentemente dos graus académicos que detenham (doutoramento ou mestrado), do tempo de serviço docente (um, dez, vinte ou mais anos), das actividades pedagógicas, científicas e de gestão que tenham desenvolvido nas instituições em que trabalham, o responsável do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior propõe uma única possibilidade de ingresso na carreira: a submissão a concursos públicos.

Recorde, a propósito, que na última reunião mantida com os representantes sindicais, o titular do MCTES  fechou mais uma vez a porta, no Politécnico, a qualquer solução transitória que não passe exclusivamente por concursos, cuja realização continua incerta, mantendo-se assim a ameaça do agravamento da situação de instabilidade e da redução dos salários, como alertava o comunicado de imprensa então divulgado (26/05/2009).

O Abaixo-Assinado lançado nos Politécnicos especifica:
"Aos docentes que já têm o grau de Doutor conferido por universidades nacionais ou estrangeiras, qualquer que seja o tempo de docência, a quem foram atribuídas competências e responsabilidades de Professor Adjunto ou de Professor Coordenador, o senhor Ministro pretende colocar os seus lugares a concurso."

"Aos docentes que estão em trabalhos de doutoramento, qualquer que seja o tempo de docência, a quem foram atribuídas competências e responsabilidades de Professor Adjunto, o senhor Ministro pretende, após a obtenção do grau, colocar os seus lugares a concurso."

"Aos docentes que têm o grau de Mestre, que era, pelo anteruior Estatuto, o requisito de formação académica exigido para acesso à categoria de Professor, qualquer que seja o tempo de docência, o senhor Ministro propõe a obtenção do grau de Doutor ou o título de Especialista, num período máximo de seis anos; após a obtenção do graui ou do título, o senhor Ministro pretende colocar os seus lugares a concurso".

E acrescenta: "Aos docentes que entraram no Ensino Superior Politécnico por concurso como assistentes, aos docentes que já se sujeitaram a concursos públicos para Professor Adjunto e apenas não integraram a carreira por falta de vagas; aos docentes que já foram aprovados com mérito absoluto em concurso de provas públicas para Professor Coordenador e apenas não integraram a carreira por falta de vagas, o senhor Ministro pretende colocar os seus lugares a concurso". Obviamente, "não o aceitaremos", realça o texto do Abaixo-Assinado.

Enquanto as questões de extrema gravidade, como as que o Abaixo-Assinado denuncia, "não forem devidamente acauteladas", os docentes do Politécnico continuarão, certamente, a mostrar a sua indignação, o que pode, "contrariamente à nossa vontade, afectar o bom funcionamento e conclusão do ano lectivo".

Instabilidade também nas instituições
com maratonas de concursos...

"Uma preocupação não menos importante do que a situação de milhares de docentes é a elevada instabilidade que o regime de transição proposto no ECDPESP provocaria nas instituições do Ensino Superior Politécnico", regista o texto do Abaixo-Assinado, que acrescenta a propósito:

"Se todos os lugares que agora estão a ser ocupados por professores equiparados a tempo inteiro fossem postos a concurso, a maratona de concursos públicos daí resultante envolveria a maioria dos docentes de cada instituição, como avaliadores ou avaliados. Acresce que a proposta de constituição de júris para concursos de Professor Coordenador e de Professor Coordenador Principal retira às instituições do Politécnico o seu poder de decisão, afecta a sua autonomia e promove a descaracterização do ESP".

"Durante o período de transição, muitos docentes estarão a trabalhar nos seus doutoramentos. Desconhecem-se neste momento as possibilidades concretas de apoio a esta formação", alerta o texto divulgado nos Politécnicos, que acrescenta:
"A dedicação do corpo docente às suas tarefas mais nobres seria, durante esse período, altamente sacrificada, com todos os efeitos negativos e de desperdício de recursos, facilmente previsíveis".

"Também a actividade dos Centros de Investigação do ESP, criados e mantidos com o esforço que o senhor Ministro conhece, seria posta em causa, se muitos dos actuais docentes que integram esses centros e estão nas condições de precariedade já expostas, fossem dispensados".

"Neste cenário nenhuma instituição de Ensino Superior seria capaz de assegurar a qualidade de ensino e investigação que os alunos merecem e que o País necessita", conclui o texto do Abaixo-Assinado.

Leitores
Ensino das línguas tem que ser considerado
área científica

O projecto de ECDU de 29 de Maio continua a defender uma visão errada daquilo que é o ensino das línguas estrangeiras nas universidades ao não reconhecer esta área como uma área científica e ao não aceitar as reivindicações principais que estiveram na base da movimentação dos leitores nas universidades portuguesas, destacou a reunião que decorreu nesta quarta-feira, dia 3 de Junho, ao fim da manhã, na Faculdade de Letras de Lisboa.

A nova versão de ECDU desvaloriza o ensino das línguas estrangeiras numa Europa e num Mundio plurilingues e desconhece a realidade profissional dos docentes de línguas vivas, pretendendo reduzi-los num futuro próximo -  é a leitura feita nesta reunião - a uma figura passageira nas instituições universitárias, insistindo numa visão errada e obsoleta daquilo que é a realidade daquelas instituições universitárias . O MCTES parece desconhecer o papel decisivo que os leitores desempenham na transversalidade dos saberes e na formação linguística dos estudantes universitários, como foi alertado por vários intervenientes neste encontro, em Letras.

Como foi sublinhado pelos participantes neste encontro, já em vários momentos se alertaram os responsáveis no sentido de "não se perder uma oportunidade única de corrigir uma situação absurda", indo ao encontro do que se passa na Europa, "onde as línguas têm o seu campo de investigação, os seus doutores, a sua carreira, o seu enquadramento institucional. Língua, Linguística, Literatura, Cultura são elementos de um mesmo paradigma científico". Infelizmente, Mariano Gago, embora reconhecendo que a situação actual dos leitores nas universidades portuguesas nada tem a ver com a situação do passado, acabou por não dar perspectivas de solução a estes profissionais (cerca de 150 em todo o País).

Assim, além da luta pelo reconhecimento das línguas estrangeiras como área científica (a Faculdade de Letras de Lisboa, por exemplo, está atenta a esta situação e já se realizaram reuniões com os órgãos da escola), reivindica-se a criação de condições para que os actuais leitores realizem investigação conducente ao doutoramento, garantindo a sua contratação como Professores Auxiliares, após a entrega e defesa da tese para a obtenção do grau de Doutor, nos termos do nº 5 do artigo 10º do regime de transição dos Assistentes previsto no novo ECDU.

Nesta reunião de 3 de Junho foi ainda chamada a atenção para a necessidade de promover a estabilidade profissional dos leitores, permitindo uma "gestão eficiente dos recursos humanos" das instituições respectivas e simultaneamente uma continuidade na relação pedagógica com os estudantes e o desenvolvimento do trabalho científico. Garantir a qualidade do ensino das línguas estrangeiras e a sua equidade com as outras disciplinas cientificas ? é também preocupação saliente dos leitores em funções no nosso País.

Uma luta para dinamizar

O tipo de contratação, para os leitores, previsto no novo ECDU, entra em contradição com as disposições da lei geral, relativas aos contratos a termo resolutivo certo na Função Pública (Lei 59/2008 de 11 de Setembro). O artigo 93º faz o elenco taxativo das situações previstas. Nenhuma delas permite responder às necessidades permanentes das instituições no âmbito do ensino das línguas, assinala o apontamento preparado para esta reunião por um grupo de leitores da Faculdade de Letras de Lisboa. Guilhermina Jorge, uma das dinamizadoras desse documento, salientaria à nossa reportagem a necessidade de "prosseguir esta luta". Mobilizando todos os leitores em todo País, insistindo nas reuniões com os órgãos das instituições, incluindo os reitores, e desenvolvendo a intervenção sindical. "Queremos uma mudança estrutural. Está em causa o futuro das línguas", observou.

"A filosofia subjacente ao novo ECDU assenta no pressuposto de que o ensino das línguas é uma necessidade temporária, o que está em contradição flagrante com a realidade das faculdades de letras", destaca o documento entregue na reunião.

A Mesa deste encontro em Letras foi constituída por Guilhermina Jorge, leitora; João Cunha Serra (FENPROF) e Gonçalo Xufre (SNESup). Num esboço de síntese das preocupações e das ideias fundamentais da reunião, Cunha Serra destacou a necessidade de aprofundar o diálogo com as instituições e o empenhamento sindical na luta por um regime de transição, revelando ainda que os Sindicatos vão pedir uma reunião com o Conselho de Reitores (CRUP) para análise dos problemas relacionados com o universo dos leitores. Estiveram presentes leitores das Universidades de Lisboa, Minho e Aberta. / JPO

  


Ecos na comunicação social: